As denúncias que envolvem a promotora de Justiça Deborah Guerner revelam uma teia de ligações com outras histórias nebulosas do Distrito Federal. Influente até a deflagração da Operação Caixa de Pandora, ela tinha conexões com políticos e empresários e pode comprometer a biografia de muita gente caso resolva detalhar reuniões e acordos que viu acontecer. Deborah e o marido, Jorge Guerner, permanecem presos no Complexo da Polícia Federal (PF) desde a última quarta-feira, sob a acusação de uso de documento falso, fraude processual qualificada e formação de quadrilha. De acordo com o Ministério Público Federal, Deborah simula loucura para driblar os efeitos de possíveis condenações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e na Justiça. Caso aceite, por exemplo, participar do benefício da delação premiada, Deborah tem potencial para comprometer muitas autoridades e empresas, principalmente as interessadas no mercado do lixo.
Para os investigadores, a promotora interpreta uma suposta insanidade mental. Mas ninguém tem dúvidas de que ela, no mínimo, possui um temperamento impulsivo e dado a escândalos. Na visão de quem a conhece, não há como prever o desfecho desse caso, diante da personalidade de Deborah. Ela manda recados, ameaça. Por isso, a expectativa no mundo político do DF é grande em relação à possível liberação dela nesta semana. A ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deve analisar pedido de reconsideração ao indeferimento da liminar de habeas corpus proposta em favor de Deborah e Jorge Guerner.
Na última quinta-feira, o ministro João Otávio Noronha, do STJ, negou a liminar sob o fundamento de que não tinha elementos para considerar argumentos da defesa sobre eventual ilegalidade da prisão preventiva decretada pela desembargadora federal Mônica Jacqueline Sifuentes, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1; Região. O advogado agora vai pedir que Laurita Vaz reconsidere a decisão já com todos os elementos em mãos. Deborah e o marido foram presos no primeiro dia de recesso do Judiciário em virtude da semana santa. O feriado acabou prejudicando providências da defesa. Amanhã, o processo será encaminhado ao Ministério Público Federal, para parecer. Só no retorno dos autos, Laurita Vaz deverá analisar o caso.
Deborah Guerner já responde a três ações penais. Além da denúncia que motivou sua prisão e a do marido, ela também é acusada de extorsão ao ex-governador José Roberto Arruda e de cobrar propina para vazar informações sigilosas ao delator da Operação Caixa de Pandora, Durval Barbosa. Jorge Guerner também é alvo das ações. A principal linha de defesa da promotora sempre foi uma suposta doença mental, um ;transtorno afetivo bipolar múltiplo;.
De acordo com o Ministério Público, no entanto, Deborah recebeu orientação do psiquiatra Luís de Moraes Altenfelder Silva Filho sobre como se portar e se vestir durante perícia médica no Instituto de Medicina Legal (IML), em 30 de agosto de 2010. O profissional acabou denunciado também por suposta tentativa de enganar a Justiça. Altenfelder elaborou laudo psiquiátrico para instruir pedido de aposentadoria por invalidez da promotora de Justiça no Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT).
Lixo
No governo de Joaquim Roriz, Deborah Guerner tinha contatos. Amiga da servidora Cláudia Marques, então assessora especial do governador, a promotora manteve uma boa relação com integrantes do Executivo. Jorge Guerner também fez conexões com empresários amigos do poder. Renato e Roberto Cortopassi, donos da WRJ Engenharia,
tinham bom trânsito no governo até a eleição de José Roberto Arruda, em 2007, quando passaram a ser escanteados. De acordo com investigação do Ministério Público, Guerner e os Cortopassi foram sócios, com interesses comuns.
Em 2006, já na gestão de Maria de Lourdes Abadia, Deborah ganhou ainda mais influência e tentou quebrar um gelo que havia entre o Ministério Público do DF e o governo Roriz, alvo de inúmeras ações protocoladas por promotores de Justiça. Deborah aproximou do poder o amigo Leonardo Bandarra, já nomeado procurador-geral de Justiça do DF pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo sem estar envolvida em nenhum assunto pendente de solução, ela participou da primeira reunião com a presença de Arruda, do vice-governador à epoca, Paulo Octávio, no nono andar do MP, ao lado do gabinete do procurador-geral de Justiça do DF.
Deborah também ofereceu a casa, no Lago Sul, para um jantar em que Arruda e Bandarra conversaram sobre manter uma boa relação entre o MP e o Executivo. Em 2009, o encontro entre Arruda e Deborah não foi nada amistoso. Segundo denúncia, ela foi à residência oficial de Águas Claras cobrar R$ 2 milhões do então governador como forma de manter em sigilo a famosa gravação em que ele aparece recebendo dinheiro de Durval Barbosa. Agora, ela poderá contar os bastidores dos encontros que manteve como representante do MP em conversas com o primeiro escalão do Palácio do Buriti.