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Motoristas com mais de 20 pontos continuam a dirigir no DF

Apesar de o Código Brasileiro de Trânsito prever a suspensão, por um ano, do direito de guiar para quem atinge 20 pontos na carteira de habilitação, 44,9 mil condutores continuam ao volante nas ruas do DF

O campeão de infração de trânsito no Distrito Federal é um vovô de 88 anos. Em um ano, ele acumulou 2.926 pontos na carteira de habilitação, principalmente por trafegar acima da velocidade permitida. Se o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) fosse cumprido, as autoridades teriam suspendido o direito dele de dirigir assim que as infrações atingiram 20 pontos. O recordista de pontos e multas, porém, não é o único a se beneficiar da falta de punição. Relatório a que o Correio teve acesso com exclusividade revela que outros 44,9 mil condutores do DF ; de um total de 1.434.854 ; continuam no volante mesmo tendo acumulado ou ultrapassado a pontuação estipulada por lei para terem suspenso o direito de dirigir.

O homem que lidera a lista dos infratores contumazes mora no Setor de Mansões do Lago Norte e parece não ter limites. Em seu nome, existem mais 128 notificações de infrações emitidas entre 4 de dezembro de 2010 e 28 de janeiro deste ano. A dívida com multas é de R$ 31.423,28. O valor supera o preço do carro registrado no nome dele, um Pálio 2008 que, pela tabela Fipe, está avaliado em R$ 30,3 mil. Isso se o modelo for 1.8R, o mais luxuoso da categoria. O valor do débito e a quantidade de pontos será ainda maior a partir do momento em que as todas notificações se consolidarem em multas.

Ranking
O morador do Lago Norte, porém, não é o único a chamar a atenção pela quantidade de irregularidades cometidas nas vias do DF. Na lista dos 100 maiores infratores, o segundo e o terceiro colocados acumularam, respectivamente, 2.425 e 1.152 pontos. O lanterna tem 242 pontos no prontuário (veja arte).

Presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte Lima destaca que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) não é um direito natural do cidadão, mas uma concessão do Estado. Para ele, é muito provável que o primeiro lugar da lista ;um senhor de 88 anos;, frisa, esteja servindo de ;laranja; para receber os pontos de parentes. ;Essa evidência pode ser rapidamente detectada pelo Detran, que deveria agir com mais celeridade, inclusive identificando o real infrator;, opina. Duarte defende que ;condutores com mais de 400 pontos precisam ser impedidos de continuar dirigindo, ou melhor, delinquindo;. Ele lembra que o Departamento de Trânsito tem o nome, o endereço e tem conhecimento do carro que eles dirigem. ;Falta agir, punir e deixar o trânsito de Brasília mais seguro;, critica.

José Alves Bezerra, diretor-geral do Detran, rebate parte das críticas. Reconhece que a impunidade existe e precisa ser combatida, mas diz que o órgão não tem como apurar se um motorista está transferindo pontos ilegalmente para o prontuário de outro. ;Isso só é possível se a fotografia do equipamento eletrônico mostrar quem era o condutor ou nos casos em que a multa é aplicada por um agente de trânsito. Do contrário, seria preciso uma investigação minuciosa;, explica.

Desde 2008, o órgão não abria processo para tirar das ruas quem acumula 20 pontos. Os cinco funcionários do setor responsável pelo serviço haviam sido orientados a se dedicar exclusivamente aos casos enquadrados na lei seca. Apesar de o DF ser a unidade da federação que mais cobra respeito à legislação que prevê rígida punição para quem dirige depois de beber, o brasiliense parece ter começado a ignorar a norma. O número de autuações não para de crescer. ;Com isso, os processos por acúmulo de pontos foram deixados de lado, chegando a esse absurdo de um condutor ter mais de 2,9 mil pontos;, avalia.

Impunidade
O combate à impunidade vai começar pelos 100 condutores com mais pontos na CNH. Para tentar reverter o quadro, Bezerra determinou que os servidores voltem a analisar indistintamente os processos de suspensão e cassação da habilitação, a começar pelos 100 motoristas que mais infringiram as leis de trânsito em 2010. ;Isso não pode acontecer na administração pública, que estava sendo omissa e conivente, beneficiando os infratores em detrimento de quem cumpre a lei;, afirma. Ainda segundo Bezerra, se o Detran demorar cinco anos para suspender o direito de dirigir dos infratores com 20 pontos ou mais, o prazo para punição prescreve.


Prazo legal
O auto de infração é emitido assim que o agente ou equipamento eletrônico flagra uma infração ao Código de Trânsito Brasileiro. O motorista tem 30 dias a partir da data de expedição do auto para se defender ou indicar quem conduzia o veículo no momento do flagrante.


Faltam servidores

Atualmente, existem cerca de 12 mil processos de suspensão do direito de dirigir em tramitação no Detran do Distrito Federal e apenas cinco servidores responsáveis por abrir os processos e analisar os recursos. Por mês, eles conseguem iniciar apenas cerca de 100 procedimentos. A falta de pessoal é uma das justificativas para a demora em punir os infratores. ;Isso gera no cidadão um sentimento de impunidade e, da nossa parte, de impotência por saber que a lei não é cumprida em função do caos administrativo que se instalou no Detran ao longo dos últimos anos;, admite o diretor-geral do órgão.

O Correio pediu ao Detran um levantamento sobre a quantidade de condutores que não cometeu nenhuma infração. Obteve os dados relativos aos últimos 30 dias. Dos 1.434.854 motoristas habilitados, 84.054 (5,8%) foram flagrados desrespeitando alguma norma de trânsito. As infrações mais recorrentes foram excesso de velocidade, dirigir falando ao celular ou sem o cinto de segurança. Apesar de ser o recorte de um período curto, José Alves Bezerra diz que os números refletem a realidade geral. ;Os infratores são sempre os mesmos. O motorista responsável é maioria absoluta. E aquele que leva uma multa aqui, outra lá adiante;, diz.

Bezerra destaca que a falta de servidores está prestes a ser resolvida. Já existem 100 pessoas aprovadas em concurso público para os cargos de analista e assistente. ;Temos dinheiro para chamar 30 assistentes e 40 analistas. ;Só falta o governo autorizar a convocação;, garante. A medida em que as vagas forem preenchidas, a análise dos processos será mais rápida e, consequentemente, a punição.

Por lei, a CNH só pode ser recolhida após o julgamento de todos os recursos. Ou seja, se um agente de trânsito se deparar com o vovô infrator e ele estiver com os documentos em dia e o veículo não apresentar qualquer irregularidade, o homem será liberado para continuar desrespeitando a lei. Após o trânsito em julgado dos processo, o órgão ainda depende, em parte, da boa vontade do condutor em devolver o documento para cumprir a suspensão. ;Temos uma equipe que vai na casa do motorista recolher a carteira e, quando não localizamos o condutor, nosso setor de inteligência passa a monitorar o veículo para cumprir a ordem de suspensão;, explica.

Especialista em psicologia do trânsito, Hartmut Günther defende mais rigor na punição aos infratores, inclusive com pena de prisão para os contumazes. Além disso, considera que o órgão de trânsito deve avaliar periodicamente condutores idosos para atestar se estão aptos a continuar ao volante. ;Não quero dizer com isso que uma pessoa de 88 anos seja incapaz de dirigir. Mas há quem chegue a certa altura da vida e pense que, por estar velho, pode fazer o que quiser. Quando está no trânsito, pode se tornar vítima ou ser responsável pela morte de outros;, alerta.

Operação Ressaca

Após um mês de investigação, o Núcleo de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran (Nupol) desencadeou a operação Ressaca, para coibir os rachas no estacionamento do Estádio JK, no Paranoá. A ação resultou na autuação de oito condutores alcoolizados, 10 veículos apreendidos, dois motoristas inabilitados e dois motociclistas que não usavam capacete. Na fase de monitoramento, os agentes gravaram cerca de 1h de imagens das infrações praticadas no local. Nas noites de maior movimento, foram flagrados mais de 100 veículos estacionados ao mesmo tempo e cerca de 200 pessoas espalhadas pela área. A operação teve a participação da Polícia Militar ocorreu na madrugada do último domingo e vai ter continuidade em outros pontos do DF.