As fronteiras do consumo no Distrito Federal caíram por terra. O crédito farto, o emprego e a renda nas alturas, além das facilidades de pagamento, deram força aos setores de comércio e serviços longe do Plano Piloto. Ao longo da última década, as riquezas locais deixaram de se concentrar na ilha da prosperidade. Moradores de cidades que rodeiam o centro do poder não dependem mais do Plano Piloto para consumir. A série de reportagens que o Correio começa a publicar hoje mostra como o dinheiro passou a circular nas principais regiões administrativas, criando novos polos econômicos e alavancando a economia local.
Com a escassez de terrenos na área tombada da capital, o superaquecido mercado imobiliário candango conquistou os arredores e serviu como indutor de desenvolvimento. Onde ainda existe área livre, prédios e casas não param de ser construídos. E os condomínios continuam a se espalhar em volta de Brasília. No embalo do avanço demográfico, lojas e bancos não perdem tempo e investem pesado nas cidades do DF. Empresas nacionais e estrangeiras que chegaram nos últimos anos já colhem os frutos da aposta e alimentam uma expectativa enorme. Cidades antes consideradas de periferia, como Samambaia e Riacho Fundo, começam a chamar a atenção de franquias em áreas de comércio e serviços.
A venda de imóveis no DF fechou 2010 com crescimento superior a 20%. Neste ano, o ritmo de expansão deve se manter, ainda que em velocidade menor. Virão novas obras em Águas Claras e o Setor Noroeste começará a tomar forma. Em cidades como Santa Maria, Ceilândia, Samambaia e Gama, os investimentos das empreiteiras serão intensificados. Não bastasse, o governador Agnelo Queiroz (PT) espera, ao longo de seu mandato, entregar 100 mil moradias voltadas para o público de baixa renda, o que deve ser facilitado com a doação de terrenos pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap).
Entre 2000 e 2010, a população do DF saltou 20,4% e chegou a 2,469 milhões de habitantes, segundo os primeiros resultados do último Censo divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cerca de 85% dessas pessoas vivem fora do Plano Piloto. Um público consumidor de 2,1 milhões de pessoas. O aumento da renda média e a queda da taxa de desemprego nas regiões administrativas sustentam o otimismo de quem aposta nesses novos consumidores do DF. O avanço das classes C e D reflete o bom momento da economia brasileira. O fenômeno estimula o consumo, puxa o avanço do setor de serviços e aquece a atividade industrial.
Arredores
Assim que perceberam a demanda crescente em torno de Brasília, as principais magazines do país não hesitaram em dividir espaço com os comerciantes locais. Em quase todas as cidades, lojas de eletroeletrônicos, móveis e calçados do DF e nacionais disputam clientes lado a lado. ;Os arredores do Plano se tornaram atraentes porque possuem boa margem para expansão;, justifica o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do DF (CDL-DF), Geraldo Araújo. ;Só na área central de Brasília, temos oito shoppings. As grandes redes querem conquistar outros espaços, onde os moradores também têm poder de compra.;
Na avaliação do consultor Marcos André Melo, sócio-diretor da Valorum Consultoria em Gestão Estratégica, o crescimento econômico das cidades do DF é sustentável e tende a se intensificar nos próximos anos. ;Há uma clara mudança de perfil de consumo na capital do país. Lojas e serviços antes presentes somente no Plano agora podem ser encontrados nas outras cidades, que têm um público cada vez mais exigente;, observa ele, que reforça a importância das classes C e D nesse processo. ;A renda dessa fatia da população tem crescido mais do que o dobro em relação às classes A e B;, afirma.
Além dos setores de comércio e serviços, a indústria brasiliense ; tradicionalmente tímida ; também acompanha o avanço econômico fora do Plano Piloto. ;A produção ainda é mais forte na região central, onde estão as sedes das construtoras e as principais fábricas de informática e alimentação. Mas muitas empresas estão descobrindo as demais cidades;, diz o presidente da Federação da Indústria do Distrito Federal (Fibra), Antônio Rocha. ;Precisamos de mais incentivo, mas temos uma situação favorável: renda per capita elevada, proximidade com os governos federal e local e com as embaixadas, que são grandes clientes;, acrescenta.
Quadrado muda seu perfil
A descentralização das riquezas pode ser percebida em todo o Distrito Federal, como mostrará a série do Correio a partir de hoje. Em Santa Maria, antes conhecida somente pelos altos índices de violência, a abertura do primeiro shopping da cidade, em dezembro do ano passado, mexeu com a autoestima dos moradores. Nos próximos cinco anos, a área industrial da cidade, o Polo JK, receberá multinacionais dos ramos farmacêutico e de panificação. No Riacho Fundo, no Recanto das Emas e em São Sebastião, o tímido comércio de rua ganhou força com a inauguração de lojas das grandes redes nacionais do varejo nos últimos cinco anos.
Em cidades mais abastadas do eixo sul do DF, como Gama, Samambaia, Taguatinga, Ceilândia e Águas Claras, os mercados consumidores estão consolidados. Mesmo assim, a expansão da atividade econômica não deve recuar daqui para frente. O crescimento populacional provocado pelos novos empreendimentos imobiliários é um dos fatores que estimulam o desenvolvimento constante. Nessas localidades, além do aquecimento do comércio, a tendência é que haja maior oferta de serviços.
Na saída norte, os investimentos chegaram com força a Sobradinho e Planaltina. Concessionárias e lojas de produtos agropecuários ocuparam a conhecida subida do Colorado. A economia da região também é movimentada por indústrias de eletrônicos, reciclagem e metalurgia. A mudança no perfil econômico da região mostra que as riquezas do DF não estão restritas aos limites do Plano Piloto e não dependem mais tanto do funcionalismo público ; apesar da importância que a máquina pública ainda exerce.
Análise da notícia
DF carece de uma radiografia
O Distrito Federal carece de pesquisas e dados que permitam o exato dimensionamento da economia local. Durante a produção desta série de reportagens, o Correio entrou em contato com diversos órgãos públicos e entidades de pesquisa a fim de obter dados para compor o perfil econômico das principais cidades do DF. Mas os números que revelariam o valor do Produto Interno Bruto (PIB) de cada região, a taxa de desemprego, a renda média da população e a contribuição de cada região administrativa para a arrecadação tributária, quando existem, estão bastante defasados.
Para se ter uma ideia: a única medição oficial para a renda dos moradores das regiões administrativas está na Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2004, realizada pela Codeplan. Nesses seis anos, se corrigida apenas pela inflação, a renda média do brasileiro teria crescido 34,3%, por exemplo. Para pensar em políticas públicas capazes de fomentar a economia, o primeiro passo é ter um diagnóstico aprofundado da atual situação.
Sobre o diagnóstico
o longo da série de reportagens, o Correio apresentará o perfil econômico das principais cidades do DF: Taguatinga, Águas Claras, Ceilândia, Samambaia, Planaltina, Sobradinho, Guará, Santa Maria, Riacho Fundo, Recanto das Emas, São Sebastião e Gama. As reportagens, feitas com base em entrevistas com empresários e moradores e nos poucos dados oficiais disponíveis, mostrarão o que mudou na última década, indicarão as carências e apontarão tendências de investimentos para os próximos anos. Apesar de passarem por processos de crescimento semelhantes,
as regiões possuem características próprias.