Por quatro votos a um, os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Legislativa arquivaram o projeto que proíbe o GDF de manter contratos com empresas em nome de deputados ou de parentes de parlamentares. Os distritais estavam na etapa intermediária, de análise da proposta ; fase em que são observados critérios jurídicos.
Mas, durante a sessão em que debateram o assunto, ficou evidente que a maioria deles não está de acordo em fechar as portas do vantajoso mercado oficial para o universo parlamentar. Nos últimos quatro anos, o GDF repassou R$ 773,2 milhões a empresas vinculadas a distritais. Dez por cento desse valor foram pagos só neste ano.
Na manhã de ontem, os cinco titulares da CCJ se reuniram para discutir a admissibilidade do Projeto de Lei n; 741, que, se aprovado, criaria dificuldades a distritais cujas famílias prestam serviço para o GDF. É o caso de Cristiano Araújo (PTB) e de Eliana Pedrosa (DEM). Foi também a realidade do ex-distrital Leonardo Prudente (sem partido) enquanto atuou como distrital. Acabou obrigado a renunciar no ano passado, em função do desgaste provocado pela Operação Caixa de Pandora. O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) investiga superfaturamento e dispensa ilegal de licitação em contratos mantidos por empresas vinculadas a Prudente com órgãos do GDF.
Ameaça aos negócios
Mas o PL que representa uma ameaça aos negócios de parlamentares foi abortado antes mesmo de a discussão chegar ao mérito da proposta. Os deputados Aylton Gomes (PR), Wellington Luiz (PSC) e Olair Francisco (PTdoB) aprovaram o relatório de Joe Valle (PSB), que apontou vício de iniciativa e sugeriu o arquivamento da proposta. Durante o debate, os deputados não conseguiram se prender apenas aos aspectos jurídicos sobre a que poder caberia propor tal tipo de projeto.
Eles acabaram manifestando o que pensam sobre o teor da proposta. ;Não podemos admitir que um parente de parlamentar seja proibido de conquistar seu espaço. Não há nada de admissível aqui. O cidadão, porque é meu primo, é meu irmão, não poder prestar serviço para o governo, não poder ter a vida dele, é inadmissível;, considerou Olair Francisco, que é empresário do ramo de calçados. Para Aylton Gomes ;quem presta bons serviços, quem apresenta bons preços e participa de uma licitação pública, independentemente do grupo a que estiver ligado, tem de ter a liberdade de concorrer;.
Além do mais, Aylton acredita que aprovar o PL 741 seria ;inflacionar o mercado legislativo;. ;Temos que estar muito preocupados para não inflacionar o mercado de lei. Daqui a pouco, estamos cortando, cerceando, e vamos fazer normas, e normas, e normas e normas para normatizar aquilo que já existe;. Aylton fez referência a uma das teses vitoriosas na CCJ: a de que a Lei Orgânica do Distrito Federal já contempla a proibição do governo em contratar com deputado distrital.
Privilégios
O presidente da CCJ e autor do substitutivo derrotado na comissão, Chico Leite (PT), sustentou em seu voto que a proposta em análise não trata exatamente da mesma vedação prevista na Lei Orgânica, mas estende a proibição para os familiares de distritais. ;O fato de parentes de deputados poderem negociar com o governo é criar brecha para sociedade supor que há privilégios. Abre-se assim a possibilidade da confusão entre o público e o particular;, considerou.
Desde a semana passada, como revelou o Correio, os deputados já estavam preparados para derrubar o PL n; 741 na CCJ. A novidade ontem é que o relator, Joe Valle, sugeriu que o governo mande a proposta com mesmo teor do projeto em debate, mas cuja iniciativa era até então de um parlamentar. ;A minha análise foi do ponto de vista jurídico, com base no estudo feito pela consultoria. O mérito é bom, tanto assim que mandamos uma indicação para o governo. Se considerar o assunto prioridade, vai enviar o projeto à Casa;, disse Joe Valle.
O relator também pertence ao mundo empresarial. É dono de uma fazenda, que é uma referência na venda de produtos orgânicos. Mas ressalta que nunca teve e nem terá negócios com o GDF. Joe Valle e Chico Leite foram os únicos signatários da indicação que agora joga para o governo a batata quente com potencial de prejudicar negócios milionários mantidos entre GDF e famílias de deputados.