Jornal Correio Braziliense

Cidades

Após serem alvo de crimes, muitos brasilienses alteraram seu modo de vida

Os bancos em frente à Igrejinha da 307/308 Sul deixaram de ser ponto de encontro entre vizinhos no fim de tarde. Nas Quadras 700, é difícil encontrar uma casa sem a proteção de cercas elétricas, alarmes e câmeras de monitoramento. Do lado oposto, na Asa Norte, mais precisamente na SQN 214, chama a atenção a presença de um segurança fazendo ronda noturna numa moto. Embaixo do bloco, crianças e adolescentes jogam bola sob a vigilância dos pais, mesmo com uma quadra poliesportiva a poucos metros.

Em Taguatinga, um senhor anuncia, com tristeza, a venda da casa em que morou por quase 40 anos e, no Guará, uma idosa não vai mais ao mercado sem a companhia dos filhos. Os exemplos listados retratam a mudança de comportamento dos brasilienses nos últimos anos, reflexo da violência desenfreada que assusta os moradores de regiões antes consideradas tranquilas.

Por três dias, o Correio conversou com pessoas que alteraram seu modo de vida com medo de engrossar as estatísticas de crimes no Distrito Federal. A aposentada Maria Assunção Girão Lopes dedicou 45 dos seus 79 anos ao trabalho voluntário na Igreja Nossa Senhora de Fátima, popularmente conhecida como Igrejinha da 308 Sul. Após ser assaltada duas vezes a caminho da missa, desistiu, no fim de 2009, de frequentar o templo.

A reportagem levou Dona Maria novamente à Igrejinha e, num misto de alegria e tristeza, ela comentou o que estava sentindo. ;Eu organizava as festas, limpava, abria e fechava as portas. Agora, a marginalidade me impede de frequentar o lugar que eu amo. Não posso mais arriscar vir à igreja sozinha e ser roubada. Uma vez me levaram o relógio e, em outra, o dinheiro que eu tinha guardado;, relembra a senhora, aos prantos.

O frei da Igrejinha, Odolir Eugênio Dal Mago, confirma que muitos fiéis deixaram de ser assíduos nas cerimônias religiosas por considerarem a região insegura. Hoje, os arredores do cartão-postal projetado por Oscar Niemeyer estão tomados por moradores de rua e usuários de crack (subproduto da cocaína). ;Nós pedimos para eles saírem, mas não adianta. A situação está bastante séria. Nos reunimos várias vezes com as autoridades responsáveis, mas as coisas nunca mudaram. Não tomam uma atitude. Isso tudo tem feito muita gente deixar de frequentar a Igrejinha. Percebo que há um grande temor entre os fiéis, principalmente os idosos;, comentou o religioso.

Sequestro

Maria Assunção não é a única que se sente impedida de fazer programas simples do dia a dia por conta da onda de roubos e furtos no Plano Piloto. Depois de sofrer um sequestro relâmpago ao chegar em casa na Asa Norte, o servidor público Gilberto Darde, 35 anos, deixou de ir a lugares sem estacionamentos privados. A esposa, que estava com ele na hora da abordagem dos bandidos, até hoje não se recuperou do trauma. ;Ela (esposa), no começo, olhava até embaixo do carro antes de sair para ter certeza de que ninguém estava nos vigiando. Após esse episódio, evitamos lugares com estacionamentos públicos. São preocupações que eu só tinha quando ia a cidades como Rio e São Paulo. Infelizmente, não é possível viver com tranquilidade em Brasília;, lamenta Gilberto.

A preocupação de quem mora sozinho na capital é ainda maior. Viúva e com os filhos já casados, Sônia (nome fictício) vive ;engaiolada; numa casa de dois pavimentos na Asa Sul. Há dois anos, após tomar conhecimento de vários furtos e roubos a residências em sua rua, resolveu instalar grades até na área de lazer. A aparência de uma gaiola incomoda a moradora, mas aumenta a sensação de segurança. ;Minha casa ficou horrível com isso. Pareço um pássaro em cativeiro. Mas como não podemos contar com o poder público, fui obrigada a fazer isso. Moro só e não posso facilitar para os ladrões. Eles estão cada dia mais ousados e o Estado, cada vez mais ausente;, protestou.

Mais proteção para o filho

Quem também mudou radicalmente a rotina foi a família do funcionário público Petrônio França, 47 anos. Prestes a completar 18 anos, o filho dele não pode ir à faculdade sozinho. Até a semana passada, o pai cumpria sagradamente a tarefa de levar e buscar o jovem todos os dias no Instituto de Ensino Superior de Brasília (Iesb), localizado na 613 Sul. Agora, o pai paga R$ 230 por mês para uma van escolar transportar o estudante em segurança. Tanta proteção tem uma justificativa. Em julho do ano passado, o rapaz caminhava na 706 Norte com a namorada, de 16 anos, quando foi abordado por um homem armado que exigia dinheiro. O bandido se irritou ao saber que o casal tinha apenas R$ 10. Ordenou que os dois se deitassem e, sem piedade, disparou um tiro na nuca de cada um.

Por milagre, as balas só perfuraram superficialmente o crânio de cada um. Policiais explicaram, na época, que a arma usada pelo criminoso, um revólver calibre .22, era velha demais. Nesse caso, os disparos não saem com potência, ainda mais quando o alvo está a uma distância curta. Esse conjunto de coincidências salvou os dois jovens. O pesadelo vivido por eles traumatizou todos os parentes. ;Depois que isso aconteceu, eu não deixo mais meu filho ir sozinho a lugares que considero perigosos. Ele não se irrita com essa superproteção porque sabe que todos sofreram muito com a situação. Até prefere programas mais tranquilos, como sair com a família da namorada ou ir ao shopping, que é mais seguro;, disse Petrônio. (SA)