Com o aumento da frota de veículos no Distrito Federal, a falta de vagas tem se tornado um problema cada vez maior para os motoristas. Em meio a promessas do governo sobre a construção de estacionamentos subterrâneos e a ampliação das áreas públicas destinadas aos veículos, quem dirige pelas ruas se vira como pode. Uma saída é deixar a chave do carro com manobristas ou flanelinhas. Mas, nesse caso, cuidado: se houver um acidente, decidir sobre quem recai a culpa causa polêmica. Esta semana, a 1; Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) manteve, depois de analisar recurso, a decisão de condenar um proprietário de veículo após ele entregar o carro a uma pessoa não habilitada que se envolveu em um acidente e provocou a morte de uma das vítimas.
Em 2010, o juiz da Vara de Delitos de Trânsito, Gilberto Pereira de Oliveira, condenou Francisco Paulo de Melo Júnior por emprestar a chave do carro a Paulo Henrique Ribeiro, que não tinha Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Paulo Henrique prestava serviços para Júnior e pegou o carro, perdeu o controle e atropelou três pessoas que estavam na calçada. Uma das vítimas, Helena Feijó Lima, 44 anos, morreu em decorrência dos ferimentos. Júnior foi condenado a dois anos de detenção, em regime inicialmente aberto, e suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por dois meses. A pena do manobrista foi extinta porque ele morreu antes de cumpri-la. A reportagem entrou em contato com a advogada de Júnior, mas não conseguiu localizá-la.
O juiz titular da Vara de Delitos de Trânsito de Brasília, Gilberto Pereira de Oliveira, explicou que determinou a sentença com base no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) combinado com o artigo 310 do mesmo documento e com o artigo 29 do Código Penal (veja o que diz a lei). ;O juiz deve examinar qual o grau de contribuição da pessoa no crime. Está escrito no código penal ;quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade;;, ressaltou.
Para o promotor do Tribunal do Júri, Maurício Silva Miranda, todo mundo que colabora para a ocorrência do crime, no caso o dono do veículo que entregou as chaves para o manobrista dirigir, deve responder como autor. ;É uma questão de causa e efeito. Se ele não tivesse emprestado o carro, o incidente não teria ocorrido. Há um nexo causal;, explicou. Miranda acrescenta que é preciso analisar se o proprietário do automóvel foi imprudente ao entregar a chave.
Desconfiança
O eletrotécnico Rui Souza, 70 anos, morador do Guará, presta serviço a empresas no Setor Comercial Sul (SCS) e sempre se depara com a falta de vagas. ;Costumo estacionar o carro um pouco mais longe e não deixar a chave com o guardador, mas às vezes não tem jeito;, lamentou. Quando precisa buscar algum equipamento para manutenção, não encontra outra saída. Rui para o veículo próximo ao prédio e deixa a chave do carro com o flanelinha. ;Nesse caso, quando tenho que pegar mais de 10 aparelhos, não tem o que fazer. Sou obrigado a parar perto do prédio. A responsabilidade é toda minha. Mas foram poucas as vezes em que fiz essa loucura;, salientou.
A servidora pública Helen Fernandes Rosa, 35 anos, moradora do Park Way, não costuma deixar o veículo com flanelinhas, mas sempre usa o serviço de manobrista. ;Há pouquíssimas vagas, a gente tem que ficar procurando. Sem contar que estou sempre com as crianças, então não dá para estacionar muito longe;, justificou. Para ela, deixar o carro com o manobrista é mais seguro porque o funcionário pertence a uma empresa. ;Logo, a confiança é maior. Mas estamos sujeitos a tudo, corremos o risco de acontecer alguma coisa;, alertou.
A internacionalista Nara Lopes Holanda, 30 anos, moradora do Cruzeiro, não se preocupa em deixar o carro com os guardadores que trabalham no SCS. ;Não tenho medo e o pessoal aqui é de confiança. Deixo toda vez que preciso vir;, justificou. Ela conta que o pai manteve um escritório por muito tempo no local e sempre deixou a chave do veículo com um flanelinha. ;Quando confio, deixo meu carro com alguém para lavar ou estacionar para mim. Nunca parei para pensar que a pessoa pode bater o meu carro ou provocar algum acidente;, confessou.
O que diz a lei;
A Lei n; 9.503, de 23 de setembro de 1997, instituiu o Código de Trânsito Brasileiro. O artigo 310 determina detenção de seis meses a um ano ou multa para quem permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada, com o direito de dirigir suspenso ou a quem, pelo estado de saúde física ou mental ou embriaguez, não esteja em condições de conduzir o veículo com segurança. O artigo 302 prevê pena de detenção de dois a quatro anos e suspensão ou proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor caso quem estiver dirigindo pratique homicídio culposo. A pena poderá aumentar se o motorista não tiver a permissão para dirigir ou a carteira de habilitação, praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada, deixar de prestar socorro à vítima do acidente ou, no exercício da profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.