Jornal Correio Braziliense

Cidades

Campanha visa estimular a adoção de crianças e adolescentes


No Dia Nacional da Adoção, comemorado amanhã, bastaria visitar os abrigos do Distrito Federal para conhecer uma realidade marcada pelo abandono. Neles, há, principalmente, meninas e meninos negros, acima dos 3 anos e com alguma deficiência. De acordo com dados da Vara da Infância do DF, há 163 crianças e adolescentes disponíveis para adoção na capital do país. Ao menos 100 delas têm entre 12 e 18 anos de idade. Em contraste, há 295 famílias habilitadas para adoção. Outras 100 estão à espera da autorização. São cerca de 2,5 famílias para cada criança.

Isso ocorre porque boa parte das pessoas dispostas a inserir um novo integrante ao núcleo familiar prefere crianças mais novas e saudáveis. Mas essa mentalidade deve mudar, conforme pretende o Projeto Aconchego, organização não governamental (ONG) voltada para a adoção, em atividade no DF há quase 15 anos e que já atendeu mais de 1 mil famílias. A entidade lança hoje, às 19h30, no auditório do Palácio do Planalto, a campanha Adoção: família para todos. Na ocasião, será exibido um vídeo, a ser veiculado em todo o país, mostrando exemplos de adoções de sucesso, porém fora do padrão.

Quem decide tornar-se pai ou mãe de uma criança deficiente é exemplo de amor sem preconceito. É o caso do analista de sistemas André Luiz Cabral, 32 anos, e de sua mulher, Cleciani Cabral, 31, analista de redes. Moradores de Sobradinho, eles têm dois filhos biológicos e adotaram outras duas meninas deficientes. ;Sempre tivemos vontade de adotar alguém que realmente precisasse da gente. Nós sempre visitávamos abrigos. Não fizemos nenhuma restrição de perfil. Quando nos mostraram a foto da Carolyna, que tinha 4 anos, foi amor à primeira vista;, relatou André. Carolyna, hoje com 6 anos, tem autismo severo, além de síndrome de Moebius, caracterizada pela perda dos movimentos do rosto.

Necessidades especiais
Em janeiro último, a família Cabral ganhou mais uma integrante: Maria Vitória, 2 anos, portadora de microcefalia (doença na qual o cérebro e o crânio são menores que o normal) e atraso global do desenvolvimento psicomotor. ;Levamos a Carol para visitar o abrigo onde ela vivia antes e conhecemos Maria Vitória. Novamente, foi paixão no primeiro momento;, lembrou André.

A decisão de cuidar de uma criança especial deve ser bem pensada. Envolve, além da questão emocional, o lado financeiro. ;As despesas são muitas. Mas nada paga a sensação de ver o desenvolvimento delas, o sorriso. É como se Carol e Vitória sempre tivessem existido na nossa família. É um amor muito natural;, disse André.

Nem todos que se encontram em um lar provisório podem ganhar uma nova casa. Muitos menores em abrigos têm pai ou mãe, mas estão afastados por incapacidade dos responsáveis. ;Escolhemos essa data a fim de lançar a campanha e chamar a atenção para a necessidade de tratar o tema como um direito da criança e não apenas para atender um desejo dos adultos;, disse a presidente da ONG Aconchego, Soraya Kátia Rodrigues Pereira.

Criança ou filho?
Durante a apresentação da campanha, serão discutidas novas políticas públicas de adoção a serem implantadas, por meio do Plano Nacional de Convivência Comunitária. O Projeto Aconchego poderia servir como modelo para todo o país. A organização mantém atividades que mostraram resultados positivos ao longo dos anos.

A ONG oferece cursos de pré-adoção. Psicólogos orientam as famílias que pensam em adotar. ;Nós mostramos a elas a questão: ;vocês querem uma criança ou um filho?; Para adotar, é preciso escolher a segunda alternativa. Até as mães biológicas precisam adotar seus bebês quando eles nascem;, explicou Soraya Kátia. No ano passado, 201 pessoas fizeram o curso. Este ano, somente 25 participaram, por falta de patrocínio.

A mesma entidade mantém o programa Irmão mais velho. Nele, adolescentes de uma escola particular do DF visitam abrigos aos sábados para conviver com as crianças. Os participantes não podem levar presentes ou comida. Devem chegar apenas com o afeto e criar vínculos. O grupo de voluntários também oferece lições de apoio à adoção tardia, acima dos 3 anos de idade. ;Antes, havia muita devolução das crianças nesse perfil. Com a orientação correta, esse problema tem diminuído muito;, afirmou Soraya.

Na ONG, eles também estimulam a adoção de irmãos. ;Pela lei, não se pode separar irmãos que estão disponíveis para ganhar um novo lar. Muita gente, porém, não quer ou não pode cuidar de mais de uma criança. Nós estimulamos que famílias diferentes levem as crianças, mas com comprometimento de deixá-las conviver como irmãs;, relatou a presidente.

Mesmo quem não tem certeza ou não pretende adotar uma criança pode doar um pouco de carinho, por meio do apadrinhamento afetivo, outra iniciativa do Projeto Aconchego. É possível visitar as crianças periodicamente e até levá-las para passear, passar fins de semana em casa ou viajar. Tudo isso com um rígido acompanhamento da ONG. Para finalizar, há ainda o Boderlando, no qual voluntárias bordam mantas personalizadas e as oferecem a crianças em abrigos. As iniciativas não param por aí. O Projeto Aconchego estuda uma parceria com uma faculdade de direito para começar o programa Amigo legal, que possibilitaria a cada criança em abrigo ter seu orientador jurídico.

A situação em Brasília é semelhante à que se vê em nível nacional. Dos cerca de 29 mil meninos e meninas que vivem em abrigos no Brasil, apenas 4 mil estão aptos para adoção. Desse total, aproximadamente a metade é de raça negra e 21% possuem problemas de saúde, como deficiência física ou intelectual, segundo dados divulgados no último mês pelo Cadastro Nacional de Adoção.

Ação inclusiva

Soraya Kátia Rodrigues preside o Projeto Aconchego há cinco anos. Ela acompanhou o nascimento da ONG de mesmo nome, fundada por duas técnicas da Vara da Infância. Soraya queria adotar. Então, juntou-se a outras mulheres e homens com o mesmo objetivo. Eles sentiam falta de apoio durante o processo. Hoje, unidos, oferecem esse auxílio a centenas de pessoas que sonham aumentar a família. Soraya é mãe adotiva de dois jovens: Ugo, hoje com 18 anos, e Thainá, 16, adotada com 4. Como mãe adotiva e psicóloga, Soraya dá alguns conselhos a outras famílias. ;A criança precisa saber desde sempre que é adotada. Ela tem o direito. Quem vai adotar precisa se questionar sempre: ;por que fazer isso?;. A pessoa precisa querer um filho de verdade. Se decidir que seguirá em frente, ela precisa fazer isso legalmente. É questão de segurança e orgulho.;
Soraya Kátia Rodrigues, presidente do Projeto Aconchego

Programação

Hoje
Local: Auditório do Palácio do Planalto

19h30 ; Abertura. Roberto Carlos Ramos, o contador de histórias, vai relatar a sua própria experiência. Pedagogo mineiro, cresceu na antiga Febem e foi adotado por uma francesa, que acreditou em seu potencial. Sua história virou filme e hoje ele tem vários filhos por adoção, todos, como ele, considerados ;inadotáveis;.

20h15 ; Exibição do vídeo da campanha ;Adoção: família para todos;, documentário de 5 minutos sobre adoções que fugiram do padrão e deram certo. O material foi produzido pelo Grupo Aconchego, em parceria com a Universidade Católica de Brasília e a Secretaria de Direitos Humanos.

Explanações:

20h30 ; Soraya Kátia Rodrigues Pereira, presidente do Projeto Aconchego;

20h45 ; Ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República;

21h ; Ministra Maria do Rosário, secretária de Direitos Humanos.