Jornal Correio Braziliense

Cidades

Agentes aceitavam desde fraldas até drogas para liberar presos

Gravações telefônicas apontam que agentes penitenciários aceitavam desde fraldas até entorpecentes para liberar internos

A denúncia de envolvimento de três policiais civis do Distrito Federal em esquema de cobrança de propina para liberar internos do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) indica que os responsáveis pela ressocialização de condenados, na verdade, incentivavam a prática de novos crimes. Interceptações telefônicas realizadas durante as investigações mostram que os agentes penitenciários cobravam não só dinheiro para facilitar a saída dos presos, como exigiam outros favores e até drogas. Presos em regime semiaberto que ganhavam em média R$ 500 para trabalhar fora da cadeia se dispunham a pagar mais do que um salário mensal para permanecer uma noite em liberdade. Na semana passada, o Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do Distrito Federal denunciou os agentes Sérgio Vieira Campos, conhecido como Highlander, Antônio Amilton Marinho Crema e Luiz Pereira de Souza por formação de quadrilha e corrupção passiva. Lotados no CPP, eles estão presos preventivamente desde a última quinta-feira e podem permanecer na cadeia pelo menos até a conclusão da instrução do processo que tramita na 2ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do DF. Além dos policiais, outros 35 internos que cumprem pena no CPP foram incluídos na ação penal. O CPP abriga atualmente cerca de 850 sentencionados. Um deles, Reginaldo Dantas da Silva, condenado por arrombamento e roubo de notebooks e aparelhos de CD, é acusado de intermediar com os outros presos o pagamento de propina para que os agentes permitissem que eles não retornassem para dormir, excedessem o horário permitido para a volta ou faltassem o trabalho sem sofrer nenhum tipo de castigo. No regime semiaberto, os presos podem sair de dia para cumprir expediente de trabalho, mas têm hora certa para retornar ao cárcere. Alguns condenados passavam até três dias sem voltar ao CPP impunemente. Durante a investigação, conduzida pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil do DF, em conjunto com o NCOC, conversas telefônicas de Sérgio Vieira Campos foram monitoradas. Os investigadores descobriram que o agente usava o número de telefone celular em nome de Carlos Magno Fonseca Alves, um dos internos do CPP que cumpre pena por várias acusações de roubo. Nas interceptações, ficou evidente que o policial exigia pequenas vantagens, como recarga do celular, fraldas, pomada hipoglós e ataduras. Mas também cobrava entre R$ 250 e R$ 500 para liberar presos. Num dos diálogos, um dos internos garante que vai conseguir %u201Cpneus%u201D na igreja, um indício forte de que praticaria um roubo para atender às exigências do policial. Em outro trecho, Sérgio aceita receber droga, desde que seja %u201Cda boa%u201D. Ele também fala em %u201Ctemperos%u201D como moeda de pagamento, o que pode indicar uma referência a algo ilícito. Um dos internos que pagou para ser liberado é Hélio Carneiro dos Santos, condenado em 2006 pelo assassinato do desembargador aposentado Irajá Pimentel, do Tribunal de Justiça do DF, e pela tentativa de homicídio da esposa dele, Heloísa Helena Duarte Pimentel. Os crimes ocorreram em março de 2002. Hélio teria pago R$ 300 para ser solto da cadeia em horário não permitido. Em 2006, ele foi condenado a 30 anos de prisão e já conquistou o regime semiaberto. Para os investigadores, há o risco de internos cometerem crimes quando estão fora do CPP e isso acabar prejudicando a conclusão de um inquérito policial. Pode acontecer, por exemplo, quando um interno pratica um roubo ou homicídio e sua presença está registrada oficialmente na cadeia. Ele terá um álibi e não será punido. Ajuda No relatório policial sobre o caso, a Corregedoria da Polícia Civil do DF descarta a participação de outras autoridades no esquema de cobrança de propina. O relato é de que o diretor do CPP, José Ribamar da Silva, colaborou com as investigações desde o início e demonstrou preocupação com a situação. Ele soube por meio de alguns servidores que internos estavam sendo beneficiados em saídas e horários não autorizados e ouviu que todos sabiam da participação do agente Sérgio Campos. Apesar de a Polícia Civil descartar a participação de outros agentes, Sérgio sustenta em algumas conversas interceptadas que precisava pagar outras pessoas para driblar a fiscalização. Considerado o cabeça do esquema, Sérgio recebe salário de R$ 11,8 mil. Ele está há 29 anos na Polícia Civil e deveria se aposentar daqui a um mês. Mas a Corregedoria vai abrir um procedimento administrativo disciplinar que poderá resultar na demissão e na cassação do direito à aposentadoria. Os internos envolvidos poderão sofrer a regressão do regime semiaberto para o fechado, além de novas penas por corrupção ativa e formação de quadrilha. Trabalho Externo O Centro de Progressão Penitenciária (CPP) é destinado a quem cumpre pena em regime semiaberto, ou seja, pode sair do presídio para trabalhar e passar um tempo com a família. Os sentenciados trabalham em empresas privadas ou órgãos públicos, como hospitais e tribunais, por meio de convênio com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (Funap).