Jornal Correio Braziliense

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Sem arames, jardins ainda estão diferentes do projeto inicial da 308 Sul

A revolta da comunidade diante da descaracterização dos jardins da 308 Sul, idealizados por Burle Marx, começou a surtir efeitos. A empresa contratada pela Companhia Energética de Brasília (CEB) retirou ontem os arames farpados que haviam sido instalados sobre a casa de força. A subestação da estatal fica em uma das áreas verdes da quadra, considerada modelo do Plano Piloto. Na semana passada, os azulejos originais que revestiam a estrutura receberam uma camada de tinta plástica, o que gerou revolta na comunidade. Os espaços, assim como o restante das obras do paisagista espalhadas pela capital, foram tombados na última sexta-feira pelo Governo do Distrito Federal.

Mesmo com o recente decreto de preservação do legado de Burle Marx e com a remoção dos arames, os jardins continuam diferentes do projeto inicial da 308 Sul. A casa de força era verde, conforme planejou o paisagista, e se integrava às árvores dos arredores, na chamada Praça dos Cogumelos. Durante a semana, no entanto, os técnicos contratados pela companhia pintaram a edificação de branco. ;A gente luta para manter todas as características originais. Não tinha nada quebrado nem pichação. Foi uma agressão;, definiu a administradora Míryan de Lima, que reside no local há 20 anos.

Os moradores cobram agora que a CEB remova a tinta plástica e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) promete entrar na briga. O superintendente do órgão, Alfredo Gastal, afirmou ao Correio que vai adotar medidas jurídicas na tentativa de restauração dos jardins. A ex-prefeita da 308 Sul, Solange Madeira, afirmou que enviou uma carta ao Iphan com o relato da indignação dos moradores e pretende entrar em contato com a direção da própria Companhia Energética. ;Deturparam a concepção de urbanismo da quadra;, definiu.

A direção da CEB garantiu estar disposta a resolver o embate em conjunto com a comunidade e informou que ainda não foi procurada oficialmente pelos moradores. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, os trabalhos não foram feitos sem planejamento. No Plano Piloto, os cabos de energia são subterrâneos. Mas, em cada quadra, há uma casa de força com os transformadores na superfície que precisam de manutenção.

Despreparo
Cerca de 50 subestações, de um total de 300, receberam pintura nova e os fios de arame foram colocados na parte de cima da construção para evitar a entrada de vândalos. Segundo a CEB, não é possível fazer reuniões em todas as quadras para conseguir a aprovação dos moradores. Mas, por conta da polêmica instalada na 308 Sul, a chefia da estatal afirma que, se for considerado necessário, pode até remover a tinta com um produto específico para não danificar os azulejos.

A polêmica na revitalização da subestação energética da 308 Sul pode indicar problemas de integração entre as várias esferas do DF. O urbanista Frederico Flósculo, da Universidade de Brasília (UnB), acredita que haja falta de conhecimento por parte dos gestores. ;É preocupante haver dirigentes públicos sem a menor educação patrimonial. Em qualquer cargo relacionado à urbanidade e à manutenção da cidade, é necessário ter esse conhecimento. Esse tipo de agressão denuncia o despreparo;, analisou.

Para Solange Madeira, a região carece de atenção do Estado. ;Dá para proteger um bem como a subestação da CEB por meio do policiamento. É preciso também investir em iluminação pública para o local;, sugeriu a ex-prefeita da 308 Sul.

Quadra modelo
A construção da 308 Sul começou em 1959. A quadra tem nove blocos residenciais e o projeto inclui o desenho viário, o tratamento dos pisos e o mobiliário urbano. Publicado no Diário Oficial do DF da última sexta-feira, o Decreto n; 33.040 determinou o tombamento de sete jardins e dois projetos originais de Burle Marx, todos em vias públicas.