A opção de morar sozinha para a economiária Vanessa de Souza Rangel, 37 anos, veio após a separação do marido, há três anos. Ela nasceu em Brasília e saiu da casa dos pais no dia do casório. O apartamento personalizado, na Asa Norte, é o xodó dela. Mas para morar bem e fazer os próprios caprichos, segundo ela, gasta-se mais. ;Você injeta mais dinheiro, porque não divide as despesas, mas isso é administrável. Assim, todo canto tem a sua cara. Adoro cozinhar, ler, ficar no computador. Não tenho um cômodo de preferência na casa. Além disso, gosto muito de cuidar do lar, por isso investi em decoração. Tem coisas que compro hoje que não comprava quando era casada;, revela.
Segundo Vanessa, a maior vantagem em morar só é a independência. ;Você sai do trabalho e pode marcar qualquer coisa, ir a um bar, para a casa de amigos. O melhor de tudo é que você não precisa dar satisfação. Assim, você dá valor também à sua individualidade. Mas quero deixar claro que não tenho problemas em morar com outras pessoas. Se um dia tiver a possibilidade, não vou abrir mão;, reforça.
A passadeira Maria da Glória Gomes de Oliveira, 51 anos, moradora de Ceilândia, não está sozinha porque quer. Com o fim do casamento de 30 anos, mudou-se para uma casa menor e teve que aprender a viver sozinha. O ex-marido ficou na antiga casa com um dos filhos. Os outros três estão casados. Um ano e meio depois, ela se ressente da falta de companhia. ;Assim que me mudei, passei uns três meses sem conseguir dormir, só chorava. Não é fácil, mas a gente vai levando;, contou. Maria da Glória admite não gostar de morar só, mas sabe que essa foi a melhor decisão. Para driblar a solidão, entrou para um grupo da terceira idade de Ceilândia. Lá, encontrou pessoas na mesma situação. ;Durante o dia, eu saio, vejo gente na rua, mas, quando a noite chega, a solidão vem junto quando fecho as janelas;, lamentou.
O número de divórcios registrados nas varas de família de Brasília aumentou consideravelmente nos primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Em 2010, foram registrados, de janeiro a junho, 630 casos, contra 1.130 neste ano. O índice, no entanto, pode ser ainda maior por conta das demandas nos cartórios ; não contabilizadas.
Desafio
A advogada Débora Aparecida de Lima, 26 anos, deixou o interior de Santa Catarina, onde estudou direito, para morar e trabalhar em Brasília. Nos primeiros meses na capital do país, ela dividiu um apartamento com outra pessoa. Mas confessa não ter gostado tanto da experiência. Atualmente, Débora mora em um condomínio na Asa Norte. ;Eu queria mais privacidade. Agora, tenho. Quando você mora com outras pessoas, isso é bem complicado. A convivência não é fácil. O problema é que tem alguns momentos que nos sentimos realmente sozinhos. Afinal, você chega em casa e não terá ninguém para conversar. No máximo, pelo telefone. As pessoas só não podem se tornar individualistas;, avalia.
O alto número de núcleos unifamiliares, segundo a socióloga Elizabeth Aiko Oda, professora da Universidade Católica de Brasília (UCB), é pressionado pelos estudantes que residem na cidade. Mas ela avalia que esse não é o único perfil de pessoas que vivem sozinhas no DF. Segundo Elizabeth, a emancipação feminina e a conquista das mulheres no mercado de trabalho fizeram com que elas também ingressassem nesse universo. ;Elas não se mantêm mais nas famílias. Procuram um trabalho, tornam-se independentes e acabam morando sozinhas. Muita gente, não apenas mulheres, também vem para o DF procurando trabalho, seja no funcionalismo público ou não. Essas pessoas, inicialmente, procuram se estabelecer sozinhas;, explica.
A especialista também cita os divórcios, mas diz ser mais fácil as mulheres ficarem com os filhos do que os homens. ;Eles, geralmente, ficam sozinhos. As mulheres têm aceitado mais o desafio de manter as famílias sozinhas.; Segundo ela, a tendência é que essas pessoas continuem morando sozinhas por conta do sentimento de liberdade e independência. ;Nos próximos anos, me parece, vamos começar a ter novos modelos de instituição familiar fora o tradicional. Como a gente tem hoje casamentos homossexuais, podemos também ter novas estruturações. Marido e mulher, por exemplo, morando em espaços diferentes;, prevê.
Movimento contrário ao aumento do número de pessoas morando sozinhas se dá, segundo a observação de Elizabeth, no aspecto de que os filhos estão saindo cada vez mais tarde de casa. ;Não sei se foi a mudança na lei do trabalho, que não permite mais que menores de idade exerçam trabalhos remunerados, mas isso vem sendo visto, principalmente em Brasília;, expõe. ;Antigamente, o filho de 17 anos tinha o incentivo dos pais para sair de casa, se virar por conta própria. Não é mais assim. Já ouvi falar que a violência (urbana) é um dos fatores que influenciam esse fenômeno, mas é algo que deve ser estudado.;
Convivência
Para o psicólogo Pedro Paiva, os motivos que levam uma pessoa a morar sozinha vão além da questão financeira ou do casamento. ;As pessoas buscam cada vez mais viver sozinhas porque hoje em dia há a cultura do ;delivery;, na qual você pode ter tudo sem ter que ir atrás de nada;, aponta o terapeuta particular. De acordo com ele, essa tendência chegou também aos relacionamentos. ;A convivência é algo muito difícil, você tem que ceder, se controlar, optar pelo outro, e as pessoas estão fugindo desse desafio. O grau de egoísmo parece se manifestar cada vez mais forte;, sugere.