Jornal Correio Braziliense

Cidades

Escutas da PF mostram PMs de Goiás tramando morte de repórter

Publicação de trechos levou soldados a cercarem diário goiano

Integrantes das Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam), da Polícia Militar de Goiás, também são investigados por tramar a morte de um jornalista de Brasília. Na quinta-feira, tentaram intimidar repórteres do O Popular cercando o prédio do jornal com oito carros da corporação. Nas mesmas escutas telefônicas realizadas pela Polícia Federal, dos quais o periódico goiano publicou trechos, atiçando a ira dos PMs, dois deles aparecem conversando sobre o assassinato do profissional brasiliense. Os militares não citam o nome, mas deixam claro a insatisfação com as reportagens assinadas pelo alvo. As matérias tratam de investigações do Ministério Público (MPGO) sobre a ação de um grupo de extermínio no Entorno do Distrito Federal e outras regiões de Goiás.

Por causa do episódio de quinta-feira, a Secretaria de Segurança Pública do estado proibiu a circulação da Rotam nas ruas de Goiânia. O comandante da unidade, tenente-coronel Carlos Henrique da Silva, foi substituído pelo tenente-coronel Luiz Alberto Sardinha Bittes. Acusado de liderar o comboio que circulou a sede de O Popular em baixa velocidade e com as sirenes ligadas, o tenente Alex Siqueira perdeu o cargo de comandante operacional. A edição de quinta-feira do jornal trouxe reportagem mostrando a satisfação de policiais militares em executar suspeitos de crimes na capital do estado.

O jornal se baseou em um dos três inquéritos já concluídos da Operação Sexto Mandamento da PF, que prendeu, em 15 de fevereiro, 19 PMs acusados de integrar um esquadrão da morte. Ao bando são creditados cerca de 50 assassinatos. Entre as vítimas estão mulheres, crianças e jovens sem ligação com crimes. As ações de um suposto grupo de extermínio em Goiânia e no interior do estado, formado por militares goianos, foram denunciadas pelo Correio Braziliense desde 11 de maio de 2009 (veja Memória).

[SAIBAMAIS]O Correio mostrou que a maioria das mortes em supostas trocas de tiros entre PMs e bandidos ocorreu entre 2003 e 2005, quando o então major Ricardo Rocha comandou a Rotam, período em que a PM mais matou na capital do estado. De 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, foram registrados 117 homicídios em Goiânia, cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da Rotam. Das 117 vítimas, 48,7% (57 pessoas) não tinham ficha criminal. Rocha assumiu a Rotam após deixar Rio Verde, onde foi acusado de liderar um esquadrão da morte quando era subcomandante do batalhão da cidade do sudoeste goiano.

Então capitão, Rocha teria participado da execução de ao menos seis pessoas em Rio Verde, segundo investigações do MPGO. Com a patente de major, ele acabou transferido para Formosa, onde assumiu o batalhão local. E, justamente enquanto Rocha esteve no comando, a PM matou como nunca no município a 70km de Brasília. Policiais militares admitem ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas em 2008 na cidade de 90 mil habitantes. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007. Os PMs alegam confrontos com bandidos armados. A maioria das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. A maioria das execuções teve como autores integrantes do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT), a versão da Rotam no interior goiano ; a Rotam age apenas na Região Metropolitana de Goiânia.

Inquérito aberto
As intimidações da Rotam aos jornalistas goianos causaram repúdio do governo estadual e das instituições de defesa da liberdade de imprensa. ;Os policiais agiram de forma intimidatória para com os jornalistas que ali trabalham e que vêm desenvolvendo um importante trabalho de divulgação de lamentáveis fatos;, ressaltou, em nota, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Goiás e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

O MPGO pediu à Corregedoria da PM a instauração de inquérito policial militar para apurar a possível ocorrência em relação à ação intimidatória de policiais da Rotam. Segundo a assessoria de imprensa da PM, a corregedoria já instaurou sindicância. ;É a segunda vez que eles agem em atitude de intimidação na sociedade. Isso é extremamente condenável;, afirmou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás, Mauro Rubem (PT). Ele lembrou o episódio em que homens da Rotam invadiram a assembleia, em 2007, para intimidar parentes de desaparecidos que testemunhavam contra PMs.

Novos conceitos
Cem homens que patrulhavam as ruas de Goiânia vão receber orientações da nova filosofia da Rotam e podem assumir outras funções na corporação. ;A Rotam vai passar por uma repaginada de conceitos e doutrina. Não há definição de quanto tempo isso vai levar;, afirmou o tenente-coronel Divino Alves, assessor da PM goiana. Assim, 10 viaturas deixam de patrulhar as ruas. ;Isso gera uma diminuição no número de policiais. Porém, eles estarão no quartel e, havendo necessidade, como, por exemplo, um roubo a banco, eles serão acionados e vão para as ruas;, garantiu Alves.

Escutas
Trechos do inquérito da Polícia Federal trazem detalhes de como agiam policiais militares goianos presos na Operação Sexto Mandamento. Diálogos interceptados com autorização judicial mostram como os acusados matam suas vítimas, gostam de tal prática e a intimidade deles com secretários de Estado, juizes e outras autoridades, além da extensão dos crimes do grupo para o transporte ilegal de valores em carros da PM, segurança particular para empresas privadas e suposta ligação com uso e tráfico de drogas.

* ;Eu mato por prazer e por satisfação. Um pouquinho de sangue na farda, né chefe, sem novidade, comandante;, disse o cabo Ederson Trindade ao contar a um sargento do prazer que sente ao matar.


* ;Só um tirão. Meio na cacunda, meio no rim, meio nas costas, né? Aí ele morreu. Morreu lá. Nem sangrou;, contou o policial ao parceiro por telefone após debochar de uma senhora que vira a cena e suplicava por socorro à vítima.


* ;O choque aí (em Formosa) tem de ser de três, cinco, zero, beleza?;, informava o capitão Durvalino Câmara Santos Júnior, um dos 19 presos na Operação Sexto Mandamento, cobrando R$ 350 mil para apoiar a campanha para deputado estadual do major Ricardo Rocha.


* ;Que sai. Eu já andei sondando aqui o povo do gabinete do Ernesto (Roller) e sai;, completou Câmara, ao que interlocutor responde: ;Mas tem de ser, né, bicho. Que só aqui é cem cabo eleitoral, né cara?;


* ;Nós tem (sic) que estruturar bem aqui, por conta de que vai faltar em Rio Verde, né, véi? Certeza;, disse o interlocutor de Formosa sobre um acerto entre Câmara e o major André Ribeiro Nunes (também preso pela PF), que conversam sobre como teria sido um acerto entre Ricardo Rocha e autoridades, para conseguir doação para a campanha (os nomes das autoridades não são publicados porque não estão sendo processadas criminalmente).


* ;O pessoal da Rotam, deixa eu relembrar o senhor; a Rotam são os assassinos da PM, os da farda preta;, disse Ricardo Rocha a um interlocutor não identificado.



Denuncie
A PF e a Secretaria de Segurança Pública de Goiás iniciaram as buscas às pessoas desaparecidas após abordagens policiais e criou um canal de denúncia com o endereço denuncia.srgo@dfp.gov.br, por meio do qual a população pode enviar informações para ajudar a busca e sobre crimes não esclarecidos. As identidades são preservadas.