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Abastecimento doméstico pode ser solução para a proteção do Lago Paranoá

O Lago Paranoá é considerado limpo há exatos 13 anos. O cálculo é de Fernando Starling, superintendente de Recursos Hídricos da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Segundo ele, até a década de 80 o reservatório recebia por dia 500kg de fósforo (agente poluidor). Hoje, apenas 20% dessa carga orgânica nociva chegam ao lago. Dos 38km; do espelho d;água, 95% são considerados balneáveis, ou seja, próprios para banho. De acordo com Starling, a qualidade é tão boa que em breve a Caesb começará a captar água nas proximidades da barragem para consumo humano. E, na avaliação de especialistas, essa é justamente a principal arma para a preservação do espelho d;água.

Em face da necessidade cada vez maior de recursos hídricos para abastecer um número maior de moradores, a Agência Nacional de Águas (ANA) já concedeu à Caesb outorga para a captação da água. ;É bom para população e excelente para o lago, por ter conseguido ser despoluído. Além disso, como será usado para consumo humano, automaticamente o Lago Paranoá se torna um manancial e as exigências de preservação são muito maiores. É uma forma de protegê-lo;, explica o superintendente.

O pesquisador e professor do Instituto de Geociências da UnB Geraldo Boaventura não discorda do uso dos recursos hídricos do lago para abastecimento, mas cobra mais políticas eficazes de recuperação e preservação da malha hidrográfica do DF. ;Sim, o Lago Paranoá está em boas condições, mas é justamente por isso que temos que estar atentos aos problemas que podem se agravar no futuro e comprometer sua integridade se não houver políticas eficazes e educação ambiental;, diz.

Boaventura está à frente de um estudo que tem como objetivo medir a concentração de zinco e de cobre na água da bacia hidrográfica. O excesso dos metais é tóxico para peixes e, por meio dos elos da cadeia alimentar, pode chegar ao homem. Boaventura lembra a importância de cuidar dos rios que abastecem o lago, em especial aqueles devastados, para preservar o futuro manancial. ;É possível recuperar áreas degradadas, mas é um processo lento e caro. Além disso, precisamos de mais estações de tratamento de esgoto capazes de impedir a poluição de rios que abastecem o Paranoá.;

Histórias
Ainda criança, a produtora Lia Tavares visitava o lago com a família quando caiu na água. A maior preocupação da família era a menina adquirir alguma doença em consequência da poluição da água. Hoje com 31 anos, ela usufrui do Paranoá diariamente. ;Eu vou e volto do trabalho todos os dias de caiaque e também acho um dos espaços de lazer mais incríveis de Brasília;, conta. Nos fins de semana, leva o marido e as duas filhas de três e um ano para piqueniques na Ermida Dom Bosco ou no local conhecido por ;quebra da 13;, no Lago Norte. Mesmo sendo frequentadora assídua do lago, Lia o vê como um potencial subutilizado. ;É pouco democrático. Quem tem mais grana tem carro para chegar lá, ou para ir aos clubes com estrutura. Os pontos públicos não têm sequer banheiros;, reclama.

A queixa do publicitário David Crivelaro, 30 anos, é a mesma de Lia: falta de infraestrutura para os banhistas, o que não o impede de frequentar o lago. ;Nasci em Brasília e sempre tomei banho lá, mas agora eu vou mais, porque a qualidade da água melhorou. Nesse nosso calor de cerrado e sem praia, a gente vai para o lago mesmo;, afirma. Para ele, é um ótimo lugar para levar a família. ;É uma opção de lazer pra quem está com filhos.;


José Pereira, 57 anos, tem fresco na memória os tempos de águas tão poluídas que era impossível praticar a pesca no lago, seu hobbie preferido. Quem dirá utilizá-la para consumo humano. ;Primeiro, o cheiro de peixe morto era terrível. E, quando pescava algo, até o gosto era diferente;, relembra. Tucunarés, carpas, tilápias e traíras voltaram aos montes após a limpeza do espelho d;água. Agora, a reclamação de Pereira é outra. ;Poderiam construir um espaço para os pescadores, com estrutura própria. Isso falta até hoje;, diz. O amigo de pesca, Flávio Liberalesso, 47 anos, faz outra crítica. ;Precisam retirar o lixo do fundo. Vira e mexe encontramos garrafas ou pneus aqui;, diz ele.

Energia
A preservação dos rios afluentes está atrelada à exploração do Lago Paranoá para a produção de energia elétrica, ainda que esta não seja uma das principais finalidades do reservatório. Isso porque a Companhia Energética de Brasília (CEB) só pode aproveitar a força da água quando o nível do Lago está normal, ou seja, não há risco de seca. ;A usina da Barragem é responsável pela produção de 2% ou 3% da demanda do DF. Quando as cotas estão baixas demais, interrompemos a geração para não agravar a situação;, explica Manuel Clementino Barros Neto, diretor da CEB Geração.

A exploração do potencial hídrico é orquestrada com outros órgãos responsáveis por diferentes aspectos do lago. ;Antes, a CEB só operava por interesse de geração, mesmo se as cotas estivessem baixas;, completa Diógenes Mortari, superintendente de Recursos Hídricos da Adasa. Desde o fim do ano passado, a agência determinou a formação desse grupo para monitorar a situação do nível de água do Lago Paranoá (veja gráfico abaixo).

Para saber mais

204 mil piscinas

A bacia hidrográfica do Rio Paranoá ocupa o centro do Distrito Federal e é a única bacia de abastecimento da capital federal que está completamente inserida dentro do território. Seus recursos hídricos se espalham pelas regiões de Brasília, Lago Norte, Lago Sul, Núcleo Bandeirante, Riacho Fundo, Candangolândia, Cruzeiro e Guará, além de parte de Taguatinga. É responsável por drenar uma área de cerca de 1004,7km;. Seus principais cursos de água são o riacho Fundo e os ribeirões do Gama, Bananal, Torto e Cabeça de Veado.

Em 1961, um ano após a inauguração da capital, o represamento desses cursos de água deu origem ao Lago Paranoá, inundando terrenos situados abaixo de mil metros de altitude em relação ao nível do mar. A criação do lago teve a intenção de amenizar o clima seco, permitir a geração de energia elétrica, além de propiciar opções de lazer à população. O volume de água acumulado é de aproximadamente 510 milhões de m;, o suficiente para encher 204 mil piscinas olímpicas (com 50 metros de comprimento e 25 metros de largura). A superfície do espelho d;água tem extensão de 38 km;, o equivalente a cerca de 5 mil campos de futebol. A profundidade máxima do Lago Paranoá é de 40 metros, mas a média é de 13 metros.


Colaborou Ana Pompeu