Jornal Correio Braziliense

Cidades

Além de torturar, PMs goianos são acusados de roubar algumas vítimas

A prisão dos 19 policiais militares goianos acusados de integrar um grupo de extermínio que agia na capital do Estado e no Entorno do Distrito Federal não pôs fim ao pesadelo vivido por muitos familiares de vítimas executadas ou desaparecidas após contato com aqueles que deveriam zelar pela segurança da população. O Correio apurou que a maioria dos PMs citados em processos por crimes de homicídio continua em liberdade. São pelo menos 21 homens da corporação apontados pelos pais das vítimas como os algozes de seus filhos e que permanecem nas ruas, atuando a serviço do governo. Relatos dão conta ainda do método brutal empregado pelos agentes públicos para tirar a vida de jovens, mulheres e até crianças. Num dos casos, um rapaz foi eletrocutado com um fio desencapado até desmaiar. Em outro, uma viatura passou várias vezes sobre o corpo de um jovem. Alguns parentes perderam a esperança de ver os criminosos fardados na cadeia e deixaram suas cidades depois de reiteradas ameaças.

Abordagem mortal
Nos últimos 10 anos, ao menos 29 pessoas desapareceram após terem sido abordadas por PMs em Goiás. São 10 casos apenas nas cidades vizinhas ao DF. Outras 300 morreram, oficialmente, em confrontos com os militares, mas para a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público do Goiás (MPGO), existem fortes indícios de que esses embates foram forjados. As duas instituições deflagraram, no último dia 15, a Operação Sexto Mandamento (que remete ao ensino bíblico ;não matarás;), que colocou atrás das grades oficiais, graduados e praças investigados por suposta participação em um esquadrão da morte. Entre eles está o subcomandante da PM Carlos Cézar Macário, exonerado um dia depois da ação.

Há três anos, a vida da dona de casa Maria Aparecida de Souza, 57, mudou completamente. Na noite de 11 de fevereiro de 2008, seu filho, o eletricista Célio Ferreira, então com 26 anos, foi com a esposa a uma lanchonete no centro de Goiânia (GO). Enquanto comiam, sete viaturas da Rondas Tático Móvel (Rotam) ; a tropa de choque da polícia goiana ; pararam em frente ao comércio e os PMs ordenaram que todos ficassem quietos. Célio, a mulher e dois amigos foram levados para dentro do estabelecimento, que teve as portas fechadas. Obrigados a ficarem nus, foram torturados por quase 30 minutos. Os sobreviventes contaram que os policiais molhavam fios sem proteção e, em seguida, colocavam em contato com o corpo dos jovens. Somente a mulher escapou da barbárie.

Possível confusão
Após a tortura, Célio e os dois amigos foram levados em carros diferentes da Rotam. Os dois colegas sobreviveram ao espancamento, mas Célio nunca mais apareceu. Quem conhecia o rapaz acredita que a polícia o tenha confundido com algum bandido. ;Eu já cheguei a beijar os pés do Rocha no batalhão (tenente-coronel Ricardo Rocha, apontado como o líder do grupo de extermínio) para pedir que ele investigasse o desaparecimento do meu filho, mas depois descobri que esse desgraçado é o pior de todos;, disse, transtornada, Maria Aparecida. Até hoje, nenhum dos 14 militares envolvidos na ocorrência foi punido.

O professor Divino Rodrigues Barco, 58 anos, ainda luta por justiça. O filho dele, Rodrigo Barco, 18, foi assassinado por PMs também em Goiânia em março de 2005. Segundo ele, o rapaz foi vítima de um sequestro relâmpago. A dupla de criminosos usava um carro roubado. Ao tomar conhecimento da ocorrência, a Rotam iniciou a perseguição ao veículo. Um bandido foi preso, o outro conseguiu escapar, mas Rodrigo, sem chance de explicar que não era ladrão, foi colocado de joelhos e executado a sangue frio com três tiros no pescoço e três no peito. Na época, os militares disseram que ele disparou contra a guarnição, mas exames do Instituo Médico Legal (IML) provaram que todos os tiros foram dados de cima para baixo, sugerindo que Rodrigo estava rendido.

O comandante da operação, o capitão Marco Aurélio Godinho, e dois subordinados nunca ficaram detidos e o processo aberto contra eles foi engavetado. Mesmo recebendo várias ameaças de morte, Divino continua tentando provar que os militares executaram seu filho injustamente. ;Recebi muitas ameaças, mas eles já acabaram com a minha vida. Não me importo se me matarem hoje, porque a pessoa que eu mais amava no mundo não está mais aqui;, disse, em meio às lágrimas.

Procura
Depois da deflagração da Operação Sexto Mandamento, a Polícia Federal concentra os esforços para encontrar os locais onde o esquadrão da morte desova suas vítimas. Denúncias fizeram os agentes vasculharem por duas vezes uma chácara no município de Aragoiânia, situado a 42km da capital do estado. Os federais não encontraram nada, mas devem voltar para uma busca mais detalhada na extensa região. A propriedade é da família de um sargento detido na operação. O Correio esteve no local na semana passada e testemunhas confirmaram ter ouvido estampidos de tiros e gritos vindos do local.