Nascida há apenas 24 dias, Júllya Fontenele Silva é protagonista de uma batalha contra o estado para sobreviver. Ela precisa urgentemente de uma cirurgia de retirada de um raro tumor do coração, que a impede de respirar sozinha e acelera perigosamente os batimentos cardíacos. Mesmo com tantos laudos médicos ressaltando a necessidade premente de intervenção cirúrgica, a família teve de recorrer à Justiça para fazer com que a Secretaria de Saúde providenciasse o atendimento adequado no Instituto de Cardiologia do Distrito Federal. Mas, para isso, passaram-se sete longos dias de agonia e de agravamento do estado de Júllya.
Ontem, no fim da tarde, a secretaria confirmou a transferência da recém-nascida para o Instituto de Cardiologia do DF, unidade particular referência no tratamento de patologias cardíacas. O drama do casal formado pela vendedora Rafaele Pereira Fontenele, 23 anos, e o policial militar Antonio Pedro da Silva Filho, 33, começou três dias após o nascimento de Júllya, no Hospital Regional da Asa Norte. Inconstâncias nos batimentos cardíacos ; primeiramente diagnosticamos como um sopro ; e problemas para respirar levaram a pequena a se submeter a um ecocardiograma. ;Constataram um tumor na valva mitral. Isso é raríssimo, geralmente só é visto em pessoas com mais de 40 anos. Os médicos querem até estudar o caso de Júllya;, conta Rafaele.
A presença da massa no coração da menina faz com que o coração chegue a bater 300 vezes por minuto, o que pode levar à morte, sem falar no risco de acidente cardiovascular (AVC) e insuficiência respiratória. O batimento normal para um recém-nascido é de até 160 por minuto. Desde 3 de agosto, ela esteve sob os cuidados da unidade de terapia intensiva neonatal do Hospital Regional de Santa Maria, enquanto aguardava na lista de espera de uma UTI no ICDF. Mas o quadro clínico de Júllya deteriorou-se: ela passou a respirar somente com ajuda de aparelhos e é constantemente sedada para impedir acelerações bruscas no ritmo cardíaco. Angustiados com a falta de perspectivas, os pais recorreram à Defensoria Pública do DF e deram entrada com uma ação contra o Governo do Distrito Federal.
Em 6 de agosto, o juiz plantonista Giordano Resende Costa, da 4; Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do DF e Territórios, deferiu o pedido da ação e determinou remoção ao ICDF dentro de 24 horas, sob pena de multa ao DF de R$ 5 mil por dia, em caso de descumprimento. O instituto, apesar de ser unidade privada, atende pacientes encaminhados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Central de Regulação de Leitos. A Defensoria alertou a Justiça, em 8 de agosto, de que a decisão não havia sido cumprida. ;A regulação disse, por ofício, que ela seria atendida entre 48 e 72 horas, mas isso passou e nada aconteceu. Ninguém dava notícia;, contou Antonio. O ICDF tem oito leitos de UTI pediátrica, sendo três
regulados pela Secretaria de Saúde. A pasta informou, por meio
de assessoria, que todos os leitos estavam lotados até então, por isso a demora em fazer o atendimento.
Demora
O defensor público do Núcleo de Saúde da DPDF Ramiro Sant;Ana atuou no caso e acredita que a soma dos esforços da família, da Defensoria e do Núcleo de Judicialização da Secretaria de Saúde foi essencial para que a decisão fosse cumprida. ;Claro que uma semana não é a espera ideal, mas a criança estava recebendo assistência. Temos percebido que, em alguns pontos, houve avanços nas respostas;, afirmou. Ainda assim, Sant;Ana afirma que os defensores atendem, diariamente, grande demanda judicial para garantir leitos de UTI.
;É muito sofrimento. Estava vendo a hora de perder a minha filha por descaso do governo. Nunca nem peguei minha filha no colo;, desabafou a mãe. No fim da tarde de ontem, a confirmação de que a transferência finalmente sairia deu esperança à família. ;Vocês ainda escreverão sobre o sucesso da cirurgia da Júllya;, adiantou Rafaele. Agora, a menina deve ser avaliada pela equipe do ICDF, que decidirá qual é o tratamento ideal para o raro caso.