;Ele apanhou de policiais. Detentos tentaram aliciá-lo e ainda quiseram ensiná-lo a entrar no mundo do crime. Isso tudo porque ele é menor;. Essas são as palavras de Gilson dos Santos, advogado do adolescente de 15 anos que ficou preso por engano por quase três meses no presídio da Papuda. A reportagem do Correio não pôde entrar em contato com o garoto, que foi transferido na última quinta-feira para um abrigo. Mas o advogado relatou os momentos de violência a que o adolescente foi submetido enquanto preso.
O advogado contesta o fato de os policiais civis terem levado o jovem à prisão em 14 de fevereiro sem documentos oficiais, após o furto a um quiosque. ;Ele só portava a ficha de um abrigo, onde apontava que ele tinha 19 anos, e que foi tomada como certa. Mas era preciso investigar, pois a Certidão de Nascimento, conseguida dias depois, prova de que, na verdade, ele tem 15 anos.; Nenhum familiar do adolescente, que é de Aparecida de Goiânia (GO), havia sido encontrado até a noite de ontem. ;Ele fugiu de casa quando tinha 13 anos e não sabe onde a família mora, mas estamos tentando localizar os familiares;, contou o advogado.
Mesmo sendo considerado inimputável por ter 15 anos, Antônio* não teve os direitos respeitados, como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O garoto passou 87 dias dentro do presídio da Papuda com outros detentos, maiores de idade. Por ter cometido o ato infracional de furto, o adolescente deveria ser julgado conforme o ECA, mas foi levado ao Centro de Detenção Provisória (CDP), conforme prevê o Código Penal para pessoas maiores de 18 anos. Ele foi transferido ao Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) somente na última quinta-feira, depois de a 1; Vara Criminal reconhecer o erro e mandar um ofício de transferência à Papuda.
Falha inaceitável
O equívoco que levou o adolescente à prisão é questionado pelo Conselho Tutelar da Asa Norte, que assumiu o compromisso de ajudar Antônio. ;Essa falha é inaceitável. Se há dúvidas em relação à idade, é preciso buscar certezas. Idade não se define por aparência;, apontou o conselheiro tutelar Rafael Madeira. Ele informou à reportagem do Correio que o adolescente é morador de rua há dois anos e não tem referência familiar. ;Desde quando fugiu de casa, ele ficou entre Brasília e Goiás. Agora, vamos correr atrás da família e dos direitos dele. Direito a saúde, educação e moradia;, disse Madeira.
A 2; Vara da Infância e da Juventude (VIJ), em Samambaia, foi responsável pela liberação do adolescente do Caje, na noite da última quinta-feira. Por meio da assessoria de comunicação, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) informou que a 2; VIJ preferiu não se pronunciar e alegou que, de acordo com o ECA, os processos contra adolescentes devem ser mantidos em segredo de Justiça. ;Ele vai ficar em liberdade até o resultado do processo, que seguiu para o MP, mas acredito que ele seja inocentado, já que ficou 87 dias dentro de um presídio, mesmo sem poder;, esclareceu Gilson dos Santos.
O diretor-geral substituto do Sistema Penitenciário do Distrito Federal (Sesipe), John Kennedy, garantiu que, no dia seguinte à chegada do adolescente ao presídio da Papuda, foi feita uma entrevista com os novos detentos. Na ocasião, o garoto teria garantido ser menor de idade e, também, que nascera em Aparecida de Goiânia (GO). Kennedy contesta a informação passada pelo advogado do adolescente. ;Foi o sistema que detectou o erro, e não o advogado. Na mesma semana em que ele chegou ao Centro de Detenção e disse que era menor, o isolamos e começamos a fazer investigações para saber se era verdade. Checamos, inclusive, os registros de todas as escolas da cidade goiana. A idade, no entanto, só foi descoberta por meio de uma Certidão de Nascimento conseguida pelo Sesipe;, apontou.
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Na certidão consta que o jovem nasceu no Hospital São Silvestre, em Aparecida de Goiânia, mas foi registrado em Trindade (GO). Gilson dos Santos rebate a informação de Kennedy e garante que o adolescente só foi separado dos demais detentos em 9 de março. ;Fiquei sabendo da história por meio de um cliente, que dividia a cela com o adolescente e contou o caso. Mas o garoto só foi isolado quase um mês após a prisão;, garante.
Exame
Em 18 de fevereiro, segundo Kennedy, o jovem teria sido levado ao Instituto Médico Legal (IML), em que foi submetido ao exame de constatação cronológica dos punhos e das mãos. ;É um exame do tipo raios X, em que é detectada uma idade média da pessoa. Mas o resultado apontou que ele teria entre 16 e 18 anos, então fomos em busca de outras informações que comprovassem a idade;, garantiu o diretor. Questionado sobre o erro e a respeito dos procedimentos que serão tomados a partir de agora para a entrada de novos detentos, John Kennedy foi enfático. ;Esse é o primeiro e único caso desse tipo que tomo conhecimento. Não vejo como ter mais cautela.;
Apesar de o diretor garantir que o trabalho dos agentes penitenciários é eficiente, um procedimento administrativo foi aberto no Sistema Penitenciário para investigar o caso. Policiais civis que autuaram o adolescente no dia do furto também serão ouvidos. A Divisão de Comunicação da Polícia Civil (Divicom) disse não ter informações oficiais sobre os procedimentos que deverão ser tomados.
Nome fictício em respeito ao ECA