Enquanto o cenário dos transplantes cardíacos evolui ; em oito dias, três pessoas foram operadas no Distrito Federal, número equivalente ao total de cirurgias feitas ao longo de 2010 ;, a realidade para quem depende de um transplante de fígado ainda é sombria na capital federal. Desde 2008, o DF não faz mais o procedimento e o destino dos pacientes é incerto. A única esperança de cura está na tentativa de conseguir o tratamento em outros estados. Ontem, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, anunciou, em visita ao Instituto de Cardiologia, que vai restabelecer o transplante de fígado até outubro próximo, assim como o de pulmão. A ideia é dar condições ao Hospital de Base (HBDF) para reativar esse tipo de cirurgia.
No entanto, de acordo com o secretário de Saúde, Rafael Aguiar Barbosa, para que o plano saia do papel, a reforma do hospital precisa ser concluída e deve haver o provimento de serviços indispensáveis para o pós-operatório. ;Dependemos de leitos de UTI para garantir o sucesso do transplante;, explicou. Além disso, é preciso aprimorar o sistema atual de captação de órgãos. Para tanto, a Central de Captação sairá do Hospital de Base e se estabelecerá onde funcionava a Farmácia de Alto Custo, ao lado do HBDF. Barbosa anunciou também a criação de organizações de procura de órgãos em todos os hospitais, para incentivar as doações. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, acompanhou a visita ao IC e prometeu dar o suporte financeiro e de recursos humanos para aparelhar o DF. ;Brasília precisa ser um modelo para o resto do país;, disse.
As medidas são uma luz no fim do túnel para quem aguarda por transplante no DF. É difícil precisar o número exato de pacientes do DF que necessitam de um novo fígado. Não há uma lista de espera justamente pela inexistência da modalidade do transplante. Segundo o coordenador da Central de Captação de Órgãos (CCO) da Secretaria de Saúde, Lucio Lucas, o Ministério da Saúde trabalha com estimativas em relação à população. No Brasil, 30 em cada 1 milhão de habitantes esperam pelo transplante de fígado a cada ano. No DF, onde há três milhões de habitantes, a estimativa é que 90 pessoas precisem de transplante todos os anos.
Nos últimos 11 anos, apenas 12 pacientes conseguiram o tratamento no DF. De acordo com o coordenador da CCO, entre 2000 e 2001, 10 cirurgias foram feitas no Hospital de Base. Em 2002, o procedimento foi suspenso. Há três anos, duas pessoas se submeteram ao transplante, dessa vez, feito no antigo Instituto do Coração, atual Instituto de Cardiologia. A partir da suspensão do procedimento, os pacientes ou foram encaminhados para outras unidades da Federação ou morreram.
Peregrinação
O músico Paulo César Calvacante dos Santos, 53 anos, sofreu até conseguir superar uma cirrose hepática aguda, causada por hepatite C. O tratamento de controle que fazia não segurou os avanços da doença e, há quatro anos, o médico que o acompanhava no Hospital de Base deu o ultimato: a única chance de continuar vivo era o transplante de fígado. ;Em Brasília, não se faz esse transplante. O médico me encaminhou para São Paulo;, conta. Apesar de a capital paulista registrar o maior número de transplantes do Brasil ; foram 747 só de fígado no ano passado ; a fila de espera pelas cirurgias é grande. Paulo aguardou por um ano. ;Apesar de o meu estado ser grave, tinha gente muito pior do que eu. Foi uma luta impressionante;, lembra.
O músico afirma que uma das maiores mágoas que tem é da falta de informação e orientação em Brasília. ;Os médicos aqui simplesmente não sabem dar informação, independentemente se atendem na rede particular ou pública. Se não fossem as pessoas que conheço e minha mulher, Heloísa, que me indicaram as alternativas, eu provavelmente teria morrido na espera;, desabafa. ;Tudo, desde a assistência social até a orientação dos médicos, foi falho no DF;, continua. Desanimado com as perspectivas em São Paulo e com um quadro clínico cada vez mais grave, ele seguiu o conselho do médico paulista e buscou o Hospital das Clínicas em Belo Horizonte, Minas Gerais.
;Fui automaticamente internado. Em seis meses, meu estado era tão grave que pulei para o primeiro da fila. Dois dias depois, fui operado;, conta. Amanhã completa um ano que Paulo recebeu ;o fígado abençoado;. Apesar da vida renovada, o músico lamenta que muitos outros com problemas análogos ao seu não tenham a mesma sorte. ;Acompanhei, pela internet, a situação de muitos aqui em Brasília e pelo menos 18 já morreram por não conseguirem o transplante. É muito triste;, diz. Hoje, Paulo faz questão de trocar informações com pacientes e até médicos sobre o transplante de fígado.
Esperança
Medidas anunciadas
; Retomada dos transplantes de fígado e pulmão
; Criação das organizações de procura de órgãos nos hospitais
; Mudança na Central de Captação de Órgãos
; Ampliação do número de transplantes cardíacos
Na fila
Estimativas da necessidade de transplante no DF por ano
; Coração: entre 15 e 30 pacientes
; Fígado: 30 pacientes
; Rim: 180 pacientes
; Pulmão: 30 pacientes