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Pela primeira vez, orgão pune com demissão ex-procurador-geral de Justiça


O julgamento de ontem ficará marcado na história do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Pela primeira vez desde a criação do órgão, um ex-procurador-geral de Justiça foi condenado à pena máxima: demissão do cargo. Apesar de a sessão de ontem ter sido mais tranquila do que anterior, principalmente pela ausência da promotora Deborah Guerner, diversas cenas e discussões pontuaram o dia. A defesa da acusada bem que tentou, mas o relator do processo administrativo aberto contra ela e Leonardo Bandarra, conselheiro Luiz Moreira, negou pedido para que a reunião ocorresse a portas fechadas. Com isso, os presentes puderam acompanhar o voto divergente aberto pelo conselheiro Achiles Siquara, autor do pedido de vista que adiou o julgamento iniciado em 6 de abril.

Siquara levou ao plenário os 10 principais volumes do total de 50 constantes do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) n; 1.515/2009-73. Ele discordou da maioria dos argumentos apresentados por Moreira, que havia pedido a suspensão e demissão dos promotores, principalmente no tocante a Bandarra. Segundo o conselheiro, não existem provas sobre a participação do então procurador-geral de Justiça no vazamento de informações da Operação Megabyte ao então secretário de Relações Institucionais do DF, Durval Barbosa, nem na suposta extorsão feita a José Roberto Arruda, governador do DF à época.

Segundo Siquara, a falta de um Código de Ética dificulta o enquadramento das ilicitudes e a definição das sanções. No entanto, para ele, Bandarra deveria ser punido com censura por ter procurado o promotor Mauro Faria de Lima para interferir na apresentação de denúncia, em 2009, contra o então comandante da Polícia Militar do DF, Antônio Cerqueira. Segundo o conselheiro, o promotor é réu primário e não poderia ser condenado com a exoneração. A pena seria de censura. No entanto, esse tipo de punição também estaria prescrita. Diante disso, o acusado deveria ser inocentado.

Já no caso de Deborah Guerner, Siquara acredita haver evidências suficientes para a demissão. Depoimentos de Durval, Arruda e da assessora Cláudia Marques comprovam a atuação da promotora para tirar da internet, com a ajuda de hackers, notícia de que ela e Bandarra estariam beneficiando empresas nos contratos de coleta de lixo no DF.

Além disso, a promotora teria ;achacado; o ex-governador. Ela cobrou R$ 2 milhões de Arruda e, em troca, não divulgaria vídeo em que ele aparece recebendo dinheiro de Durval. Sobre a acusação de repasse de informações, entretanto, Siquara também absolveu a promotora. ;Tenho como insuficiente o acervo de prova da prática de ato ilícito de vazamento da Megabyte;, disse.

Ética
O voto de Siquara tomou a metade da sessão de ontem e animou a defesa dos acusados. No entanto, a segunda parte da manhã foi destinada ao contraponto apresentado pelo conselheiro Cláudio Barros Silva ; seguido pelos demais colegas até completar o placar de 9 votos a 1 pela condenação de Bandarra e de 10 a 0 pela demissão de Deborah. ;Dos membros do Ministério Público exige-se uma conduta diferenciada, dentro de um espectro superior de responsabilidade. Estamos a julgar matéria administrativa em que se imputa a membros do MP grave violação à dignidade de suas funções à Justiça;, disse o conselheiro.

Cláudio Barros proferiu um voto duro contra os acusados. Segundo ele, o exercício do cargo exige comportamento ilibado, idôneo e probo com um peso superior ao da moral comum. ;Todos sabem que o MP não existe para assegurar ou sustentar meros interesses individuais, políticos ou econômicos, e o capricho de governantes.;

Segundo ele, há indícios veementes sobre a ação indevida para bloqueio de matéria jornalística, da violação do sigilo sobre operação realizada pelo órgão e da tentativa de extorsão realizada contra Arruda. O conselheiro disse que, apesar de serem jovens e cultos, Guerner e Bandarra não souberam manter a integridade e dignidade.

Antes da apresentação do oitavo voto contra Bandarra, suficiente para a condenação, o ex-procurador-geral de Justiça do DF deixou o plenário, desceu rapidamente ao estacionamento e saiu sem falar com ninguém.







Uma carreira meteórica
Nos últimos seis anos, Leonardo Azeredo Bandarra foi do céu ao inferno. Brilhante promotor de Justiça, carismático e líder de um grupo de combativos integrantes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), ele tinha um futuro promissor. Poderia sonhar com grandes projetos. Era cotado para se tornar ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), procurador-geral da República e até para a carreira política ; que ele sempre descartou. Não faltavam especulações de que, se quisesse, Leonardo Bandarra poderia até aspirar uma disputa ao Governo do Distrito Federal. Tinha todas as credenciais para se tornar um nome forte na corrida ao Palácio do Buriti, caso decidisse abrir mão do Ministério Público.

Em 2006, ele conseguiu, aos 40 anos, assumir o posto mais importante da instituição que integrava. Foi nomeado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo, depois de figurar três vezes na lista dos promotores mais queridos pela classe. Foi o primeiro colocado em votação interna duas vezes. Também foi eleito presidente da Associação do Ministério Público do Distrito Federal, onde representou a categoria em dois mandatos consecutivos. Até o ano passado, ele presidia a entidade que reúne todos os procuradores-gerais de Justiça do país.

Ao tomar posse na procuradoria-geral de Justiça do DF, Bandarra sinalizou que inauguraria estilo próprio na condução do órgão. Já na primeira entrevista, dada ao Correio, ele disse que usaria o diálogo com a classe política para acelerar a solução de problemas, preferindo celebrar termos de ajustamento de conduta (TACs) em vez de levar questões ao Judiciário, onde tramitariam durante anos sem um desfecho desejado pelo Ministério Público. Até então, promotores e Governo do DF, na gestão de Joaquim Roriz, travavam batalhas judiciais. O MP era acusado de ser usado politicamente para atacar o então chefe do Executivo.

Proximidade
Ao vencer as eleições em 2006, José Roberto Arruda tentou inaugurar ao lado de Bandarra uma nova era. Dias depois da vitória nas urnas, Arruda esteve no Ministério Público, ao lado do vice-governador eleito, Paulo Octávio, para uma reunião com Bandarra e vários promotores, entre os quais Deborah Guerner. Foi um encontro para discutir problemas do Distrito Federal, pendências antigas que Arruda prometeu resolver. A partir daí, a relação entre Bandarra e o ex-governador se estreitou. Vários assuntos de governo eram debatidos com a participação do então chefe do Ministério Público. Apesar do embate persistente do Ministério Público com Roriz, Bandarra também tinha contatos no governo rorizista. A ex-sogra de Bandarra é vizinha da casa em que o hoje vice-governador Tadeu Filippelli viveu com a família durante décadas, no Lago Sul. Político e promotor eram amigos desde o noivado de Bandarra, com a primeira mulher, com quem ele teve dois filhos. Ele, no entanto, teve conflitos com Roriz, depois que, em 1999, na função de chefe de gabinete do então procurador-geral de Justiça do DF, Humberto Ulhôa ; hoje desembargador do Tribunal de Justiça do DF ;, recebeu o bicheiro Manuel Durso para denunciar que doou recursos para a campanha rorizista em 1998.

Foi na escolha dos principais assessores que Leonardo Bandarra acabou caindo. Braço direito dele no Ministério Público, a promotora de Justiça Alessandra Queiroga, que comandou o Centro de Inteligência (CI) do órgão, deu início ao que se transformou na Operação Caixa de Pandora. Ela intermediou a delação premiada de Durval Barbosa, que acabou envolvendo Bandarra nas denúncias que ontem resultaram na decisão de expulsá-lo da carreira, tomada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O trabalho de convencimento de Durval para que confessasse crimes de corrupção contou com a participação do promotor Wilton Queiroz, hoje chefe do CI. O primeiro depoimento de Durval foi concedido a dois promotores do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc), Sérgio Bruno Cabral Fernandes e Clayton da Silva Germano. Bandarra não era informado de nada, enquanto promotores do MPDFT colaboravam com a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, na elaboração da Operação Caixa de Pandora.

O maior pecado de Bandarra talvez tenha sido acreditar que poderia viver entre dois mundos, o da proximidade com o meio político e o do combate à corrupção.

Constrangimento
A relação próxima com Deborah Guerner sempre provocou constrangimentos entre os principais assessores de Leonardo Bandarra. Esse relacionamento acabou se tornando um peso nas denúncias de Durval Barbosa. Vídeos captados pelo circuito interno da casa da promotora registraram conversas íntimas e suspeitas entre os dois que Bandarra nunca conseguiu explicar. Uma das imagens captou Bandarra chegando de moto na casa da promotora. Ele só tira o capacete depois de entrar na residência.





Uma promotora excêntrica
Ricardo Taffner
As roupas extravagantes, os trejeitos exagerados e as reações inesperadas chamam a atenção. Essas características aliadas a constantes chiliques, então, trazem a suspeita de que Deborah Guerner padece de algum mal. No entanto, laudos do Instituto de Medicina Legal (IML) garantem que a promotora controla as próprias emoções. O resultado da perícia médica, porém, contraria os desejos da própria examinada. A fim de demonstrar sintomas de loucura, ela chegou a ensaiar o discurso e encenar ataques. Nada colou. No máximo, as performances chegaram a impressionar os espectadores desavisados, mas não os peritos da Polícia Civil. Segundo eles, Deborah sempre teve juízo crítico e capacidade de compreender a realidade.

Para simular insanidade, além da coragem e desinibição, a promotora contou com a assessoria de renomado especialista. Ao lado do marido, Jorge Guerner, recebeu aulas do psiquiatra Luís Altenfelder Filho. O objetivo era convencer a equipe médica de que sofria de transtorno bipolar múltiplo e, com isso, ser considerada inimputável diante das acusações que pesam contra ela. A farsa acabou descoberta e o casal foi preso sob a acusação de uso de documento falso, fraude processual e formação de quadrilha. O pedido de prisão foi apresentado pelos procuradores regionais da República Ronaldo Albo e Alexandre Spinosa diante dos vídeos apreendidos na casa da promotora com as cenas do treinamento.

Deborah passou o último feriado da semana santa e o aniversário de 49 anos em uma sala do Comando de Operações Táticas do Complexo da Polícia Federal. No dia da prisão, a promotora interpretou mais uma cena clássica, repercutida em todos os noticiários: com echarpe na cabeça para esconder o rosto, deu gritinhos e tapas no ar a fim de tentar espantar a imprensa. No primeiro dia de julgamento do CNMP, ela já havia mostrado o seu potencial. Ao lado da sala onde ocorria a sessão, Deborah xingou, disparou ameaças e deixou o local escoltada por brigadistas e pelo marido.

Mas o tamanho do público e a repercussão nunca impediram os chiliques da promotora. Imagens gravadas pelo sistema de segurança da residência, mostram Deborah simulando desmaio ao receber intimação para depor. Ela foi socorrida e pouco tempo depois, após a saída do oficial de Justiça, se mostrou disposta. Ela teria se descontrolado, ainda, em outra ocasião diante dos agentes da Polícia Federal que cumpriram o mandato de busca e apreensão em sua na casa. Na ocasião, Deborah teria tirado peças de roupa na tentativa de intimidar os policiais. As cenas, no entanto, de nada adiantaram. Dois laudos do IML atestam que Deborah expressa reações de acordo com a conveniência. Para os peritos, a promotora é imputável.

Mudanças de humor
O transtorno bipolar se caracteriza por oscilações ou mudanças cíclicas de humor. As alterações vão de simples oscilações entre estados de alegria e tristeza a episódios de mania e depressão. A doença pode gerar grande impacto na vida do paciente e da família, causando prejuízos frequentemente irreparáveis. Aproximadamente 8 a cada 100 indivíduos, manifestando-se igualmente em mulheres e homens.