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Mesmo com acidente com Imagination, fiscalização não será reforçada no lago

Apesar das nove mortes ocorridas por conta do naufrágio do Imagination no último domingo, a segurança no Lago Paranoá ficará sem reforços. A fiscalização e a cobrança das normas de navegação das 2 mil embarcações a circular pelo local são de responsabilidade de três corporações, que não sinalizam a possibilidade de aumentar o contingente do Corpo de Bombeiros, do Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) e da Marinha. Enquanto o Governo do Distrito Federal (GDF) se limita a oferecer ajuda de infraestrutura, a força naval defende que os quatro militares destacados para o lago diariamente são suficientes. ;Não existe nenhuma previsão de atividade especial a partir do que aconteceu;, afirmou o secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar.

Ao contrário do ano passado, quando duas irmãs perderam a vida em um naufrágio e a fiscalização foi intensificada, a ocorrência de um acidente ainda mais grave não vai significar qualquer reforço na área náutica de Brasília. Segundo Avelar, o efetivo do BPMA e do Corpo de Bombeiros seguirá sem alterações na fiscalização. Assim, o zelo pelo local fica a cargo, em dias úteis, de 11 homens: os quatro da Marinha mais sete do BPMA. Aos fins de semana, a força naval pode deslocar até 15 (leia quadro). Esse grupo garante a segurança nos 48 quilômetros quadrados de lago ; ou 6,4 mil campos de futebol. Com quatro homens por turno, significa que cada fiscal monitora uma área equivalente a 1,6 mil campos.

Especialista ouvido pelo Correio acredita que há a necessidade para mais profissionais atuando no Paranoá, que abriga 110 quilômetros de margem. ;Ter esse número de pessoas para quase 2 mil embarcações é insuficiente;, avalia o especialista em hidrovias e portos da Universidade Federal do Pará, o engenheiro naval Hito Braga de Moraes. ;No mínimo, um aumento no policiamento inibiria as irregularidades;, acrescentou.

Para ele, é preciso estudar o uso feito do lago pelos vários tipos de barcos para determinar um contingente adequado de fiscalização. Ele reconhece, no entanto, que acidentes como o do Imagination não seriam evitados mesmo que o número fosse três vezes maior. ;Acontecimentos assim são raros e ocorrem por um conjunto de fatores. E mais policiamento ajuda como nas estradas: inibe irregularidades, mas não significa que não ocorram tragédias;, avaliou.

Atribuições
O GDF colocou-se à disposição da Marinha para ajudar com equipamento e pessoal. ;Podemos disponibilizar a organização dos locais de embarcação, a parte de infraestrutura, a logística e o controle das listas de passageiros, além de ajudar a dar condições para que a Marinha esteja presente de forma rotineira para fazer as inspeções;, afirmou o governador Agnelo Queiroz. Mas, como a área náutica é de responsabilidade da Marinha, para evitar constrangimentos, o governo condicionou a ajuda a um pedido da instituição.

A Marinha adiantou que não deve pedir mais ajuda do GDF por entender que o auxílio existe por meio das corporações locais. Acrescentou ainda que uma maior cooperação ocorreria caso houvesse aumento no contingente do Corpo de Bombeiros e do BPMA no lago. O cabo Edmar Sá, do BPMA, atesta que todos atuam de maneira integrada na defesa da área náutica. ;A interação significa que, quando a PM vê uma embarcação sem documento, leva à delegacia fluvial (da Marinha) ou chama uma patrulha deles. Já se a Marinha flagra alguém conduzindo alcoolizado, chama a PM;, explicou.

Há estudos, no entanto, para aumentar a quantidade de fiscais da Marinha no Lago. Os militares pretendem transformar a delegacia fluvial em uma capitania, o que vai significar mais barcos e a ampliação do número de funcionários.

Competências
Três corporações atuam no Lago Paranoá com atribuições distintas. Confira:

; Polícia Militar Ambiental ; Sete homens se dividem em turno de 24 horas. A unidade conta com seis jet skis, dois em funcionamento, um bote inflável e uma lancha. Fazem policiamento para inibir a ocorrência de crimes, desde alcoolemia até festas com adolescentes em embarcações.

; Corpo de Bombeiros ; São oito homens por turno de 24 horas no Grupamento de Busca e Salvamento. Contam com uma lancha e um pequeno bote a motor. Atuam em casos de afogamento, colisão de embarcações, incêndios e demais emergências, além de operações de busca, como a do Imagination.

; Marinha ; Há quatro fiscais por dia durante a semana, com oito embarcações disponíveis. Aos fins de semana, o número pode aumentar para 15, dependendo do planejamento da Delegacia Fluvial. São responsáveis pela fiscalização do lago, zelando pela regularidade e a
segurança das embarcações, além da habilitação dos motoristas.

DF sem estaleiros
Apesar de contar com 2 mil embarcações circulando pelo Lago Paranoá, Brasília não tem estaleiro ; local onde se constrói ou reformam barcos ; e marina pública. Para manter os barcos atracados, empresários que lidam com o turismo náutico dependem de acordo com os clubes. Para os empresários, isso significa dificuldades na hora de, por exemplo, retirar um veículo da água para a realização da vistoria a seco, exigência da Marinha para emitir o Certificado de Segurança da Navegação (CSN), documento obrigatório. Se o barco for grande, os clubes não têm estrutura capaz de içá-lo para fora d;água.

Dono de um barco de festas, Etienne Petrillo, 78 anos, contratou o serviço de uma empresa de guincho sem experiência náutica. Ele precisava retirar a embarcação do lago para conseguir o CSN. A operação ocorreu em uma área pública, sem asfalto e infraestrutura, perto da Ponte das Garças, no Lago Sul. No meio do processo, houve um problema, e o veículo caiu de uma altura de 2m. Os vidros e o leme se quebraram. Por sorte, os danos ao casco foram poucos. Mesmo assim, o conserto ficará entre R$ 10 mil e R$ 12 mil.

A empresa de guindaste vai arcar com o prejuízo. ;Se houvesse um estaleiro, isso não ocorreria. Ou haveria um guindaste fixo ou, então, uma carreira (trilho que puxa o barco) que aguenta uma embarcação desse tamanho;, afirmou Etienne. ;Pensar num estaleiro é um sonho tão grande quanto ter a casa própria;, disse o dono de outro barco de festas, José Carlos Andrade. Ele está construindo uma embarcação ao lado de um clube, em área pública sem cobertura.