Toda vez que o gatilho de uma arma é puxado, as ranhuras deixadas pela bala no interior do cano ficam impressas antes de atingir o alvo. As marcas, vistas apenas com o auxílio de um microscópio, têm características únicas, como uma impressão digital ou o número do chassi de um veículo. E, por isso mesmo, a análise é imprescindível para ajudar no esclarecimento de um crime praticado à bala. Desde fevereiro deste ano, os peritos do Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil do Distrito Federal contam com a ajuda de um aparelho que permite confrontar os rastros de diferentes tipos de munição e apontar de quais armas elas saíram. É o Sistema Automatizado de Comparação de Balística (SACB).
O equipamento permite que seja criado um banco de dados com informações de todos os armamentos usados em delitos ou apreendidos com pessoas sem autorização para portar um revólver, por exemplo. Sempre que ocorre um homicídio ou uma tentativa de assassinato, os peritos comparam as informações e têm a possibilidade de descobrir se aquela mesma arma esteve envolvida em outra ocorrência policial. Para isso, o projétil ou a cápsula é colocada dentro de um aparelho. Um programa de informática escaneia os sinais do cano impressos na superfície da bala, criando uma imagem em 3D ampliada. Essa fotografia é armazenada no computador. Toda vez que ocorre um crime praticado à mão armada, os peritos fazem o mesmo procedimento com a munição usada pelo bandido e comparam com as imagens cadastradas no banco de dados.
Desse modo, a perícia consegue fornecer dados precisos ao investigador. ;Isso adianta muitas etapas da investigação e pode levar a polícia direto ao envolvido. O dono da arma pode até não ter cometido aquele crime, mas vai fornecer informações que permitirão à polícia chegar muito mais rápido ao culpado;, detalha o diretor do IC, Celso Nenevê. Segundo ele, a automatização na comparação de balística permite rastrear e controlar armamentos.
Nenevê explica ainda que o uso do SACB está apenas no começo e, ainda assim, cinco homicídios foram esclarecidos com a ajuda de laudos de comparação de balística emitidos a partir do cruzamento de informações alimentadas diariamente pelos peritos. ;Se uma pessoa morreu pela mesma arma, ainda que em períodos diferentes, com esse sistema eu consigo ligar os casos automaticamente, o que seria extremamente difícil usando apenas a comparação manual;, detalha.
Atualmente, esse trabalho é feito manualmente, com o auxílio de um microscópio e leva, em média, de duas a quatro horas. Mas, se o projétil recolhido na cena do crime ou no corpo de vítima está muito danificado, pode levar semanas até que se consiga chegar a uma conclusão. Nos casos mais simples, a análise pelo SABC é mais demorada em relação ao modo manual, mas tem a vantagem de permitir o rastreamento. ;Esse equipamento vai nos ajudar a esclarecer crimes até então sem solução. Quanto maior for o nosso banco de dados, melhores serão os resultados e mais a sociedade vai ser beneficiada;, explica Nenevê.
Para alimentar o sistema, toda arma apreendida nas ruas acaba cadastrada. Dentro do IC, existe uma piscina, onde os peritos efetuam de dois a quatro disparos. Na água, o projétil não afunda mais que 30 centímetros, chegando ao fundo do tanque sem qualquer dano, preservando, assim, as ranhuras no cano. A munição é colocada na máquina, que gera a imagem e a armazena. ;Tenho um arquivo físico de munição usada para a prática de crimes ocorridos a partir da década de 1960. Alguns deles, sem solução. Tenho a certeza que conseguiremos esclarecer muitos deles;, diz Nenevê.
Troca de informações
As polícias de Minas Gerais e de Goiás trabalham com o mesmo sistema adotado no Distrito Federal. Em Minas, o Sistema Automatizado de Comparação de Balística (SABC) existe desde 2008. ;Já tivemos um caso de sequência de 10 homicídios num período de seis meses. Um tempo depois, recebemos uma arma para fazer o teste e constatamos que a chance de ela estar envolvida nos casos era alta. O resto da apuração é com a delegacia da área;, explicou o perito criminal José Coelho, da Seção Técnica de Balística da Polícia Civil de Minas Gerais.
Em Goiás, a mesma tecnologia é usada desde 2009. Para explicar os avanços na investigação, a superintendente de Polícia Técnico-Científica da Secretaria de Segurança Pública e Justiça do Estado, Rejane da Silva Sena Barcelos, cita os resultados no período de três meses de treinamento dos peritos. ;Inserimos 220 estojos de calibre .22 LR, todos oriundos de um mesmo caso criminal e que deveriam ser confrontados com um único estojo de calibre .22 LR encontrado no local do crime. Nenhum deles deu positivo. Depois, confrontamos com duas armas apreendidas. Tudo isso feito em uma semana. O mesmo procedimento, mas de forma manual, levaria pelo menos seis meses;, compara.