A história dos homens da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaram na Segunda Guerra Mundial, vem perdendo interlocutores no front de batalha da vida. A maior parte dos ex-combatentes da corporação, ainda vivos, são nonagenários: senhores com seus respeitosos cabelos brancos, boinas e incontáveis medalhas. A fim de resgatar esse passado e colocá-lo em contato com as novas gerações, além de dar voz aos heróis, integrantes da Associação dos Ex-combatentes do Brasil irão comemorar, durante esta semana, o tradicional Dia da Vitória, data em que se celebra formalmente a derrota da Alemanha de Hitler em favor dos países aliados.
Até domingo, a associação, localizada na 913 Norte, fará uma mostra de miniaturas de veículos usados durante o combate. O dono da coleção é o engenheiro agrônomo Fernando Silveira, que promete dar uma aula aos visitantes sobre os modelos e a utilização deles à época da guerra.
;Essas miniaturas são réplicas de alguns veículos usados pelo Brasil. Apresentarei também modelos de carros de combate alemães que eram os grandes adversários nossos;, expõe Silveira. ;A iniciativa tem como objetivo mostrar, principalmente às crianças, um material que quase não existe mais. O meu interesse surgiu quando ganhei o primeiro modelo para montar, aos 6 anos de idade. Somente aos 29, voltei a me interessar pela coleção. Depois, dei ênfase às viaturas militares brasileiras, tanto terrestres como aquáticas;, detalha.
Minúcias da história do Brasil no período da batalha também poderão ser captadas pelo público a partir de um passeio pelo museu, biblioteca, exposição fotográfica e de fardamentos disponíveis permanentemente no local. Todos esses ambientes podem ser visitados por crianças, jovens e adultos ao longo do ano, mediante agendamento prévio. Ontem, foi lançado o livro Ex-combatentes do Brasil ; entre a história e a memória, da historiadora Virgínia Guimarães Carvalho.
Abandono
Integrantes da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil revelam que as instalações da entidade ainda são pouco conhecidas, tanto pelos brasilienses como pelos turistas. Por isso, uma das ideias na realização da semana que comemora o Dia da Vitória é a divulgação do espaço. Além disso, alguns veteranos e ex-combatentes alegam que falta reconhecimento do povo brasileiro com relação ao papel desempenhado por eles durante a guerra. ;Os italianos dão mais valor ao que fizemos que as autoridades brasileiras;, opina o presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira, Seccional de Brasília, Vinícius Vênus Gomes da Silva.
Segundo ele, há mais de 10 anos, o segmento cobra a construção do monumento Heróis da Pátria, em homenagem aos militares. Contudo, nada foi feito até o momento. ;Já temos a planta de Oscar Niemeyer e o terreno no Eixo Monumental. Agora, esperamos a construção, mas o GDF vem empurrando com a barriga;, reclama.
Para alguns estudiosos, o momento de comemorações é também propício para suscitar alguns pontos importantes na participação brasileira no confronto. É o caso da convocação de oficiais da reserva. ;Dos oficiais tenentes convocados, 41% eram da reserva. Eles não eram militares da ativa, não eram profissionais, mas a ajuda deles foi fundamental. Dos 12 que faleceram em combate, seis pertenciam à reserva;, afirma o historiador e coronel Manoel Soriano Neto. ;Outro destaque refere-se ao fato de na relação dos participantes haver presidente e vice-presidente da República, 14 ministros de Estado, alguns senadores e governadores;, acrescenta.
Queixas e dificuldades
Apesar do esforço feito pela Força Expedicionária Brasileira, vitoriosa em diversas batalhas, o país não recebeu o reconhecimento, como avalia o veterano Mário Raphael Vannutelle, 92 anos, enviado ao teatro de operações na Itália como segundo-tenente. O fato é lembrado por ele com pesar. ;Os militares brasileiros não ficaram devendo nada aos ingleses e americanos ; com os quais lutamos lado a lado. Tivemos muita instrução, principalmente em artilharia. Muitos foram para os Estados Unidos para estudar;, esclarece.
Lições
O veterano Lincoln Moreira da Costa, 92 anos, relata que a maior dificuldade da batalha foi enfrentar o sentimento alemão. ;Eles lutavam com fanatismo, enquanto nós, com patriotismo. Vencer uma pessoa com fanatismo é difícil. A guerra me ajudou muito a compreender melhor o mundo, a ficar mais esclarecido;, pondera. O presidente da Associação dos Ex-combatentes do Brasil, José Francisco da Cruz, acrescenta: ;Ser veterano e ex-combatente é uma circunstância. Passei por muitas fases na vida, mas me atenho à consciência do dever cumprido. Fui sorteado para defender a pátria e não arredei, fui até o fim da guerra. Arregacei as mangas. Hoje, tenho 15 filhos e muita história;.
Os transtornos enfrentados durante a guerra, como as temperaturas negativas, são lembrados com orgulho pelo coronel Nestor da Silva, 93 anos. Ainda em meio à batalha, ele passou de segundo sargento para segundo tenente e ainda recebeu condecoração de destaque individual na batalha de Montese, segundo ele, uma das mais sangrentas enfrentadas pela FEB. ;Quando regressei, fui fazer a escola militar e segui carreira até coronel. Casei-me com uma moça que conheci antes da guerra e até hoje estou com ela. Já faz 60 anos. Se fosse possível começar tudo de novo, eu começaria.;
Tropa
A Força Expedicionária Brasileira, mais conhecida pela sigla FEB, era composta por 25 mil homens que lutaram ao lado dos aliados na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Constituída inicialmente por uma divisão de infantaria, acabou por abranger todas as forças militares brasileiras que participaram do conflito. Adotou como lema ;A cobra está fumando;, em alusão ao que se dizia à época que era ;mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra;.
Definição
Os aliados da Segunda Guerra Mundial foram os países que se opuseram às potências do Eixo. A União Soviética, os Estados Unidos e o Império Britânico eram as principais forças. A China, a Polônia e a França ; antes da sua queda e após a Operação Tocha ; constituíam os grandes aliados. O Brasil foi o único país latino-americano a enviar tropas para os campos de batalha europeus.
Diferença
Os veteranos e os ex-combatentes da FEB se diferenciam da seguinte forma: o primeiro grupo refere-se àquele que viajou para a Itália, a combate, e o segundo, aos que ficaram no litoral, guardando a costa brasileira das investidas dos navios alemães.
Onde fica
Associação dos Ex-combatentes do Brasil
Endereço: SGAN, 913, Módulo F
Telefone: 3274-1727
Funcionamento: das 8h às 17h