Brasília se acostumou a presenciar a destruição de crianças, jovens e adultos pelo crack. A droga mais devastadora do país chegou à capital em 2007, conquistou os miseráveis e, agora, atinge também a elite candanga. Quase quatro anos se passaram desde que as primeiras pedras começaram a tomar conta da cidade. Deputados, senadores e os cinco governadores que comandaram o Buriti até então anunciaram medidas drásticas para mudar o cenário. Chegou-se a criar, no fim de 2010, uma secretaria específica para lidar com o problema da droga, com ênfase no crack. Gastaram-se milhões, mas a nuvem branca liberada pelo entorpecente não deixa de ser vista pelos brasilienses no dia a dia. Na segunda reportagem da série A droga que consome Brasília, o Correio mostra o descaso com que o tema foi tratado nos últimos anos, fato que levou o Distrito Federal a entrar numa epidemia sem precedentes, e as medidas tomadas agora para tentar resgatar a dignidade de milhares de pessoas envolvidas com o narcótico.
As estatísticas apontam evolução nas apreensões da droga no DF. No primeiro semestre deste ano, foram recolhidos 35kg da substância ilícita, contra 16kg no mesmo período de 2010, configurando aumento de 118%. Delegados anunciam quase diariamente a prisão de traficantes. De janeiro a junho, 1,7 mil pessoas foram parar na cadeia acusadas de vender entorpecentes. Centenas de operações são deflagradas para reprimir o consumo e a comercialização do crack e, mesmo assim, o resultado não é percebido pela população. Na Rodoviária do Plano Piloto, alvo de pelo menos 20 ações das forças de segurança desde o início do ano, a droga nunca deixou de chegar às mãos dos viciados que passam dias e noites como zumbis à procura de alguns trocados para adquirir a pedra. A imagem já não assusta mais.
Na tarde do último domingo, em pleno Dia dos Pais, 17 jovens fumavam a mistura mortal ; que leva pasta base de cocaína, bicarbonato de sódio e água ; no canteiro ao lado do terminal sem se importar com o trânsito das famílias que chegavam ao centro para visitar os cartões postais. O enfrentamento ao crack tomou um tempo preciso da agenda dos candidatos nas últimas eleições. Promessas de varrer a droga do DF não faltaram, mas, até agora, o que se viu na prática não representa avanço algum no combate à droga que se alastra pelos quatro cantos do DF.
Campanha
O governador Agnelo Queiroz (PT) tentará fazer o que nenhum dos seus antecessores conseguiu. Em missão na China, na semana passada, mandou avisar que, amanhã, o GDF inicia uma implacável campanha contra o crack. ;Haverá uma ação articulada com o Ministério da Saúde para oferecer tratamento aos dependentes, que serão abordados nas ruas por ambulatórios móveis. Vamos encaminhar essas pessoas para as unidades de tratamento e remunerar melhor esses centros. Contaremos com o apoio do Ministério da Saúde e da Justiça;, disse Agnelo, prometendo também atacar o tráfico em três regiões consideradas críticas: Plano Piloto, Taguatinga e Ceilândia. ;Haverá um combate implacável nessas três regiões, onde a presença da droga é mais agressiva. Agiremos com tolerância zero. Vamos instalar no centro da cidade nossa área de segurança, com policiamento permanente, e varrer o tráfico das ruas, além de intensificar as ações nas portas das escolas. Brasília vai ser um exemplo para o Brasil no enfrentamento do crack;, garantiu o governador.
O discurso de Agnelo foi recebido com desconfiança por moradores e comerciantes que convivem com as cracolândias (Veja arte). Na C-9, no Centro de Taguatinga, basta as lojas fecharem as portas para as calçadas serem ocupadas por dependentes. No domingo, a situação é ainda pior. Fica quase impossível passar pelo local sem ser abordado. Ao avistarem o carro de reportagem, o grupo se tornou agressivo. Um menino não aparentando mais do que 12 anos interrompeu o ritual degradante de aspirar a fumaça produzida pela pedra branca ao perceber que estava sendo fotografado. Nervoso, fez gestos obscenos. Uma menina cambaleando tentou acertar o veículo do jornal com um pedaço de tijolo, mas as forças minadas pelo uso excessivo da substância ilícita não permitiram que ela lançasse a pedra a ponto de atingir a equipe de jornalistas. ;Isso nunca vai acabar. Não conseguimos lutar contra isso. Só nos resta saber conviver com eles e torcer para que não ocorra nada de mais grave com a gente que trabalha aqui;, lamentou um comerciante, que preferiu não se identificar.
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