Jornal Correio Braziliense

Cidades

A eterna dor e delícia de ser mãe

Mulheres brasilienses mostram como, independentemente da idade ou da classe social, exercer a maternidade é uma das mais complexas e gratificantes tarefas do ser humano

Não basta enfrentar os nove meses de gestação para ser mãe. É necessário o cuidado de uma vida inteira. Na receita, há ingredientes indispensáveis como afeto, responsabilidade, vínculo e, principalmente, amor. Quando o assunto é a figura materna, de forma ingênua, idealiza-se, geralmente, a perfeição. Na realidade, porém, como qualquer ser humano, elas erram. São também diferentes de quem não conhece a dor e a alegria de dar à luz uma nova vida.

Ser mãe, entretanto, não é um conceito fechado, fácil de definir. Estudos mostram que o vínculo não se constrói sozinho, como uma força da natureza. O Correio apresenta hoje, no Dia das Mães, histórias de mulheres, de várias idades e gerações, que vivem em Brasília. Em fases distintas da missão, elas contam as dificuldades e os prazeres de se ter um filho.

A mais experiente entre elas, dona Maria das Mercês Dourado, 89 anos, teve o primeiro há 60. Ao contrário de muitas mulheres daquele tempo, fez tudo de forma planejada. Depois de casada, esperou alguns anos para dar à luz. Criou cinco filhos de forma livre, sem as ameaças da violência do mundo de hoje. Sobrou amor também para as netas que Mercês educou. ;O segredo da maternidade feliz é a maturidade;, ensina.

As irmãs Patrícia, 35 anos, Karina, 31, e Fernanda Viana de Paula, 30, engravidaram no mesmo período. As três enfrentam juntas o desafio de ser mãe em 2011. As mulheres da família Schuabb também têm histórias a contar. Em três gerações, elas viveram o sentimento de serem mães de formas distintas. Maria Helena Shuabb, 70 anos, é mãe de Jeanine, 42, que gerou Yasmine, 22, que deu à luz, aos 19 anos, às gêmeas Anna Luiza e Giulia, 3.

História
Com um breve olhar sobre o mundo é possível observar que os hábitos maternos mudam em cada civilização ou sociedade. Histórias de tribos africanas nas quais o cuidado com os filhos é secundário e os pequenos precisam se garantir sozinhos não são raras. Pesquisas de antropólogos, sociólogos e psicólogos, por exemplo, relatam as diferentes maneiras de viver esse momento.

;Ser mãe pode ser visto como uma experiência perigosa, dolorosa, interessante, satisfatória ou importante. A forma de vivenciá-la está associada quer às suas características individuais quer à atmosfera cultural que a circunda;, explica a psicóloga clínica na Maternidade Doutor Alfredo da Costa, em Lisboa, Maria de Jesus Correia, em um de seus artigos.

Ela é uma das especialistas mais conceituadas no assunto. No mesmo estudo, baseada em livros e pesquisas extensas de outros profissionais, surge a definição de que o amor maternal não se esconde somente na ;profundidade da natureza feminina;. O interesse pela criança pode surgir ou não. ;O amor maternal é infinitamente complexo e imperfeito;, diz.
Diferenças
Enquanto em algumas sociedades a gravidez é motivo de comemoração, em outras ; como na ocidental ; a gestante pode ser vista, muitas vezes, como alguém que está doente. ;Em certas civilizações africanas, as grávidas solteiras são tratadas com severidade. Em outras, a gravidez é um estado ritual. A futura mãe tem uma relação especial com todos;, relata Maria de Jesus.

A psicóloga traça uma relação com outros modos de vida para tentar entender o fenômeno chamado maternidade. Ela relata que, na Grécia antiga, a casa da mulher grávida era considerada um lugar inviolável, um santuário onde até os criminosos encontravam abrigo. Já os romanos, costumavam pendurar, na porta de casa, grinaldas ou folhas de louro para indicar a gestação.

Dessa maneira, as residências ficavam proibidas a visitantes indesejados, como oficiais de Justiça e cobradores. ;Entre os índios Guayaku do Paraguai, a grávida possui numerosas virtudes mágicas, pois encontra- se estreitamente ligada ao seu filho (ainda por nascer) e este está em comunicação com o mundo dos espíritos. Atribuem a ele o conhecimento de numerosos segredos, como o de prever o futuro e de predizer a morte de parentes;, relata Maria de Jesus.

O amor como valor familiar nem sempre foi intrínseco à relação entre pais e filhos, como nos dias de hoje. Até meados do século 18, essa ligação não era regra. Alguns povos, praticavam o infanticídio com frequência caso enfrentassem situação de miséria. ;Os bebês eram ;acidentalmente; sufocados ou deixados cair de cabeça no chão;, explica a psicóloga. O abandono também era banal na Antiguidade.

Na literatura, há relatos dessa realidade de descuido, como na obra Madame Bovary, de Gustave Flaubert, publicada em 1857. A personagem central do livro, Emma Bovary, se ocupa com seus casos de amor fora do casamento tedioso enquanto os filhos são deixados em segundo plano.

No último terço do século 18, foi iniciada uma revolução. ;Só após 1760 surgem publicações que recomendam às mães cuidar pessoalmente dos filhos e a amamentá-los elas próprias.; Suge assim a ;nova mulher;: educadora, mãe, criadora. O caminho até os dias de hoje, quando nem todas as mulheres são mais obrigadas a pensar em constituir uma família, foi longo. A maternidade, assim como a cultura e o tempo, segue em constante mutação.

Palavra de especialista

;A maternagem é construída culturalmente. Em certas sociedades, não há essa identificação direita. Hoje, a figura do pai cuidador é muito presente. A mulher não é só cuidados. Também usa a razão, a objetividade. Faz uso do direito de não ser mãe. Boa parte da sociedade já encara isso com normalidade. A maternagem é uma experiência visceral, muito profunda, que pode ser positiva ou negativa. Quando a gente vê uma moradora de rua com seus filhos, pode achar, olhando de fora, que ali não há cuidado. Mas o vínculo afetivo pode ser ainda maior do que em situações normais. O que se pode afirmar é que, definitivamente, ser mãe muda completamente a mulher.;

Janete Cardoso,
filósofa e professora da Universidade Católica de Brasília (UCB)


Metamorfose

Em cada época, a criação de um filho apresenta desafios distintos. Algumas preocupações, no entanto, nunca mudam, como o desejo de garantir o acesso à educação e à saúde, por exemplo. Outras estão em constante modificação, como o medo da violência, que não era uma ameaça há algumas décadas. O leitor conhecerá agora as histórias de mães de várias gerações. Essas mulheres abriram a intimidade para o Correio, às vésperas do Dia das Mães, para contar suas trajetórias. Elas relatam os erros e acertos do dia a dia. Afinal, ser mãe é uma tarefa para toda a vida. Em cada fase, o amor se renova.

89 anos
Maria das Mercês Dourado

Maria das Mercês não passou a juventude sonhando com o casamento e os filhos. Queria ser independente. Antes mesmo de encontrar o homem com quem passaria muitos anos de sua vida, Maria já estudava métodos contraceptivos há 60 anos, quando deu à luz pela primeira vez. Maria pretendia adquirir mais maturidade antes de engravidar. ;Eu também pensava em curtir o casamento ao lado do meu marido, só nós dois, antes de ter filhos;, relembra.
Aos 21 anos, ela se casou com o advogado Hermito Dourado. Somente dois anos depois, veio a primeira gestação. ;Não tive muitas dificuldades. Eu lia muito para saber como evitar gravidez. Tinha livros também com orientações para quem desejava ficar grávida. O segredo para ser uma boa mãe é buscar a maturidade;, relata.
Em 1961, ela se mudou para Brasília. Trabalhou como professora e ajudou no sustento da casa. Maria tem 15 netos e três bisnetos. Praticamente criou duas netas, Juliana, 27 anos, e Bruna, 22, que moram com a avó desde o nascimento. Maria é rígida, mas também soube dar carinho. ;É um privilégio para poucos poder dizer que tenho duas mães. Minha avó tem um dom raro e é um exemplo para a vida;, disse Bruna.

70 anos
Maria Helena Schuabb

Há 42 anos, mesmo receosa diante das dificuldades financeiras, Helena decidiu ter filhos. Ela e o marido trabalhavam bastante. Eles também não tinham casa própria nem carro. Moravam na residência dos pais de Helena. Apesar de tantas barreiras, Helena e o companheiro optaram por aumentar a família. Nunca se arrependeram, apesar de não terem conseguido, entre outras limitações, garantir a diversão de todos com viagem de férias.
Vieram três filhos. O casal apertava o orçamento e pagava escola particular para todos. Aos 38 anos, Helena se viu sozinha para criar os três ; dois meninos e uma menina ; depois da separação. Desdobrou-se para não afetar o padrão de vida das crianças. Depois do expediente, fazia salgados para vender. ;Quando se faz com amor, tudo é mais fácil, menos doloroso;, explica.
Helena, conseguiu superar todas as dificuldades e criou uma família feliz e saudável. Ela acredita que, naquele tempo, era mais fácil educar os filhos. ;Não havia tanta droga e violência. Se os filhos se atrasassem, a gente sabia que eles estavam jogando bola ou passeando com os amigos. Não tinha essa neurose de hoje;, afirma.

42 anos
Jeanine Schuabb

A primeira filha de Maria Helena, Jeanine, teve o mesmo número de filhos que a mãe: uma menina e dois meninos. Jeanine, porém, contou com a ajuda do pai das crianças, Décio Júnior. Durante anos, no entanto, ela precisou abrir mão do emprego para estar mais perto dos rebentos em uma época na qual as mulheres já lutavam por independência e igualdade. ;Com o meu salário, eu precisaria pagar uma babá e não sobraria dinheiro. Então, decidimos que eu ficaria em casa;, lembra.
Os meninos cresceram e Jeanine arranjou emprego em uma lanchonete. Sonhava em voltar a estudar. Cursar a faculdade foi outro plano que ficou esquecido com a chegada dos filhos. Enquanto estava no trabalho, Jeanine se preocupava com a segurança da família. A violência nas ruas já era um fantasma que assombrava as mães, há 20 anos, quando Jeanine teve a primogênita, Yasmine.
Com os filhos já adolescentes, ela decidiu ir à faculdade. Matriculou-se em um centro de ensino particular. O sonho, porém, precisou ser interrompido novamente. A filha mais velha, Yasmine, à época com 18 anos, engravidou. A mãe trancou a faculdade para poder oferecer suporte financeiro à jovem, que teve uma gestação complicada. Há quatro anos, Jeanine passou no vestibular da Universidade de Brasília (UnB) para cursar terapia ocupacional. No próximo ano, deve se formar.

22 anos
Yasmine Schuabb

Yasmine costuma dizer que descobriu estar grávida duas vezes. A primeira foi quando fez o exame e recebeu o resultado positivo. A segunda ao passar por uma ultrassonografia e constatar que gerava gêmeos ; duas meninas. ;Eu não tinha o apoio do pai das crianças. Só podia contar com a minha família. Fiquei muito assustada;, revela. A adolescente, então com 18 anos, enfrentou as dificuldades de uma gestação precoce.
;A gravidez foi muito difícil por conta do meu físico;, explica ela, que é magra e tem baixa estatura. As meninas nasceram depois de sete meses. Ganharam o nome de Anna Luiza e Giulia. Anna teve meningite. A jovem mãe precisou deixar a maternidade sem as filhas nos braços. ;As meninas ficaram meses na incubadora. Sair do hospital sem os bebês foi a sensação mais triste do mundo.;
Yasmine teve ainda que lidar com muitos problemas. Não conseguia produzir leite suficiente para amamentar as pequenas. ;Por mais que eu tentasse, não dava. Passei por muitas experiências que me fizeram amadurecer.; Hoje, as garotas são saudáveis e felizes. As três gerações da família têm em comum a dedicação e o amor que doaram aos filhos. Além de uma vontade enorme de acertar sempre. Jeanine, Helena e Yasmine vivem na mesma casa, no Guará. ;Agora é a minha vez de cuidar da minha mãe. Quero retribuir;, diz Jeanine.

35, 31 e 30 anos
Modernas

As irmãs Patrícia, 35 anos, Karina, 31 e Fernanda Viana de Paula, 30, viverão a maternidade juntas. As três engravidaram quase na mesma época. Patrícia espera Miguel há seis meses. Karina já completou as 40 semanas de gestação e pode dar à luz a Lívia a qualquer momento. O parto está marcado para amanhã, mas Lívia não parece disposta a esperar tanto para conhecer o mundo. Desde a última quinta-feira, ela ameaçava nascer.
Fernanda tentava ser mãe há mais de dois anos. Tinha uma das trompas obstruídas e por isso nenhum tratamento mostrava-se eficaz. Hoje, exibe orgulhosa seu maior prêmio: a barriga saliente, na qual vive Milena, há cinco meses. As três não combinaram nada. O acaso se encarregou de fazê-las passar pela experiência simultaneamente. Patrícia, que já é mãe de Maria Luiza, 3 anos, faz o papel de conselheira das irmãs.
Nos últimos meses, elas trocaram ainda mais confidências e compartilharam medos e alegrias. ;A vida da gente muda demais. Eu chorei com o horário político que falava do caos na saúde e na educação. Ao pensar que ia colocar mais uma criança nesse mundo, fiquei aos prantos;, relata Karina. As três irmãs trabalham e a principal preocupação é como irão conciliar a vida de profissional, dona de casa, esposa e mãe.
Patrícia é servidora pública. Karina trabalha como dentista e Fernanda é defensora pública, na Vara de Família de Taguatinga. ;Vejo tantos casos de separação, violência contra a criança. É preciso pensar muito antes de ter um filho hoje em dia;, afirma Fernanda. A mãe das três moças é Eva Viana de Paula, 56 anos, que só teve filhas mulheres. ;Fiquei feliz especialmente por Fernanda, porque nós vimos a luta dela para realizar esse desejo. Só não pensei ainda como vou fazer para cuidar de tanta gente;, diverte-se. Para facilitar os cuidados com os bebês e com a novas mamães depois do parto, será preciso mobilizar os parentes.