Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter invalidado parte dos benefícios concedidos a empresários do Distrito Federal por meio da Lei Distrital n; 2.488 de 1999, que criou o Programa do Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável do DF (Pró-DF), o governo local não pretende encerrar o Pró-DF 2, versão atualizada da política de incentivos. Instituído pela Lei Distrital n; 3.196, de 2003, ele oferece praticamente as mesmas facilidades da primeira versão. Entre elas está o financiamento de 70% do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), declarado inconstitucional pelo STF.
O secretário de Desenvolvimento Econômico do DF, Jacques Pena, declarou ontem que o Executivo teme que o Pró-DF 2 seja o próximo atingido pelo Supremo. Entretanto, o titular da pasta responsável pela gestão do programa diz que o governo deverá reformular a ação, mas não extingui-la (leia Três perguntas para). As mudanças, no entanto, serão feitas para contornar a insuficiência de recursos da fonte geradora dos recursos que arcam com a concessão de crédito no pagamento do imposto e não em virtude da decisão. O Fundo de Desenvolvimento do Distrito Federal (Fundefe), que garante a verba e é gerido pelo Banco de Brasília (BRB), não tem sido suficiente para cumprir os compromissos. Para 2011, o Fundefe tem dotação orçamentária de R$ 117 milhões, inteiramente destinada ao Pró-DF.
Além da lei relativa à primeira versão do Pró-DF, o STF derrubou outras de teor semelhante vigentes em seis estados, e vem empreendendo uma cruzada contra a chamada ;guerra fiscal; entre as unidades da Federação. O secretário, no entanto, declarou que o Distrito Federal concede benefícios creditícios, o que tornaria a política local diferente da isenção tributária praticada por outros governos.
Entretanto, o ministro Ricardo Lewandowski, relator da decisão que anulou artigos da Lei n; 2.488, deixou claro que, mesmo especificado na legislação sob a forma de crédito, o financiamento do ICMS no Distrito Federal é considerado um benefício de caráter tributário. ;À guisa de se dar um empréstimo às empresas favorecidas, na verdade está se dando a elas um incentivo fiscal proibido pela Constituição;, afirmou Lewandowski no dia do julgamento.
Como a decisão do STF causou apreensão entre os empresários do DF, o governo local marcou para a próxima segunda-feira uma reunião das secretarias de Desenvolvimento e Fazenda com o setor privado no auditório da Federação das Indústrias do DF (Fibra), a fim de discutir as consequências da sentença.
Até o momento, as duas pastas vêm tentando minimizar o impacto da decisão. O principal argumento é que a quantidade de empresas atualmente inscritas na primeira versão do Pró-DF é muito pequeno. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento, são apenas sete, já que após 2003 a maioria migrou para o Pró-DF 2, que hoje tem 76 beneficiárias. No entanto, caso a sentença do STF retroaja, como é praxe no caso de ações de inconstitucionalidade, empresários que já participaram da edição original do programa podem ser obrigados a devolver aos cofres públicos o valor cheio do ICMS.
Incerteza
A queda de dispositivos da Lei Distrital n; 2.488 alarmou empresários do DF. A decisão afeta principalmente a indústria, segmento para o qual o Pró-DF foi designado. No Polo JK, área destinada à atividade produtiva em Santa Maria, que abriga 80 empresas responsáveis pela geração de 5 mil empregos, o clima é de incerteza.
;Isso trouxe uma insegurança tremenda. Vai ter uma debandada. O metro quadrado do terreno no Distrito Federal é o mais caro do Brasil. O que atrai os empresários é a política de incentivos;, disparou Edward Libânio Martins, gerente-geral do Porto Seco do Centro-Oeste, situado na região.
Além de contar com o ICMS parcelado para fechar as próprias contas, o Porto Seco, prestador de serviços de aduana administrado por uma empresa permissionária, a Logserve, tem interesse que outras indústrias sejam beneficiadas com cargas tributárias leves. ;A gente vai ser mais prejudicado já que os importadores utilizam o benefício do ICMS. Sem ele, ninguém mais vai querer importar pelo Distrito Federal. Vamos fechar;, diz o gerente-geral.
Fernando Martins, presidente da União Química, farmacêutica originária de São Paulo que mantém uma de suas fábricas no Polo JK, afirma que tem sido ;difícil; tocar o empreendimento no DF. ;Há problemas de infraestrutura. Não tem água encanada, tem pouca iluminação. Estou tendo que utilizar gerador próprio na fábrica. E agora querem tirar o benefício? Se fizerem isso, não haverá desenvolvimento. O incentivo é o mínimo, senão como haveria interesse em ir para outro estado?;, questiona.
Apoio financeiro
Regulamentado pelo Decreto-Lei n; 24.594, de 2004, o Fundefe tem como objetivo promover o desenvolvimento econômico e social do Distrito Federal concedendo apoio financeiro a empreendimentos produtivos. Os recursos podem vir de dotações orçamentárias; dividendos recebidos pelo GDF em virtude de participação acionária em empresas públicas; receitas decorrentes de aplicações no mercado financeiro ou de receitas de aplicações no setor privado.
Recado aos estados
O Supremo Tribunal Federal revogou 23 leis de seis estados e do Distrito Federal que concediam isenções fiscais para beneficiar empresas. As normas questionadas desencadeavam a guerra fiscal entre as unidades da Federação. Uma das legislações consideradas inconstitucionais contemplava empreendimentos inscritos no Pró-DF. O presidente do Supremo, Cezar Peluso, afirmou que as decisões são um recado para que os estados não aprovem mais leis de ;benefícios fiscais ao arrepio da Constituição;. Ao julgarem um pacote de 14 processos que tratavam de prazos especiais ou reduções sobre o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), os ministros entenderam, por unanimidade, que as leis são inconstitucionais. Além do DF, as leis revogadas imediatamente são de: Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Espírito Santo, Paraná e Mato Grosso do Sul.
Três perguntas para Jacques Pena
Secretário de Desenvolvimento Econômico do DF
O Pró-DF e o Pró-DF 2 são praticamente idênticos. Se o Supremo Tribunal Federal invalidou vários artigos da primeira versão, por que o governo manterá a atual versão do programa?
O mecanismo que criou o benefício para o Pró-DF tem muita semelhança com o do Pró-DF 2. Mas foi escrito de tal maneira que descaraterizou um benefício fiscal, uma vez que concedia crédito utilizável no momento de recolhimento do ICMS. Vamos aguardar se haverá alguma decisão judicial sobre o Pró-DF 2, que é a política de desenvolvimento econômico do Distrito Federal. O que o GDF vem discutindo nas últimas semanas é a necessidade de implementar novos mecanismos nessa política. O modelo atual apresenta alguns problemas.
Que tipo de problemas?
Independentemente da decisão do Supremo, vivíamos o impasse da insuficiência de recursos do Fundo de Desenvolvimento do Distrito Federal (Fundefe), que arca com os benefícios creditícios. O programa não está com fontes asseguradas. Mais cedo ou mais tarde teria que se tomar uma decisão a respeito. A determinação do STF apenas apressa as coisas.
O que o governo fará caso os efeitos dessa decisão sejam retroativos e as empresas beneficiadas pelo Pró-DF tenham que ressarcir os cofres públicos?
A publicação do inteiro teor da sentença do Supremo é primeira questão importante. O dia em que houver acórdão, nossos advogados decidirão o que fazer. Hoje, nós temos informação de que apenas sete empresas continuam no primeiro programa, que foi alvo da decisão.
O que diz a lei
A Constituição Federal determina que reduções e isenções fiscais a empresas e setores econômicos só podem ser concedidos caso haja acordo prévio no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). As unidades da Federação, portanto, não podem criar, de forma individual, programas que concedem benefícios tributários com o objetivo de atrair empresas . Seguindo esse raciocínio, o governo de São Paulo ajuizou no Supremo Tribunal Federal diversas ações diretas de inconstitucionalidade para questionar leis que tratavam de prazos especiais ou reduções sobre o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Decisão do STF é retroativa
A balança pende contra o setor produtivo do Distrito Federal no que diz respeito à possibilidade de aplicação retroativa da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucionais benefícios da primeira edição do Programa de Desenvolvimento Econômico e Sustentável do DF (Pró-DF). A assessoria de comunicação do Supremo informou que, pelo fato de a sentença ter sido motivada por uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), o entendimento é de que os efeitos gerados durante o período de vigor da legislação devem ser anulados.
Othon de Azevedo, professor da Universidade de Brasília (UnB) especialista em direito tributário, financeiro e econômico, destaca que, por se tratar de matéria tributária, a regra é que a sentença retroaja somente até os últimos cinco anos. ;É o prazo previsto no Código Tributário Nacional para cobrar impostos;, afirma.
Azevedo ressalta também que o fato de a Corte não ter se pronunciado sobre o alcance temporal da sentença abre espaço para o GDF ajuizar um embargo de declaração ; instrumento pelo qual é póssível pedir esclarecimentos sobre pontos que tenham sido omitidos em sentenças judiciais. Entretanto, como é presumido que, quando é determinada a inconstitucionalidade de uma norma, os efeitos sempre retroagem, o recurso teria efeito apenas protelatório.
Para Othon de Azevedo, a sentença proferida pelo Supremo sinaliza que o Distrito Federal deve ser mais cuidadoso na formulação de sua política fiscal. ;O STF passou uma diretriz no sentido de que qualquer concessão tributária deve passar pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, o que não ocorreu com esse financiamento do ICMS. O GDF deve estar atento a essa orientação;, afirmou.
O consultor tributário Agnaldo César de Freitas, da ACF Consultoria, alerta que ;a partir da sentença, haverá jurisprudência;, e acredita que qualquer política em moldes semelhantes à que foi considerada inconstitucional também deverá ser anulada. Para ele, o Pró-DF 2 corre riscos.
Para colocar freios à questão da guerra fiscal, combatida pela Suprema Corte, ele defende que haja uma legislação nacional estipulando uma alíquota única e normatizando o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). ;Essa questão se arrasta há anos e somente agora o STF tomou uma posição. Uma política unificada resolveria o problema.;
A guerra fiscal ocorre quando uma unidade da Federação concede isenção ou alivia a carga tributária a fim de atrair empresas de outros estados para sua região. Justamente para evitar esse tipo de embate, a legislação brasileira prevê que o Confaz, órgão colegiado composto pelos secretários de Fazenda de todo o país, aprove previamente qualquer benefício tributário.
Com exceção de alguns casos extraordinários ; como o da Zona Franca, em Manaus (AM) ;, os benefícios fiscais autorizados pelo Confaz não privilegiam regiões, mas segmentos da economia.