Primeiro, o silêncio, a timidez. Em seguida, o resguardo e a dificuldade de estabelecer relacionamento com outras pessoas. O que começa durante a infância e normalmente leva muitos pais a acreditarem que seus filhos sofrem alguma dificuldade relacionada ao aprendizado pode se confirmar como uma síndrome: o autismo (veja Para saber mais).
Apesar da falta de levantamentos específicos sobre o transtorno, acredita-se que exista hoje uma criança autista para cada 110, segundo levantamento do Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC, da sigla em inglês), órgão de pesquisa e promoção da saúde ligado ao governo norte-americano. No Brasil, esse número pode chegar a 2 milhões de autistas ; de acordo com estudo apresentado no Senado Federal por diversos especialistas, no fim de 2010, durante audiência pública sobre a criação de uma lei exclusiva sobre o autismo.
Devido à importância da discussão e à falta de conhecimento que ainda existe sobre a realidade vivida pelo autista, no Brasil e no mundo, diversos eventos serão realizados para marcar o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, comemorado hoje. E Brasília não fica de fora.
A cor azul, símbolo da campanha criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2008, cobrirá diversas cidades. O prédio do Senado e a Torre de TV, em Brasília; o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro; a Ponte Estaiada, o Monumento às Bandeiras e o Viaduto do Chá, em São Paulo, estarão iluminados com esse tom. Também têm sido promovidas atividades paralelas. Os alunos do Centro de Ensino Fundamental Professora Maria do Rosário, em Ceilândia, realizaram um encontro com a comunidade para esclarecer o que é a síndrome. Com o apoio de vídeos, apresentações e cartazes produzidos pelos próprios estudantes, pais e amigos da escola tiveram a oportunidade de aprender mais sobre a importância do respeito àquele que é diferente.
;Estudamos bastante sobre o que é o autismo e agora vamos ajudar as pessoas a entender melhor também;, afirma Raiza Maria Silva, de 9 anos. ;Todo mundo tem que aceitar as diferenças de cada um. Nós somos iguais, temos os mesmos direitos. E o autista precisa muito da nossa ajuda;, afirma Rômulo da Silva Santos, 10. ;Eles só pensam um pouco diferente da gente. Não são piores nem melhores, são especiais, como todos nós;, defende Talita Martins, 10.
O professor Lúcio Marcelo Faria, especializado no atendimento de alunos especiais e com vários anos de experiência com autistas, lembra que o evento é de extrema importância para comunicar à sociedade as necessidades de quem convive com o autismo. ;As crianças são multiplicadoras e principais agentes na promoção da igualdade. Elas se sentem responsáveis por ajudar a melhorar a realidade de tantas outras;, defende. ;Diversas famílias convivem hoje com um autista em casa e querem dar a ele a melhor educação e carinho. Às vezes, enfrentam dificuldades nesse processo;, lembra a vice-diretora da escola, Hivana Sampaio. ;Essa ação tem por objetivo orientar e apoiar quem conhece pouco a síndrome, além de mostrar que o autista tem habilidades tão notáveis quanto aqueles tidos como normais.;
Dificuldades
Quando a analista de sistemas Eloísa Toffano, 41 anos, descobriu que o filho mais velho, Vinícius, 8, é autista, a rotina da família passou por grandes mudanças. ;Ele tinha cerca de 3 anos e não conseguia se relacionar com os amigos na escola. O desenvolvimento da linguagem estava lento. Acreditávamos que isso era normal, até que professores nos orientaram a buscar um profissional especializado;, conta Eloísa, que hoje é uma das diretoras do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab).
Os níveis de autismo podem ser classificados pelo chamado espectro autista, que define classificações para cada diagnóstico, realizado por um neuropediatra ou por um psiquiatra especializado. Um dos espectros mais conhecidos, por exemplo, é a Síndrome de Asperger, uma de suas apresentações mais brandas.
No caso de Vinícius, o diagnóstico precoce e o tratamento multidisciplinar ; acompanhado por psicólogo, fonoaudiólogo e terapias de convivência e psicomotricidade ; ajudaram muito. Para a mãe, uma das principais mudanças diz respeito à mudança de local de estudo: no ano passado, Vinícius foi transferido para a Escola Classe 405 Norte. ;Os professores dele, em uma escola particular, me indicaram a mudança, entendendo que o colégio não estava preparado para dar o apoio, quase que exclusivo, que o Vinícius exigia;, conta Eloísa.
Na escola
Referência no ensino de autistas, a EC 405 Norte atende hoje 30 alunos portadores da síndrome, 12 deles em salas exclusivas, onde um professor ministra uma aula para cada par de estudantes. ;O objetivo é ajudar o aluno a desenvolver habilidades básicas de convívio e compreensão para que possam ser incluídos em nossas turmas regulares;, explica a diretora, Marilena Oliveira. ;O trabalho com esses alunos exige dedicação total e integral;, diz a professora Simone Maria dos Santos. ;Os alunos que chegam aqui, em sua maioria, mal sabem se comunicar, não conseguem manter concentração e não compreendem o mundo como nós;, comenta. ;É um trabalho diário para criar esse elo com a criança, para que possamos compreendê-la e sermos compreendidos. Só então chega a hora da alfabetização e do ensino direcionado nas salas regulares;, detalha Marilena.
As escolas da rede pública de ensino do DF recebem alunos com autismo para inclusão em salas regulares. Mas nem todas têm o acompanhamento que os alunos exigem. ;Sabemos que sai caro deixar um professor por conta de um ou dois alunos, apesar de saber que esse é o ideal;, afirma Eloísa Toffano. Ela explica que essa realidade poderá mudar com a aprovação de um projeto de lei que institui a obrigatoriedade do tratamento especializado, educação e assistência do autista no âmbito do DF. O projeto, aprovado pela Câmara Legislativa e apoiado pelo Movimento Orgulho Autista Brasil, foi vetado, em fevereiro deste ano, pelo GDF, que propôs levar essa discussão ao Poder Executivo. ;Como representante do Moab, vou continuar lutando para que uma lei de incentivo seja aprovada, para que outras crianças como o Vinícius tenham condições de serem tratadas, atendidas com excelência no sistema público de saúde e educação, entre outras áreas;, anuncia Eloísa.
Discussões
A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), realizou, na quinta-feira, um debate sobre a criação do Sistema Nacional Integrado de Atendimento à Pessoa Autista. A sugestão foi apresentada pela Associação em Defesa do Autista (Adefa) e tem como relatora a senadora Ana Rita (PT-ES). Aprovado pela comissão, o sistema passa a tramitar no Senado como projeto de lei, que define os direitos da pessoa diagnosticada com autismo e as diretrizes para sua inserção na sociedade.
Uma audiência pública também foi realizada pela Subcomissão Permanente de Assuntos Sociais das Pessoas com Deficiência (Casdef). O presidente da subcomissão, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), propôs convidar representantes do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) para discutir formas de diagnóstico e atendimento multidisciplinar.
Manifestações
Entre os sintomas da Síndrome de Asperger, destacam-se dificuldade de interação social, falta de empatia, interpretação muito literal da linguagem, dificuldade com mudanças, perseveração em comportamentos estereotipados. Segundo alguns pesquisadores, grandes personalidades da História possuíam fortes traços da síndrome de Asperger, como os físicos Isaac Newton e Albert Einstein, o compositor Wolfgang Amadeus Mozart, os filósofos Sócrates e Wittgenstein, o naturalista Charles Darwin, o pintor renascentista Michelangelo, os cineastas Stanley Kubrick e Andy Warhol e o enxadrista Bobby Fischer.