O Governo do Distrito Federal decidiu trazer novamente à tona uma polêmica antiga. No entendimento da Diretoria de Transporte Público Individual (Ditrin), da Secretaria de Transportes, os táxis locais não podem conceder descontos aos passageiros, porque isso representaria um desrespeito à Lei n; 4.056/2007, que prevê uma tarifa unificada. Nos últimos dias, o órgão enviou circulares a oito empresas que prestam esse tipo de serviço, notificando que os motoristas que concedessem abatimento no preço final seriam autuados. Além disso, colocou fiscais nas ruas. A medida provocou reações por parte de centrais de radiotáxi e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
O MPDFT, que obteve decisão favorável ao desconto na Justiça local, após mover ação civil pública em 2000, alega que vedar a concessão de qualquer vantagem ao cliente é inconstitucional. O promotor Leonardo Bessa, da Promotoria de Defesa do Consumidor (Prodecon), tocou o processo à época e promete uma nova ação caso o GDF não recue da posição assumida.
;A interpretação (de que é proibido conceder desconto) é absolutamente incabível, pois ofende a livre concorrência e a Constituição. Além disso, há o precedente jurídico da ação que o MP ajuizou;, declarou Bessa. Além do Ministério Público, a Secretaria de Transportes pode se deparar com a oposição do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao Ministério da Justiça. Em 2008, a instância fez uma recomendação ao GDF alertando que não seria correto impedir a concessão do abatimento. O promotor Leonardo Bessa informou que pretende convocar o diretor de Transporte Público Individual da secretaria, Benedito Gilvane Cascardo, para uma conversa na próxima semana.
Benedito Gilvane Cascardo assina o comunicado sobre concessão de descontos redigido em 12 de julho último e enviado às empresas de táxi. No texto, ele afirma que, pelo fato de a legislação vigente estipular tarifa única, ;foi estabelecida legalmente a proibição de qualquer desconto;.
À reportagem, o diretor de Transporte Individual disse que a secretaria está cumprindo a lei. ;O que prevalece para a gente é a legislação que rege as atividades dos taxistas;, afirmou. Entretanto, Cascardo garante que, após receber reclamações das centrais de táxi e ser informado de que o Ministério Público e o Cade têm ressalvas à proibição, convocou a assessoria jurídica do órgão para analisar a questão. ;Pedimos urgência;, ressalta.
O Sindicato dos Permissionários de Táxis e Motoristas Auxiliares do DF (Sinpetaxi) afirma que não tomará partido na questão dos descontos. ;Ao governo é que cabe decidir;, afirmou Maria do Bonfim Pereira de Santana, presidente da entidade.
As centrais e cooperativas de táxis são as principais interessadas na manutenção do desconto dado aos passageiros, geralmente de 30%. Motoristas independentes, que aguardam clientes nos pontos, não costumam ter condições de bancar o abatimento. Pelo fato de a maioria dos filiados ao Sinpetaxi trabalhar por conta própria, algumas empresas queixam-se de que a entidade não é neutra.
;Cerca de 40% dos taxistas do DF concedem desconto. Os que não dão são ligados ao sindicato e, claro, não concordam;, afirma Paulo Ilha, consultor de três empresas de radiotáxi. ;Não existe lei que se sobreponha à Constituição;, acrescenta Giovanni Pinheiro, presidente da Unitaxi, uma cooperativa de motoristas.
Nas ruas, a concessão do desconto é um assunto delicado e poucos aceitam opinar sobre a questão. O motorista Avelar de Assis, 34 anos, ligado a uma empresa, nega a prática do abatimento em caráter continuado. ;Só acontece de forma negociada com o cliente;, diz. Luiz Barbosa de Jesus, 60 anos, é independente e diz que é contra o preço mais barato. ;O que acontece é que a empresa explora o taxista. Ele tem de pagar um monte de taxas e a central de radiotáxi ainda pede para cobrar uma tarifa menor;, declara.
Garantia constitucional
O princípio da livre concorrência está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 170, e baseia-se nos pressupostos de que a concorrência não pode ser restringida e de que, em um mercado saudável, os preços tenderão ao menor valor possível, beneficiando o consumidor. Outra consequência desejável desse princípio é a eficiência cada vez maior das empresas. Com base nessas premissas, o MPDFT e o Cade entendem que é permitido ao Executivo do DF fixar valores máximos para o serviço de táxi e fiscalizar para que os preços cobrados não extrapolem esses patamares. Entretanto, não pode impedir a oferta de custos mais baixos, pois tratar-se-ia de intervenção em um cenário de competição econômica.
Cadê a livre concorrência?
Apesar das turbulências econômicas globais, a regra do jogo não mudou e vive-se em um cenário de livre concorrência. Mas esse não parece ser o entendimento do Governo do Distrito Federal. O Executivo local decidiu impedir que os taxistas da cidade concedam descontos aos clientes. Argumenta que o serviço é uma concessão do Estado, com tarifa única fixada em lei. Os eventuais abatimentos significam, para o GDF, a quebra da norma legal. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, avalia como equivocada a interpretação do governo. Por que condenar um comportamento que beneficia o consumidor? Se a decisão do GDF busca agradar àqueles que são contrários à concessão do abatimento, na intrincada disputa de poder entre grupos dos taxistas, o engano tende a ser maior e mais grave. O governo estaria tomando partido a favor de uma minoria em detrimento da coletividade. Descartada essa hipótese, no mínimo está na hora de fazer uma revisão da lei, a fim de que qualquer um possa usufruir do benefício do desconto, sobretudo em uma cidade cujo sistema de transporte público é caótico e está longe de atender minimamente a sociedade. Deve prevalecer não somente o bom senso, mas também a livre concorrência.