Jornal Correio Braziliense

Cidades

Familiares contam que operários mortos reclamavam da falta de segurança

Os familiares dos três operários mortos soterrados em uma obra no Hospital Universitário de Brasília (HUB) viveram um drama que se traduz em sentimentos de dor e de impunidade. Abalados, pais, mulheres, irmãos, sobrinhos e amigos das vítimas tiveram de passar por atendimento psicológico no centro médico da Asa Norte. Nem mesmo a experiência dos homens na construção civil foi suficiente para que eles conseguissem se salvar do deslizamento de terra. Os parentes afirmaram que a falta de segurança no complexo do HUB provocou a tragédia.

A operação de resgate demorou pouco mais de cinco horas (leia arte acima). Os bombeiros encontraram o corpo do auxiliar Nelson Holanda da Silva, 37 anos no início da tarde, seguido do pedreiro Lourival Leite de Moraes, 46, e, por último, do carpinteiro Raimundo José da Silva, 24. Os três corpos seguiram para o Instituto de Medicina Legal (IML).

Parentes e amigos se programaram para chegar cedo hoje ao IML a fim de enfrentar mais um dia de sofrimento. Por conta de norma da Polícia Civil do DF, os exames cadavéricos têm de ser feitos à luz do dia para evitar erros nos laudos que informam a causa da morte. Como chegaram ao órgão no fim da tarde, os corpos só passarão pela necropsia nesta manhã.

Os operários que perderam a vida enquanto ganhavam o sustento da família denunciaram aos familiares a precariedade nas condições de segurança durante a construção do Instituto da Criança e do Adolescente (ICA) do HUB. Lourival contava, em casa, a precariedade a que se submetia a cada dia de serviço. ;Ele sempre trabalhou na construção civil, só que essa obra não tinha proteção para os operários. Muitas vezes, ele tinha de trabalhar sem os equipamentos básicos;, afirmou Rivaldo Alves, sobrinho da vítima.

Morador de Planaltina de Goiás, Lourival deixou dois filhos, um garoto de 13 anos e uma menina de 8. Abalada, a mulher dele, Zilda dos Santos, 37, não conteve as lágrimas e, depois de receber acompanhamento psicológico, deixou o HUB. Segundo Rivaldo, a família espera por justiça e teme que outros acidentes como o de ontem façam novas vítimas. ;A maioria das obras de Brasília está matando. Isso não pode continuar. Meu tio morreu por imprudência, por conta da irresponsabilidade dos engenheiros;, disparou.

Perigo
O carpinteiro Raimundo José trabalhava há quase um ano no canteiro do HUB. O morador de Planaltina deixou um filho de 2 anos e o sonho de vencer na vida. Segundo o padrasto da vítima, Wanderler Ribeiro, 51, o enteado era uma pessoa tranquila. Queria sair da obra em decorrência da falta de segurança, mas não abandonou o emprego porque dependia dos cerca de R$ 800 mensais. ;O pessoal mandou eles descerem na vala e, com medo de ser demitido, ele (Raimundo) obedeceu, mesmo sabendo que não havia condições;, reclamou.

Wanderler afirmou que a família deve processar a empresa responsável pela obra. ;Foi irresponsabilidade. Como colocam as pessoas para entrar no buraco sem nada, sem qualquer equipamento? A terra lá embaixo é fofa, mole;, reclamou.

A vontade de largar o empreendimento no hospital universitário também era o desejo do auxiliar Nelson da Silva. ;Meu irmão era uma pessoa que só fazia o bem. Sempre cuidou de mim, me levava ao hospital quando precisava. Ele tinha dito que tinha medo e queria sair de lá;, afirmou a irmã dele, Zilmar Holanda.

Luto de três dias na UnB
A tragédia no HUB comoveu a Universidade de Brasília (UnB), responsável pela administração do hospital. O reitor em exercício, João Batista de Sousa, decretou três dias de luto oficial na instituição de ensino superior em homenagem ao três homens que morreram depois do deslizamento de terras nas obras do Instituto da Criança e do Adolescente (ICA) do hospital. De acordo com ele, uma comissão de integrantes da UnB e do Governo do Distrito Federal será formada nos próximos dias por conta do acidente. Formada por um professor de engenharia da UnB, um especialista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e um representante do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), a sindicância vai apurar irregularidades no canteiro do ICA. ;Apesar de os operários serem contratados pela empresa, eles estavam trabalhando por uma causa nobre para a UnB;, disse João Batista. Apesar de estar em férias, o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, compareceu ao HUB. ;Espero que possamos ter um quadro claro das quebras de procedimentos de segurança por parte da empresa;, afirmou.