Entre os motivos para os frequentes apagões que surpreendem e incomodam os moradores do Distrito Federal, um tem explicação matemática. Nos últimos cinco anos, o governo investiu menos dinheiro do que o necessário na Companhia Energética de Brasília (CEB). Entre 2005 e 2010, o orçamento autorizado para a CEB somou R$ 1,01 bilhão. Mas dessa quantia reservada pelo próprio GDF e aprovada pela Câmara Legislativa, quase a metade (R$ 406 milhões) não foi gasta pela companhia. A diferença entre o orçamento que se previu e o que de fato se realizou pode explicar, segundo acreditam especialistas, por que a capital da República tem ficado no escuro.
O orçamento é papel. Montado a cada ano a partir de um cálculo feito sobre a necessidade de recursos para custear despesas e financiar investimentos, nem sempre tudo o que foi programado é executado. No caso da CEB, 40% da previsão não se cumpriram nos últimos tempos. Pior, em alguns períodos, como de 2009 para 2010, o aporte de verbas caiu de R$ 215,3 milhões para 186,1 milhões. Entre 2006 e 2007, também houve redução de R$ 9,3 milhões na aplicação de capital dentro da CEB.
Levantamento realizado com base nos dados do Sistema Integrado de Gestão Governamental (Siggo) revela que 2010 foi o ano em que ocorreu a maior diferença entre o orçamento autorizado e o realizado pela estatal. No ano passado, mais da metade do dinheiro reservado para ser investido na CEB (55,8%) foi desviado para outras prioridades (veja quadro).
Professor da Universidade de Brasília (UnB), o engenheiro elétrico Mauro Moura cita que, entre as necessidades da CEB, estão providências como a construção de novas subestações e modernização das linhas existentes, medidas que exigem custo além da manutenção da rede, ou seja, exigem investimento. ;Não é possível saber em que medida a redução do nível de recursos da CEB ao longo dos anos acarretou a crise que vivemos agora, mas que essa relação existe é óbvio. É certo que a falta de investimento aumenta o risco de colapso do sistema;, disse o professor.
Consultor especializado em administração, o professor Jorge Pinho complementa o raciocínio do colega com o seguinte exemplo. ;Vamos supor que o orçamento tenha destinado R$ 100 mil para conservar linhas de transmissão. Se só R$ 50 mil foram usados significa que ou todo o sistema foi atendido com menos qualidade ou metade dele ficou sem cobertura. É matemático, se diminuir investimento, diminui também a eficiência;, diagnosticou.
Registros
O presidente da CEB, Rubem Fonseca, avalia que o deficit contribuiu para os apagões no DF. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informa que, de janeiro de 2010 a fevereiro deste ano, foram registradas 97 ocorrências sobre interrupções no fornecimento de energia. Número, inclusive, que pode estar subestimado já que nem todas as quedas de luz são informadas à Aneel.
Rubem Fonseca considera grave a diminuição dos recursos aplicados na CEB e afirma que a crise foi agravada porque mesmo o dinheiro aplicado na companhia, em geral, alimentava o braço de geração de energia da empresa (ou seja, a compra) e não o setor de distribuição. ;Os recursos investidos no sistema foram aquém do crescimento da demanda. Cresceu o número de consumidores e a demanda de consumo. Mas mesmo os recursos disponíveis no orçamento não eram prioritariamente usados para melhoria e modernização da rede. Em vez disso, se priorizou, por exemplo, contratos na área meio de informática, quando nem sempre os produtos eram entregues;, disse. Ele informa que, para este ano, estão previstos R$ 180 milhões para a companhia, pouco para resolver a situação dos blecautes. ;O sistema necessita de R$ 300 milhões;.
Dívida
Um dos problemas apontados pela atual direção da empresa é uma suposta cultura de calote dos órgãos do governo com a CEB. Obras e prestação de serviços de energia eram requisitados e não remunerados. A dívida do próprio GDF com a CEB chega hoje a R$ 213 milhões. Na nova gestão, qualquer demanda na CEB será registrada e o respectivo pagamento empenhado, segundo o novo comando da estatal.