Ler aqueles nomes complicados escritos nas bulas dos remédios e entender o significado de cada um não é uma tarefa fácil, pelo menos para os leigos. Muitas pessoas desistem e acabam tomando o medicamento sem a correta orientação de uso. Ao detectar essa falta de compreensão, seja pelo vocabulário ou pelo tamanho da letra, os médicos do Hospital Universitário de Brasília (HUB) desenvolveram uma bula simplificada, com termos do cotidiano. O novo documento apresenta o termo técnico ; na maioria das vezes, incompreensível ; e a respectiva tradução. A equipe também produz folderes com informações sobre doenças, dietas, atividade física, comportamento, psicologia e medicamentos.
A ideia de criar bulas mais fáceis de ler faz parte de um projeto da área de cardiologia do HUB para aumentar o conhecimento do paciente sobre saúde. ;A iniciativa nasceu após a descoberta de que havia uma baixa adesão dos pacientes às recomendações. Um dos motivos é o não entendimento sobre os aspectos relacionados à prevenção e ao tratamento da doença;, explicou o professor de cardiologia da Universidade de Brasília (UnB) e cardiologista do HUB Hervaldo Sampaio Carvalho. Outra causa apontada por ele é a falta de comunicação entre o profissional e o paciente. ;A compreensão é baixa, mas acaba sendo fundamental para a adesão;, acrescenta.
Vocabulário acessível
Nos últimos anos, a equipe distribuiu a incumbência de desenvolver a bula com o vocabulário mais acessível a alunos da UnB e, nesse processo, passou por várias interações com os pacientes.
;Desenvolvemos a bula e mostramos para o paciente. Se não houver entendimento, trocamos de novo o que for preciso;, detalhou Hervaldo. As bulas com linguagem mais simples são distribuídas aos pacientes do ambulatório interdisciplinar e de cardiologia há mais de quatro anos. Não estão disponíveis para o público em geral.
De acordo com Alessandra Menezes Campos, farmacêutica clínica do HUB e também professora da Universidade de Brasília, quanto mais o paciente souber da doença, mais eficaz será o tratamento. ;Assim, ele não deixará de se tratar, de tomar os remédios. O paciente tem o direito de saber o que e como usa. Nosso intuito é trabalhar com a informação;, explica. Segundo ela, muitos ficam envergonhados de dizer que não entenderam o que estava escrito na bula e não seguem as orientações corretamente. Desde o início do projeto, ela já traduziu 68 bulas com os alunos de pós-graduação em farmacologia clínica. Ao todo, a equipe já produziu 163 documentos.
Novas regras
Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2009, determina que as orientações sobre o uso de medicamentos deverão vir com letras maiores e organizadas por perguntas e respostas. De acordo com a agência, todas as bulas devem ter tamanho de letra 10, não podendo estar condensadas ou expandidas.
Eu acho...
;Sinto muita dificuldade em ler a bula porque, além de as letras serem pequenas, as palavras são bastante complicadas. Já tentei ler várias vezes as orientações, mas na maioria delas não entendi o que estava escrito. Seria ótimo se implantassem esse projeto da UnB em todos os laboratórios. Parece ser muito bom e esclarecedor;.
Osvaldo Ramos Soares,
48 anos, motorista
Significados
Posologia ; como tomar o remédio
Efeitos colaterais ; efeitos indesejáveis
Concentração ; quantidade de uma determinada substância
Cefaleia ; dor de cabeça
Exantema ; manchas avermelhadas na pele
Ultrapassa a barreira transplacentária ; passa da mãe para o feto
Insuficiência cardíaca ; coração fraco
Hipertensão arterial ; pressão alta
Erros na dosagem
Por causa da falta de entendimento, a farmacêutica clínica Alessandra Campos ressalta que muitas pessoas tomam os remédios de forma errada. ;Muitas não sabem o que é jejum. Tomam o medicamento antes do café da manhã, mas comem logo em seguida, o que descaracteriza o jejum.
Isso é muito comum;, exemplifica. Quando receita um medicamento que precisa ser ingerido logo pela manhã, ela já informa que o paciente só poderá se alimentar depois de algumas horas. ;Nem todo medicamento pode ser ingerido com alimento. Às vezes, até a bebida interfere na eficácia do remédio;, ressaltou.
Grávida de sete meses, a empregada doméstica Sueli Cézar de Carvalho, 38 anos, redobra a atenção ao tomar um medicamento, mas diz que sente dificuldade quando precisa ler as orientações na bula. ;Fico com preguiça.
Já tentei diversas vezes e nunca entendo o que está escrito. Todos os remédios deveriam ser de fácil leitura e seguir essa ideia do HUB;, acredita. A servidora pública Maria Elza Leal, 55 anos, reclama das orientações. ;Costumo ler tudo antes de tomar algum remédio, mas é difícil porque a letra é muito pequena e a linguagem, pouco objetiva. Não entendo muita coisa;, ressalta. (TP e TL)