O que faz um jovem acordar às 5h em pleno feriado? O que explica meninos e meninas levantarem da cama empolgados para sujarem as mãos de tinta e de serragem sob o sol? O que impulsiona essa juventude a caprichar em desenhos que serão destruídos menos de 10 horas depois de ficarem prontos? ;Deus, né?;, resumiu Graziella Rocha (veja Personagem da notícia), 17 anos, como se a resposta fosse óbvia. E, para ela, é.
A preparação do tradicional tapete de Corpus Christi, na Esplanada dos Ministérios, vira uma farra todos os anos. Mas uma ;farra santa;, ponderam os jovens. Enquanto uns se ajoelham para dar forma a símbolos da Igreja Católica em um caminho de 120m, outros o fazem para rezar. As músicas, bem diferentes daquelas tocadas em órgãos medievais, ajudam a animar a manhã. Vale até usar violão desafinado e com corda quebrada.
Pelas contas da Arquidiocese de Brasília, cerca de 500 pessoas se reuniram ontem no gramado em frente à Catedral. Integrantes de 20 grupos de garotas e garotos do Distrito Federal participaram da confecção do tapete. ;A Igreja de Brasília é conhecida no Brasil inteiro pela face jovem;, comentou o coordenador da equipe, Aloizio Parreiras. ;Eles representam a renovação da Igreja;, completou o responsável pela comunicação da Arquidiocese, padre André Lima.
Washington dos Santos Lima, 27 anos, teve a vida renovada quando resolveu atender ao apelo da mãe e participar de um encontro na igreja. Antes, recorda, o feriado de Corpus Christi era celebrado com as drogas. Há quatro anos, ele faz questão de acordar cedo e colocar as mãos na serragem, na palha de arroz e no sal para ajudar a compor um dos 23 desenhos, cada um com 5m de comprimento e 4m de largura. ;Deixei a noitada e, agora, estamos aí;, afirmou, de cabelo moicano e brinco na orelha.
Sujo da cabeça aos pés, literalmente, Carlos Vinícius de Oliveira, 16 anos, dançava. A coreografia não era tão harmônica, mas servia para espantar o sono de quem despertou às 5h30. ;É legal participar da tradição da Igreja;, comentou, eufórico, o jovem que cresceu em lar católico, já foi coroinha e não cogita a possibilidade de largar as atividades na igreja. ;É bom demais. Quem conhece as ;paradas; de verdade não sai;, acrescentou, com linguajar típico da idade.
Orações
Abraçadas, as amigas Tainara Cândida, 18 anos, e Gabriela Lamounier, 21, cantavam e rezavam com os olhos fechados. ;Mais do que fazer um desenho bonitinho, estamos aqui em comunidade: isso é o mais importante;, definiu Tainara, vestida com uma camiseta baby look estampada com um terço. ;É algo mais espiritual do que manual;, emendou Gabriela, também vestida com camiseta religiosa. Perto delas, um grupo repetia ave-marias e pai-nossos.
Mesmo gripada, Ana Carolina Tessmann, 20 anos, não quis perder a festa de Corpus Christi. Colocou um casaco e acompanhou o trabalho dos colegas encostada em um alambrado. Entre uma tosse e outra e rouca, confessou ter pensado em não sair da cama. ;Vim por Deus. Ver esse monte de gente fazendo a mesma coisa pelo mesmo objetivo é muito motivador;, justificou. ;Somos diferentes, mas é como se formássemos um único corpo;, completou Beatriz Braga, 26, em referência a um trecho da Bíblia.
Tradição
À noite, logo após a missa, o tapete é desfeito. Antes, o bispo e os religiosos que participam da cerimônia passam por cima dos desenhos. A tradição católica simboliza a entrada dos reis e rainhas da antiguidade, que caminhavam sobre longos tapetes. Quando Jesus chegou a Jerusalém, segundo cena descrita na Bíblia, também teve o caminho preparado pelo povo.