Ferver e filtrar a água para beber ou cozinhar. Essa é a rotina da dona de casa Maria de Lourdes Gomes, 48 anos, moradora de Águas Lindas (GO). Como os outros 169.504 habitantes da cidade, Maria tem receio da água que consome porque a cidade não conta com saneamento básico e o líquido que chega às torneiras das casas está contaminado com o esgoto armazenado em fossas por toda a região, poluindo poços e lençóis freáticos. A falta de saneamento no município também ameaça o DF. Cerca de 65% da população da capital federal é abastecida pela Barragem do Descoberto, localizada próxima a Águas Lindas e também atingida pelo lixo jogado no solo.
Maria de Lourdes reclama que ;até o gosto da água é diferente;. ;O sabor é ruim. E acho que melhoraria se colocassem esgoto na cidade. A água suja das fossas estraga a que a gente bebe. Nos postos de saúde, eles dão até cloro para a população;, conta. A autônoma Cléa Maria Moreira e Silva, 44 anos, também tem medo de adoecer por consumir a água da cidade. ;Temos que tratá-la em casa. Nos hospitais, sempre tem alguém com diarreia e vômito, provocados pela água suja. Tenho duas filhas pequenas, uma de 9 e outra de 12 anos. Não vou arriscar;, diz.
As reclamações têm fundamento. Segundo estudos realizados pela especialista em gestão territorial Camila Guedes Ariza, os níveis de nitrato no solo e na água, que indicam a contaminação por esgoto, já começam a preocupar. A quantidade está dentro do recomendado pelo Ministério da Saúde, de até 10 miligramas por litro, mas já está acima de 5 em diversos pontos da cidade, que é um indicativo de alerta, segundo a especialista. Para piorar, a maior parte dos moradores reside na Área de Proteção Ambiental (APA) do Descoberto, criada para preservar a barragem.
De acordo com Camila Ariza, a APA não tem plano de manejo para controlar a ocupação do solo sem prejudicar a barragem. Além disso, as casas da região também despejam o esgoto em fossas. Por isso, o processo que polui poços e lençóis põe em risco a pureza das águas da barragem. ;A região da APA é uma das áreas mais ocupadas da cidade. As obras de saneamento básico, que seriam executadas por um consórcio entre a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) e pela Saneamento de Goiás (Saneago), estão paradas desde o ano passado;, alerta.
O estudo se transformou na dissertação de mestrado da especialista, com o tema Qualidade Ambiental em Águas Lindas de Goiás e a Gestão dos Recursos Hídricos. Segundo o trabalho, a construção da rede de esgoto é de primeira necessidade. Na visão de Camila, tanto o município goiano quanto o DF sofrem com o descaso de autoridades goianas e brasilienses. ;Em Águas Lindas, a população bebe uma água suja, que também polui a barragem. E as consequências são igualmente tristes para o DF. Atingem diretamente a saúde da população. Além disso, é mais uma pressão de cidade do Entorno no sistema de saúde da capital federal. Quem se contamina lá, é tratado aqui;, explica.
Governo
A construção do sistema de esgotamento sanitário de Águas Lindas foi suspensa após a mudança de governo. Procurada pela reportagem, a Caesb, que no consórcio se comprometeu a construir a rede de esgoto e uma estação de tratamento, limitou-se a dizer que ;está empenhada em equacionar os problemas de saneamento básico na cidade de Águas Lindas; com a Secretaria de Obras do DF. A previsão para a conclusão das obras é o fim de 2012.
Padrão internacional
O trabalho foi feito com base na metodologia aplicada pelas Nações Unidas chamada Pressão-Estado-Impacto-Resposta (PEIR). São indicadores que guiam as ações para solucionar o problema. A pressão se refere ao que o meio ambiente sofre. O Estado, a como ele se encontra após essa pressão. O impacto são os danos causados no ecossistema e na saúde humana, que leva o governo a responder à questão, gerando uma nova pressão.