As ocupações irregulares de áreas públicas não estão restritas a regiões de baixa renda e aos condomínios. No bairro com uma das maiores rendas per capita do Distrito Federal, a ilegalidade está por toda parte: mais da metade dos lotes do Lago Norte avança sobre terras públicas. Um levantamento da Agência de Fiscalização (Agefis) do GDF mostra que 55% do território da cidade estão ocupados irregularmente. A maioria dos donos de lotes avançou sobre áreas verdes, colocando cercas além dos limites permitidos e expandindo ilegalmente seus imóveis. O Lago Norte tem 1,2 mil hectares de extensão e, desses, 660 hectares correspondem a áreas públicas cercadas indevidamente e ocupadas às margens da lei.
O levantamento da Agefis foi feito por meio de um sistema de geoprocessamento. Os técnicos cruzaram dados da área ocupada com informações dos lotes registrados nos ofícios de imóveis do DF. A partir desse trabalho, eles constataram que o tamanho dos imóveis que consta dos cartórios não condiz com a realidade. Ou seja: os terrenos avançaram sobre área pública, mas os proprietários não pagaram nada ao governo pelo aumento de patrimônio.
Pelo projeto inicial do bairro, as casas do Lago Norte não teriam cercas nem grades. Mas, rapidamente, a comunidade da região percebeu que o modelo urbanístico não estava de acordo com a realidade e com as necessidades dos moradores. Diante da violência crescente, quase todos cercaram seus lotes. No momento de gradear os imóveis é que os limites legais foram desrespeitados. Hoje, é quase impossível encontrar um lote cercado que tenha área equivalente à registrada nas escrituras públicas.
Soluções
Com base nesse levantamento da Agência de Fiscalização, o governo vai discutir soluções para o problema das invasões de área pública. O diretor-geral da Agefis, Gleiston Marcos de Paula, explica que o estudo ainda será aprofundado a partir de agora. ;Queremos saber se essas áreas ocupadas irregularmente têm edificações ou se foram impermeabilizadas;, afirma o diretor. ;O certo é que as pessoas paguem pelas áreas públicas ocupadas ou então liberem esse espaço;, acrescenta.
Depois desse detalhamento, começa a etapa que promete ser a mais polêmica. O GDF vai discutir possibilidades como a cobrança de taxas de ocupação ou o aumento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para os moradores do Lago Norte que usam espaço público. Como quase todos estão nessa situação e a comunidade da região é bastante articulada, o debate promete ser acirrado.
O administrador do Lago Norte, Marcos Woortmann, afirma que vai participar das discussões sobre a regularização dos avanços em áreas públicas. ;Esse problema é antigo, começou com os primeiros moradores. Agora, precisamos separar as pessoas que agiram de boa-fé daqueles que cometeram abusos para usurpar terras públicas. A intenção do governo e da administração é fazer a regularização;, afirma.
A comunidade pretende se unir para evitar mudanças no sistema de utilização dos terrenos. O prefeito comunitário do Lago Norte, Amazildo de Medeiros, defende a proibição de novas ocupações e a regularização das antigas. ;Não vejo nenhum problema. As pessoas que estão usando essas áreas estão cuidando muito bem delas, mantendo tudo bem preservado como área verde e sem construções. Essa situação é muito antiga, então acredito que será complicado acabar com isso agora;, afirma Amazildo.
As maiores ocupações de áreas públicas estão nos fundos dos lotes e nas esquinas. Nos terrenos que ficam na beira da avenida principal do Lago Norte, é praticamente impossível encontrar casos em que a cerca foi construída dentro dos limites dos lotes. Alguns, entretanto, avançam até sobre a calçada. No fundo dos imóveis, há situações em que as passagens de pedestres ficam praticamente espremidas entre as grades.
Segurança
O aposentado Vicente Costa Neto, 57 anos, mora no Lago Norte há 27. Ele tem um lote de 660m; na QL 2 e usa um percentual de área pública. ;Não tenho nada construído, é só área verde. Tivemos que cercar tudo por conta da violência;, justifica ele. ;Não podemos tirar as cercas e grades por uma questão de segurança;, acrescenta.
Já a servidora pública Ticiane Bombassaro, 28 anos, defende a cobrança de taxas e impostos dos moradores que usam área pública. ;Não é porque o bairro é de classe alta que os donos dos lotes têm direito de usar espaço público. É preciso corrigir esse erro e cobrar daqueles que fizeram uso indevido das áreas verdes ao lado dos terrenos;, afirma a moradora do Lago Norte.
O militar da reserva Celso Dotto, 64 anos, acredita que o governo não fará a cobrança de IPTU pelas áreas verdes. ;Eu até gostaria que o GDF fizesse isso, seria uma forma de oficializar a nossa propriedade;, brinca Celso. ;Não acho que seja legal cobrar imposto das áreas verdes. Quando comprei o terreno, ele já estava cercado dessa maneira;, conta o militar, que mora em um terreno de 1,1 mil m2 na QL 6.