Jornal Correio Braziliense

Cidades

DF carece de estrutura para garantir tratamento aos pacientes com câncer

Em 2011, devem ser diagnosticados cerca de seis mil casos de câncer no Distrito Federal, segundo estimativa feita pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca). São pessoas que precisarão enfrentar as dificuldades do sistema público de saúde ou, caso disponham de recursos, recorrer à rede particular. Na avaliação de especialistas, nos últimos 10 anos o cenário do DF evoluiu em termos de oferta e qualidade. Mesmo assim, a estrutura deficiente e a insuficiência de investimentos fazem com que o paciente do Sistema Público de Saúde ainda tenha dificuldades em garantir tratamento. No ano passado, a doença provocou a morte de 784 pessoas, segundo o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (veja arte na página 35).

Atualmente, o DF dispõe apenas de dois centros públicos de alta complexidade em oncologia (Cacon): o Hospital de Base e o Hospital Universitário de Brasília (HUB). Para uma população de mais de 2,5 milhões de habitantes, deveria haver outros três centros, já que a proporção ideal é de um Cacon a cada 500 mil moradores. ;A demanda pelo tratamento de câncer aumentou, mas a nossa capacidade de atendimento não mudou;, reconhece o oncologista responsável pela Gerência de Câncer da Secretaria de Saúde do DF, Arturo Santana Otaño. Estão nos dois hospitais as três máquinas de radioterapia, fundamentais para o combate aos tumores. Para atender a toda a procura, o DF precisaria de mais dois equipamentos. A secretaria e o hospital universitário analisam a possibilidade de abrir um terceiro turno de radioterapia para minimizar a espera. Para isso, o governo cederia funcionários, mas é preciso antes que realize o prometido concurso que aumentará o efetivo da pasta.

Segundo Otaño, também está em estudo a construção de uma terceira unidade, ao custo de
R$ 1,4 milhão, no Hospital Regional de Taguatinga, mas o plano está atrelado à expansão do centro hospitalar. A escolha do local tem relação com a necessidade de melhor atender às populações das cidades ao sul do Plano Piloto, como Samambaia, Gama e Ceilândia. O oncologista também tem planos de reforçar o registro hospitalar de diagnósticos de câncer para montar um banco de dados que direcione com mais eficiência a aplicação de recursos. ;Se constatarmos que Ceilândia tem mais casos de câncer de mama, poderemos mais dar mais ênfase ao trabalho de prevenção nessa cidade;, afirma.

Demora

O paciente com câncer luta contra o tempo. Por isso, é preciso que exames, consultas, leitos e profissionais estejam à disposição. Infelizmente, não são raras as denúncias de equipamentos parados por falta de manutenção ou demora na entrega de laudos de câncer. No ano passado, militares do Exército foram cedidos ao Hospital de Base e conseguiram entregar resultados de exames a pessoas que esperavam há até dois anos porque não havia quem os colocasse no papel. ;O acesso aos meios de diagnóstico é mais fácil na rede privada. Descobrir o câncer mais cedo significa um tratamento menos agressivo e mais barato porque as chances de cura, na maioria dos casos, são maiores;, comenta o oncologista do Hospital Santa Lucia e do Hospital das Forças Armadas, Eduardo Ribeiro. ;Um paciente de câncer pode esperar algum tempo, mas não seis meses por um encaminhamento;, diz João Nunes, oncologista-chefe do Cacon do HUB.
Apesar das dificuldades estruturais, os especialistas acreditam que o tratamento clínico oferecido na capital tem qualidade equivalente à de centros oncológicos de São Paulo e Rio de Janeiro. ;Temos os mesmos índices de cura. E o tratamento em Brasília tem evoluído devido ao fluxo muito grande de profissionais qualificados que vieram para cá;, avalia Ribeiro. ;Hoje, já nos tornamos referência para outros estados também e temos pacientes de vários lugares que procuram tratamento aqui. Não acho que seja necessário sair do DF para conseguir um tratamento de ponta;, concorda o oncologista do Instituto de Câncer do DF, Carlos Rangel.

Sem confiança

Foi justamente uma experiência ruim que fez a aposentada Isa Maria Guimarães Elias, 65 anos, sair de Brasília para tratar um câncer de mama há seis anos. ;No meio do exame para recolher material de biópsia, a médica começou a discutir com outro funcionário. Achei estranho. Depois, os exames acusaram insuficiência de material para conclusão. Perdi a confiança na médica e decidi ir para São Paulo;, conta. Ela fez a cirurgia de remoção parcial da mama. Depois, voltou para Brasília para fazer a quimioterapia e a radioterapia. ;Aqui, sou acompanhada por médicos ótimos e tenho confiança neles. Eles até estranharam eu ter saído da cidade para fazer a operação;, completa.


A observação de Isa é endossada por especialistas. Falta no DF um hospital voltado inteiramente ao tratamento contra o câncer. ;Se um paciente oncológico tiver uma intercorrência ao longo do tratamento, ele vai ter que disputar um leito com um paciente da clínica médica;, diz João Nunes. O Cacon do HUB absorve hoje cerca de 40% dos pacientes com câncer do DF e recebe, semanalmente, cerca de 10 novos. O baiano Emiron do Nascimento Maciel, 60 anos, fez a cirurgia de retirada de um tumor na próstata em Salvador há nove meses, mas veio a Brasília para continuar o tratamento. ;Fui indicado a procurar o HUB. As condições daqui são melhores do que as da Bahia;, diz.