Jornal Correio Braziliense

Cidades

Além das grades, moradores investem em outros equipamentos de segurança

Janelas reforçadas, sensor de presença, alarmes, câmeras, cerca elétrica e um portão de quase quatro metros. É nesse ambiente superprotegido que o médico André Sampaio, 40 anos, vive com a esposa e dois filhos, na Asa Sul. Na residência há apenas seis meses, o primeiro item que o médico considerou antes de fechar negócio foi a segurança. ;Escolhi esse imóvel por ser perto do meu trabalho e da escola da minha filha. Porém priorizei a questão da segurança. A casa já tinha alguns equipamentos de proteção e, mesmo assim, gastei mais de R$ 4 mil para instalar outros;, conta o médico, que reclama do gasto. ;O governo deveria me dar essa proteção. O que acho mais injusto é não poder declarar esse gasto no imposto de renda;, completou André Sampaio.

Cidades tradicionalmente tidas como tranquilas, como Guará e Taguatinga, também abrigam moradores dispostos a mudar um estilo de vida em nome da preservação da integridade física. O taxista João Maurício de Souza, 71 anos, morou por quase quatro décadas numa casa de dois andares na QND 15, em Taguatinga Norte. Atendendo a um pedido da mulher, colocou o imóvel à venda e mudou-se para um apartamento na CNB 11, na mesma cidade. ;Depois que os filhos casaram e saíram de casa, ela ficou muito assustada de morar em residência. Ainda mais com as histórias de roubo que ouvíamos todos os dias. Para evitar o pior, mudamos logo. Fico triste, porque eu gostava de fazer uns serviços de serralheiro, só por diversão mesmo. Vou ter que vender tudo porque não tenho mais espaço. Me sinto preso naquele apartamento, mas é melhor do que colocar a vida em risco;, resignou-se João Maurício.

Academias

Até mesmo nas academias de artes marciais tem crescido o número de alunos interessados em aprender técnicas de defesa pessoal para se proteger nas ruas. A professora de educação física Symone Gomes, 40 anos, e a advogada Kelly Freitas, 26, matricularam-se na aula de judô com o intuito de se defender de ataques de bandidos. Elas explicam que não passa pela cabeça reagir a um assalto, mas sim evitar furtos corriqueiros. ;Há alguns anos, um menino passou e levou meu relógio. Não usava arma. Se eu conhecesse alguma técnica de defesa pessoal, poderia ter evitado;, comentou Symone.

A amiga Kelly, moradora de Taguatinga, procurou a academia com o mesmo intuito de Symone. Ela está em Brasília há apenas dois anos. Veio do interior do Pará e se surpreendeu com as altas taxas de criminalidade na capital. ;Eu imaginava que Brasília era uma cidade com poucos crimes, mas, quando estava fazendo a mudança, um rapaz foi assassinado perto da minha casa. Após assistir no noticiário tantos crimes, não saio para lugares como o centro de Taguatinga e também resolvi me matricular no judô;, disse a advogada.

Opiniões distintas

O presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Brasília, Saulo Santiago, citou estatísticas da Secretaria de Segurança Pública e da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest) para defender a tese de que o aumento de furtos e roubos está diretamente relacionado à presença de bandidos que se passam por moradores de rua. ;Se você observar, as cidades que lideram o ranking de roubos e furtos (Plano Piloto, Ceilândia e Taguatinga) são as que mais têm moradores de rua. Há uma forte correlação. E, se você parar para analisar, a mendicância no Plano Piloto é aparente, porque 80% deles têm moradia no Entorno ou em cidades mais carentes do DF;, diz.

Saulo Santiago aponta ainda a concentração de empregos no centro do DF para justificar a crescente violência. ;No Plano Piloto, concentram-se quase 80% dos empregos do DF. Trabalhadores de todas as cidades vêm para cá. No meio deles, é natural que venha um bandido, porque eles querem estar onde o dinheiro circula. O correto seria incentivar a criação de bolsões de empregos nessas regiões;, completou.

Para o comandante de policiamento da Polícia Militar do DF, coronel Alberto Pinto, a cultura da população em procurar os agentes fardados para dar informações sobre a rotina de suas comunidades tem contribuído para a redução da criminalidade. ;Como tem aumentado a participação da população, temos conseguido distribuir o policiamento com mais eficiência. Tanto que houve uma redução de 13% na taxa de criminalidade em 2010, no comparativo com 2009;, frisou o oficial.

Estudo
A coordenadora do curso de Segurança Pública da Universidade Católica de Brasília (UCB), Marcelle Figueira, defende a elaboração de um estudo para constatar se o fenômeno de mudança de comportamento dos brasilienses realmente existe. Para ela, a carência de pesquisas nesse sentido dificulta uma ação mais eficiente por parte do Estado. ;Enquanto não houver um diagnóstico preciso da violência no DF, vamos continuar no campo do ;eu acho;, destaca.


De acordo com ela, a Polícia Militar do DF cumpre bem seu papel, mas não pode modificar o cenário sem a ajuda de outros órgãos. ;A PM tem se preparado muito para fazer uma gestão estratégica de suas ações. E isso é positivo. Ela está à frente de todas as outras polícias do Brasil, mas, sozinha, não faz verão. É preciso que haja participação dos demais órgãos para resolver o problema da violência. É o caso do morador de rua. A pessoa fica incomodada e chama a polícia. Mas morar na rua não é crime no Brasil. O policial verifica a situação e fica de mãos atadas. Aí, mais uma vez, a insatisfação cai no colo da polícia. Isso é uma questão social, e não de polícia;, avalia Marcelle. (SA)