Jornal Correio Braziliense

Cidades

Tradição, a alma do negócio dos comércios de Brasília

A marca da tradição (ou o desejo de tornar-se tradicional) está estampada em letreiros de centenas de lojas de todo o Distrito Federal. Basta passear pelas quadras comerciais para encontrar exemplos. Placas afixadas na entrada avisam o ano de inauguração do estabelecimento. Uma estratégia barata e eficaz dos comerciantes para conquistar a confiança do público. Em uma cidade com apenas 51 anos, costumes começam a ser moldados.

A pizzaria Dom Bosco é um desses espaços. Quem chega ao famoso local ; que teve o primeiro ponto instalado na 107 Sul ; lê na fachada: ;Pizzaria Dom Bosco, desde 1960;. O dono da lanchonete, Enildo Veríssimo, 65 anos, garante a eficácia do método: ;O visitante logo vê que esse é um ponto turístico. É um complemento para o sucesso do negócio;. A Dom Bosco foi uma das primeiras pizzarias de Brasília. O dono aprendeu a receita da iguaria ; que leva apenas molho de tomate caseiro e queijo no recheio ; com um italiano, em Minas Gerais. Hoje, há sete pizzarias Dom Bosco espalhadas pelo DF.

No Beirute da 109 Sul a estratégia se repete. ;Beirute, desde 1966;. O proprietário, Francisco Frota, 74 anos, destaca: ;Isso tem o lado comercial e o lado histórico também. Quando comprei o bar, já coloquei;. A data de fundação está escrita bem ao lado do brasão do Beirute, no qual dois urubus seguram canecas de cerveja.

Perto dali, na 111 Sul, vários comércios exibem a data na qual começaram a funcionar. ;Carne de Sol 111 Sul, desde 1980;, ;Moka;s sorveteria, desde 1980; e ;Pão de minuto, desde 1991; são alguns exemplos. Cada local conta um pouco de sua história, a começar pelo desejo de ser tradicional. Em geral, esses são comércios familiares.

De pai para filho


Guilherme Vale Teixeira, 33 anos, assumiu o restaurante Carne de Sol 111 Sul para suceder seu pai, Ronaldo Teixeira, 70. Além de orgulhar-se do bom funcionamento desde 1980, Guilherme exibe na parede uma foto autografada por Pelé. ;Meu pai conta que ele veio aqui, na década de 1980, mas o tumulto foi tanto que o rei precisou ir embora, sem comer.; O restaurante vende, em média, 1,5 tonelada de carne por semana, segundo o dono. ;Sem dúvida, dizer que estamos abertos desde 1980 atrai os fregueses;, acredita Guilherme.

A sorveteria Moka;s grafou na fachada o orgulho de estar de portas abertas há 31 anos. A parte da frente da loja traz o aviso: ;Moka;s. Desde 1980;. O dono é Karl Marx Simas, 75 anos, que passou a administração da pequena fábrica de sorvetes artesanais para o filho Marcos Simas, 48 anos. ;A gente não faz propaganda nenhuma. Então, essa coisa do ano na fachada é um diferencial. É uma publicidade barata e o retorno é rápido, além de dar credibilidade;, explicou Marcos.

Os mais novos também se aproveitam da técnica, confiantes na duração de seus negócios. É o caso da padaria Pão de Minuto, também na 111 Sul. Gustavo Gazeta, 40 anos, fez questão de dizer que a loja está aberta desde 1991. ;A intenção é demonstrar a confiança de que esse será um estabelecimento tradicional;, relatou.

Orgulho
A Asa Norte também tem seus exemplos. A Casa da Moldura, na 706/707 Norte, ostenta tradição desde 1989. ;Acrescentamos a informação depois de três anos de funcionamento. É uma forma de mostrar ao cliente a nossa experiência e solidez;, explicou o dono, Higino França, 55 anos, nascido em Fortaleza e morador de Brasília há 37 anos. ;A maior parte dos pequenos negócios abertos no Brasil fecha em menos de cinco anos. Destacar o tempo de funcionamento é importante, porque mostra o orgulho de quem consegue se estabelecer.;

Fora do Plano Piloto, também há quem use esse atrativo. O restaurante Casa Velha, na Travessa Dom Bosco, no Núcleo Bandeirante, está aberto desde 1974. O dono, Rodrigo Vidal, 30 anos, faz questão de que os clientes saibam. ;Colocamos a placa no nosso aniversário de 34 anos. Antes de eu nascer, minha família já tinha esse comércio. Temos história;, conta.

No Guará, a dona de bar Adelaide Santos Pereira, 63 anos, possui o Buteco da Adelaide há 42. Com a ajuda de uma filha, ela serve os moradores da QE 19, Bloco A, no Guará 2. Mantém clientes fiéis, há décadas. ;Meus filhos tiveram a ideia de fixar essa placa. Queriam valorizar o bar. Também mandei escrever ;Família Santos Pereira;, para saberem que esse lugar sempre foi do mesmo dono e é um ambiente familiar;, explicou.