A Secretaria de Saúde do Distrito Federal investiga a compra e a distribuição de medicamentos pelo Hospital de Apoio. O órgão abriu um processo administrativo após auditoria do Ministério da Saúde identificar o consumo excessivo de hemoderivados na unidade localizada na Asa Norte. Há uma suspeita de compra irregular e desvio dos remédios. O esquema é parecido com o descoberto pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal em 2004 e que ficou conhecido como Máfia dos Vampiros (veja Memória).
Auditores do Sistema Único de Saúde (SUS) constataram que o consumo de remédios para hemofílicos no DF superou em 179% a média do país em 2009. Brasília adquiriu 83.732 UI (unidades internacionais) por paciente/ano, enquanto a média do Brasil foi de 30.000 UI por paciente/ano. Diante das distorções, o Governo do Distrito Federal decidiu recadastrar os hemofílicos. Dos 470 pacientes que haviam recebido medicamentos no Hospital de Apoio, menos de 100 fizeram a atualização dos dados. Para conter a sangria, o GDF mudou a gestão e centralizou a distribuição dos medicamentos no Hemocentro.
Na apuração iniciada em 19 de julho de 2010 e concluída um mês depois, os técnicos do Ministério da Saúde analisaram os relatórios de saída dos Sistemas de Informações Hospitalares e Ambulatoriais (Shis/SUS) de janeiro de 2008 a abril de 2010 do Hospital de Apoio. ;O consumo de remédios para hemofilia no DF é quase 180% maior que a média nacional;, foi uma das constatações dos auditores. Outra é o descumprimento de normas do SUS. ;O hospital não cumpre totalmente as normas sobre os registros adequados nos prontuários e sobre o preenchimento dos formulários do SIH/SUS quanto ao faturamento das internações, bem como utiliza denominação de procedimentos divergente da adotada na Tabela Unificada de Procedimentos do SUS.;
Os auditores também chamam a atenção para falhas no atendimento aos doentes. ;O gestor estadual (GDF) apresenta falhas nas atividades de regulação, controle e avaliação na assistência prestada aos pacientes portadores de coagulopatias hereditárias, especialmente quanto à garantia de acesso a exames laboratoriais para diagnóstico e acompanhamento do tratamento e ainda no atendimento odontológico. O gestor estadual também falha na atualização do cadastro de pacientes hemofílicos e ao não adotar os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde sobre o atendimento de hemofílicos.;
Incoerência
A abertura de uma investigação por parte do ministério foi motivada pela constante falta de medicamentos para os hemofílicos na rede pública de saúde do DF, apesar do alto gasto com os remédios. O objetivo era descobrir se os medicamentos têm sido usados de maneira errada, pois os técnicos acham difícil que haja desperdício dos pacientes e das unidades de tratamento. Por conta de uma decisão do Ministério Público Federal (MPF), o Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) realizou a auditoria nos órgãos distritais envolvidos com o problema.
Em todo o segundo semestre do ano passado, por exemplo, o Fator Plasmático 9, medicamento usado por quase 100 hemofílicos do DF, faltou no Hospital de Apoio. Responsável pela compra do remédio, o Ministério da Saúde alegou, à época, que enviara à rede pública da capital 210 mil unidades da substância. De acordo com o órgão federal, o consumo médio mensal em Brasília era de 140 mil unidades e, portanto, a quantia disponibilizada era suficiente. A cada mês, o ministério repassava o medicamento para a Fundação Hemocentro de Brasília, responsável por distribuí-lo às unidades de tratamento.
Cópias da auditoria realizada no Hospital de Apoio, no Hemocentro e na Associação dos Voluntários, Pesquisadores e Portadores de Coagulopatias (Ajude-C) foram enviadas à Secretaria de Saúde do DF. O chefe da pasta, Rafael Barbosa, afirmou ontem que o caso está sendo analisado pela sua Corregedoria, órgão criado em janeiro, logo após Agnelo Queiroz (PT) tomar posse como governador do DF. ;A Corregedoria está auditando todas as compras feitas em 2010 e os prontuários dos pacientes que utilizam a medicação;, afirmou Barbosa.
Gastos
De acordo com o secretário, também está sob investigação a venda de medicamentos distribuídos no DF em outros estados. ;Há a denúncia, investigada pela Polícia Federal, de um homem que retira os medicamentos aqui e estaria comercializando-os em Belo Horizonte;, revelou. Segundo ele, o DF é a única unidade da Federação a distribuir o recombinante ; medicamento produzido em laboratório. ;É uma metodologia de tratamento que não faz parte do protocolo do Ministério da Saúde. No ano passado, foram gastos R$ 12 milhões, tudo em recursos próprios do GDF. Por isso, estamos recadastrando os pacientes para ver quem realmente precisa desse tipo de tratamento;, afirmou Barbosa. Não há prazo para uma decisão da Corregedoria da Secretaria de Saúde.
O que diz a lei
Os hospitais públicos do DF devem ter alas específicas para atendimento integral aos hemofílicos, segundo a Lei n; 3.801, de fevereiro de 2006. Entre as disposições obrigatórias, há o esclarecimento aos pacientes e a distribuição de medicamentos por meio do acompanhamento de médicos especializados. A legislação determina que o tratamento seja responsabilidade do Poder Público. O governo tem a liberdade de celebrar convênios com órgãos de outras esferas e universidades. (RA)