Economizar água faz parte da rotina e é motivo de orgulho para um casal de aposentados que vive no Engenho das Lajes, no Gama. Este mês, Gildete de Souza Santos, 80 anos, e o marido, Márcio Nilio, 74, vão pagar à Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) R$ 11,90 pelo consumo de 9 mil litros de água. Mas exemplos assim ainda são raros. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera ideal o consumo diário de 110 litros de água por habitante e o Distrito Federal está entre as unidades da federação com a média mais alta do país: 274,6 litros diários por pessoa. O Lago Sul é, disparado, o maior consumidor: diariamente, cada morador gasta1.026 litros de água, em média, quase 10 vezes mais que o nível recomendado.
Números como esses são complexos demais para a simplicidade de Gildete e Márcio Nilio. Eles nem sequer ouviram falar do relatório do Tribunal de Contas do DF, segundo o qual o Distrito Federal está no limite de sua capacidade de abastecimento, com risco de falta d;água ainda este ano, conforme o Correio mostrou com exclusividade em 27 de fevereiro. Ainda assim, o casal considera ;absurdo; qualquer desperdício. ;A gente só molha as plantas na época da seca e apenas uma vez por dia. E a louça, eu ensaboo tudo para só depois enxaguar;, ensina Gildete. O banho é policiado. ;Gasto 1,5 minuto. Não precisa mais. Já ela, fica uns 3 minutos debaixo d;água;, diz Márcio Nilio, achando um exagero. Vez ou outra, Gildete joga água na casa inteira e lava tudo. ;Mas só de vez em quando;, reforça.
A pedido do Correio, a Caesb informou o consumo per capita em cada região administrativa. No topo do ranking, o Lago Sul vem seguido pelo Lago Norte, com média diária de 526 litros e, Plano Piloto e Cruzeiro, com 453 litros de água por dia cada uma. Moradores de Sobradinho, São Sebastião e Recanto das Emas, são os que menos gastam: 125, 123 e 120 litros de água para cada morador, respectivamente (veja arte).
O levantamento revela que, quanto maior o poder aquisitivo, maior o consumo de água. O tamanho do terreno, das piscinas e as áreas verdes extensas são algumas das razões para o aumento da demanda, segundo o superintendente de atendimento comercial da Caesb, Carlos Antônio Ferreira. Ainda assim, ele avalia que o ideal é que cada pessoa tente reduzir o consumo para o nível considerado aceitável pela ONU. ;Nada justifica uma média tão alta;, destaca.
Coordenador do Grupo Especial para Controle de Perdas da Caesb, Elton Gonçalves destaca que a concentração de prédios que abrigam serviços públicos explica, em parte, o consumo elevado do Plano Piloto. ;Boa parte do consumo é registrado nos locais de trabalho, onde os funcionários não moram necessariamente em Brasília, mas passam a maior parte do tempo aqui;, diz.
Moradores do Lago Sul, o administrador Cláudio Santos Jacintho e a
mulher dele, a jornalista Margarida Santos Jacintho, ambos com 62 anos, mantêm uma casa confortável, com piscina grande e área verde. Eles são uma prova de que 1.026 litros por pessoa é um exagero. No último mês, a família com cinco pessoas consumiu uma média de 253 litros por morador. ;Se você levar em conta que nos fins de semana recebemos filhos, nora e netos, acho que é um consumo razoável;, avalia Margarida.
Mudança de hábito
Preocupados com a redução do consumo, há 10 anos, eles mudaram alguns hábitos. ;Deixamos de usar o aspersor na época da seca. Agora, se não chove, a grama seca. Nessa parede, corria uma lâmina d;água que mantinha a umidade na casa toda. Mas também deixamos de usar;, relata Cláudio. A troca da tubulação do jardim, em 2009, acabou com um vazamento e também contribuiu para reduzir o gasto.
No Distrito Federal, quem economiza paga menos pela água usada. O governo criou a tarifa escalonada instituindo faixas de consumo com preços diferenciados. É uma forma de premiar quem não desperdiça e punir os que abusam do recurso natural. ;Isso significa dizer que, se um usuário dobrar seu consumo de um mês para o outro, o valor poderá ser o dobro e até triplicar a depender das faixas de consumo;, explica Elton Gonçalves. Apesar disso, na última sexta-feira, a reportagem flagrou jardins do Lago Sul sendo molhados por aspersores, gente lavando as calçadas e carros com mangueira, práticas que, segundo especialistas, contribuem para o desperdício.
Na opinião da comerciante Cleusa Quirino de Oliveira Rosa, 55 anos, a política da tarifa escalonada não funciona para os ricos. ;Os pobres fazem economia de tudo o que é jeito. O rico é diferente. Mas a água está acabando. É o que eu vejo todo dia. Aí para baixo tinha mina d;água para tudo que era lado. Agora não tem mais;, diz, apontando para o cerrado próximo à casa dela, no Engenho das Lajes. Cleusa e a filha consomem, em média, 216 litros de água por dia. ;Gasto pouca água mas, ainda assim, tem desperdício. Minha filha põe muita água no tanque e, quando coloca a roupa, derrama. Nós duas também demoramos no banho. São 10 minutos, no mínimo;, reconhece.