Jornal Correio Braziliense

Cidades

Rodoferroviária vai abrigar órgãos públicos depois de seis meses desativada

Em grande parte abandonadas desde a inauguração da Rodoviária Interestadual, estruturas da Rodoferroviária começam a ser restauradas para abrigar órgãos públicos que não têm sede própria

Depois de seis meses de especulações, finalmente um destino foi determinado à Rodoferroviária de Brasília. Nem Museu da Ciência, como idealizava a Universidade de Brasília, nem ponto para os ônibus que levam ao Entorno, como esperavam os moradores: a estrutura irá abrigar diversos órgãos públicos, hoje sem sede própria. O prédio, já devolvido pela Secretaria de Transportes, foi cedido pela Secretaria do Patrimônio da União para o Governo do Distrito Federal em acordo assinado no último dia 3.

Aos poucos, a antiga estrutura encontra novos ocupantes para a estrutura deixada pelas companhias de ônibus em julho do ano passado. Embora alguns boxes de atendimento continuem exibindo itinerários e tabelas de preços como se nada tivesse acontecido, os únicos que ainda vão ao prédio são os servidores públicos que ali trabalham. Além da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), também firmaram base na construção o Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), um posto da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest) e a nova Secretaria da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

O processo ocorre a passos lentos e muito ainda está indefinido. Por enquanto, algumas salas desocupadas pelos comerciantes exibem apenas móveis empilhados e objetos inutilizáveis, abandonados sob a estrutura envelhecida. A Secretaria da Microempresa mudou-se para o local no início de janeiro, mas ainda trabalha na estrutura deixada pelo DFTrans, órgão que foi transferido para o segundo andar. A nova pasta não conta nem mesmo com uma linha telefônica.

Adaptações

;Aqui é tudo improvisado. A infraestrutura é boa, mas falta adaptar ao funcionamento da secretaria;, avaliou Eduardo Vieira, subsecretário de Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. A Sedest, que antes mantinha na Rodoferroviária um posto para atendimento de migrantes, instalou ali o Núcleo de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e Emergências. Mas a equipe deve se mudar em breve para o Touring, onde já funciona parte do órgão.

O que está garantido, segundo o GDF, é que o local deve abrigar unidades que hoje funcionam no Buritinga, em Taguatinga. ;A iniciativa de buscar novos espaços, por recomendação do próprio governador Agnelo Queiroz, é prioritariamente para que o Buritinga possa retornar à sua função inicial, que é a capacitação de policiais militares;, explicou o secretário da Casa Civil, Jacques Pena. Em breve, ainda deve passar a funcionar na Rodoferroviária a recém-criada Secretaria da Mulher, que hoje atende no Venâncio 2000.

A transformação do antigo terminal em um conjunto administrativo começou logo depois da inauguração da Rodoviária Interestadual, em julho do passado. A Adasa, que funcionava somente no segundo piso, transformou em novos módulos da agência um espaço do térreo, onde funcionavam uma farmácia e uma loja de roupas. Os funcionários já trabalham no local desde o ano passado e esperam a construção de novas salas para abrigar os aprovados remanescentes no último concurso. Nas próximas semanas, deve ser concluída a retirada dos quiosques que resistem na Ala Norte, para dar lugar à obra. Por enquanto, antigas lanchonetes e pontos comerciais continuam ocupados por instrumentos e móveis abandonados pelos vendedores.

Isolamento

A ausência dos 4,5 mil passageiros que circulavam diariamente no local é sentida pelos funcionários. ;Tinha restaurante, correios, bancas. Quando fizeram a nova rodoviária, todas essas regalias foram retiradas daqui;, lamenta a estagiária Francisca da Silva, 33 anos. Para fazer um lanche no meio do expediente, as pessoas que hoje trabalham ali precisam ir ao Shopping Popular, ou, ainda, se deslocar até o Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA). Até mesmo ir ao trabalho ficou mais difícil: os ônibus, que antes passavam a cada 10 minutos, só chegam hoje em intervalos de meia hora.

Porém, as vantagens da mudança também são visíveis: mesmo com a estrutura comprometida pela falta de cuidado, o chão não é mais coberto pelo lixo antes deixado pelos passageiros; o estacionamento oferece vagas de sobra para os servidores e os moradores de rua mantêm distância da construção. ;Pensamos que, com a Rodoferroviária vazia, eles iriam tomar conta. Mas sem as pessoas que tentavam ajudar, e de quem eles também tentavam pegar coisas, foram embora;, conta a vigilante Maria Iraci, 40 anos. Duas famílias ainda moram nas proximidades, mas limitam-se a usar uma torneira instalada ao ar livre e não frequentam o local

TOMBAMENTO PARCIAL

Inaugurada em 1981, a Rodoferroviária do Plano Piloto agrega grande valor artístico, apesar da falta de manutenção da estrutura e das críticas sofridas ao longo dos últimos anos. Mas o prédio em formato de vagão de trem, desenhado por Oscar Niemeyer, não entrou na lista de construções tombadas de Brasília. Aos poucos, os órgãos públicos cobrem a fachada do local com placas de vidro e marcam as paredes de concreto armado com divisórias de escritório. O único aspecto que ficou a salvo das reformas são as obras de Athos Bulcão, que ainda assim sofrem com o descaso. Seus famosos azulejos foram maltratados pelo tempo, que levou pedaços inteiros dos painéis do artista, hoje sujos e quebrados. A obra Bandeirolas, no teto do primeiro andar, balança perigosamente a cada rajada de vento, revelando ferrugem, sujeira e incontáveis teias de aranha. Segundo os funcionários da Rodoferroviária, algumas das afiadas placas de metal já caíram, e por sorte não atingiram ninguém. As peças tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) devem ser recuperadas neste ano, com o auxílio do Instituto Athos Bulcão.