As raízes do infortúnio político que se abateu sobre Jaqueline Roriz (PMN) enrolam também uma outra deputada. Ex-chefe de gabinete da parlamentar, Celina Leão (PMN) foi eleita distrital, pela primeira vez, na esteira da carreira política da amiga, mas agora poderá ter o mandato desgastado com as denúncias de se beneficiar de esquemas que hoje ameaçam a trajetória de Jaqueline. O Ministério Público do Distrito Federal investiga acusações de que Jaqueline, seu marido, Manoel Neto, Celina, além de parentes deles, montaram uma organização que desviava dinheiro público e fraudava contratações de obras vinculadas à Administração Regional de Samambaia.
Celina Leão, atual presidente da Comissão de Ética da Câmara Legislativa, coordenou a campanha de Jaqueline Roriz para distrital. Depois da deputada e de Manoel Neto, era a pessoa mais envolvida no processo. Com a vitória do grupo na eleição de 2006, Celina conquistou o segundo maior cargo na hierarquia de um mandato parlamentar. Tornou-se a chefe de gabinete de Jaqueline, posto que ocupou entre 2 de janeiro de 2007 até 14 de abril de 2009. Ex-funcionários do gabinete da própria distrital denunciam que a parlamentar, auxiliada por Celina, montou um esquema fraudulento na Administração de Samambaia. No período, essa regional era comandada por pessoas indicadas por Jaqueline. Esse foi o acordo feito com o então chefe do Executivo, José Roberto Arruda, para que a distrital não agisse como oposição a seu governo.
Notas de empenho do GDF comprovam que, entre 2008 e 2009, a empresa do cunhado de Celina ; a Entec Engenharia e Consultoria LTDA. ; foi contratada para realizar obras em Samambaia. Em nome de Marconi Edson Faleiro Ferreira, irmão de Fabrício Faleiro, que é casado com Celina, a firma prestava serviço na construção de praças, paradas de ônibus, recuperação de calçadas, além de limpeza de bocas de lobo. Nos dois anos, a empresa faturou R$ 666,5 mil. O problema é que os contratos feitos entre a firma do cunhado de Celina e a administração foram considerados fraudulentos pelo Tribunal de Contas do DF, que acatou os argumentos da representação feita pelo Ministério Público de Contas.
A investigação do MP condiz com os relatos de ex-funcionários do gabinete de Jaqueline. Parte do esquema, segundo contam, consistia em direcionar a contratação das obras para as empresas de interesse do grupo. Entre elas, estaria a Entec. A metodologia para evitar concorrências e facilitar as fraudes era a de requisitar serviços de até R$ 150 mil, modalidade que pode ser contratada por meio de carta-convite, processo menos rigoroso que as licitações tradicionais.
Praças
O Correio teve acesso a cinco notas de empenho ; quando há o compromisso do governo em efetuar pagamento ; demonstrando o vínculo da Entec com a Administração de Samambaia. Em uma delas, o documento de dezembro de 2008, quando Celina ainda era chefe de gabinete de Jaqueline, acusa o valor de R$ 148,9 mil para a construção de praças nas QRs 202, 204, 206, 210 (veja fac-símile). Em outro comprovante oficial, mais uma vez, o empenho é de R$ 148,6 mil, portanto muito próximo ao limite permitido para as licitações por carta-convite, que evitam burocracia, mas facilitam as ilicitudes.
No processo do TCDF, os auditores chegaram a várias evidências demonstrando que 44 empresas, entre elas a Entec, combinavam o resultado das propostas. ;Em todas as licitações foram detectadas ocorrências que, com elevado grau de certeza, apontam para indícios de que houve comunicação entre as licitantes no intuito de favorecer determinado resultado;, diz o documento. Entre as constatações estão semelhanças tanto visuais quanto de conteúdo das propostas apresentadas por diferentes empresas. Há casos de frases, expressões e até erros de ortografia idênticos em documentos apresentados por concorrentes.
O relatório do TCDF é de junho de 2009. Mas, de acordo com denúncias que foram apresentadas recentemente ao Ministério Público, a fraude em licitações era uma das formas de desvio de dinheiro público. Como se viu em vídeo, Jaqueline Roriz e Manoel Neto foram flagrados recebendo R$ 50 mil das mãos de Durval Barbosa. Ele afirmou em depoimento que a procedência do dinheiro é a propina paga pelos empresários que prestavam serviço para o governo.
Relato
Segundo o relato de testemunhas, após as eleições, o grupo de Jaqueline continuou a buscar meios de levantar recursos. Como Samambaia era um reduto entregue à distrital, era naquela regional que eles operavam. Uma análise nos contratos mostra que mais de 80% dos serviços dessa administração eram feitos por meio das cartas-convite, modalidade que nesse caso específico foi reprovada pelo TCDF. Há a suspeita de que contratos para prestar serviço em Samambaia eram intermediados pela própria Jaqueline e Celina, com a ajuda do marido da então chefe de gabinete, Fabrício Faleiros. No fim de 2009, o casal constituiu sociedade na empresa Ágile Engenharia e Locação LTDA.