É provável que a cidade russa de Kursk, a 500km de Moscou, não esteja entre os destinos mais procurados pelos turistas brasileiros. Porém a família de Rafael Henrique Pereira Guimarães, 18 anos, pretende visitá-la todas as férias pelos próximos seis anos. Embarcando hoje como o único estudante de Brasília entre 12 brasileiros que vão cursar medicina na Rússia, Rafael despede-se da família para buscar algo que sempre desejou: independência.
;Se eu ficar aqui, estenderei minha adolescência até os 26, 27 anos. Só que fui educado para ser independente e é isso que busco;, afirma. Selecionado em um programa da Aliança Russa de Ensino Superior em conjunto com faculdades daquele país, o jovem é um exemplo: ao deixar o aconchego familiar tão cedo, Rafael quer demonstrar apenas que chegou o momento de começar a viver a própria vida.
Na próxima segunda-feira, ele inicia o curso na Universidade Estatal Médica de Kursk (KSMU), instituição situada entre as 10 melhores faculdades de medicina da Rússia. Munido apenas do inglês (a KSMU foi a primeira no país a iniciar programas médicos nessa língua), ele, que já havia sido aprovado no mesmo curso em faculdades brasileiras, foca na experiência de viver sozinho o grande prazer da empreitada. ;Acho que 18 anos é uma boa época para se criar asas. A medicina poderia ser exercida aqui, só que a distância vai me obrigar a sair da minha zona de conforto.;
A descoberta se deu por meio do Correio Braziliense. O pai viu o anúncio do curso e perguntou ao filho, que já tinha o desejo de estudar fora do país, o que ele achava de ir viver na terra dos czares. Apesar de conhecer pouco além do que é ensinado nos livros de história, Rafael encarou o processo seletivo. ;Enviei meu histórico escolar, cartas de recomendação de professores, meu diploma de inglês e ainda passei por uma entrevista. Foram três meses até a chegada do e-mail que confirmou minha seleção;, lembra.
A tensão deu lugar ao êxtase e, apesar da distância física, o sorriso do adolescente segue indestrutível. Nem mesmo a possibilidade de enfrentar temperaturas que podem chegar a 20;C negativos o assusta. ;Essa é uma temperatura branda para os padrões russos;, desconversa. Quem não esfria de tensão são os pais de Rafael. ;Para mim, é muito difícil. Ele é muito carinhoso e a mãe sente muito essa síndrome do ninho vazio. Mas dou a maior força porque ele tem que buscar o próprio caminho;, diz a mãe do jovem, a funcionária pública Maria Emília Pereira Guimarães, 52 anos.
O pai, embora orgulhoso da capacidade do filho, não esconde que sentirá muita saudade do rapaz. ;Durante todo o tempo que o Rafael está conosco fizemos a nossa parte e ele conseguiu corresponder a tudo que esperávamos. Isso nos deixa muito felizes, porque o que ensinamos está fazendo dele um adulto;, afirma. Rafael sabe o quanto lhe fará falta o carinho familiar e fraternal, mas sua vontade de seguir é maior. ;Daqui a seis anos, a única certeza que tenho é que não serei essa pessoa que está aqui. Serei bem diferente;, completa. Na ;caixinha de segredos que é a juventude;, a coragem dele surpreende.
Rafael, claro, não vai desamparado. Seus pais bancam a passagem e sua alimentação durante o curso. Já a universidade garante todas as aulas e cursos, despesas com moradia, água e luz, além dos caros livros de medicina. Para o jovem, valerão o esforço em aprender e as possibilidades que um país e uma cultura desconhecida oferecem. ;Espero encontrar um povo maduro, pois, nos últimos 150 anos, eles passaram por muitas experiências, inclusive o comunismo. E também quero ver muita história. O prédio da universidade, por exemplo, é uma fortificação do ano 1000;, diz, entusiasmado. É lá que ele pretende desenvolver estudos centrados em neurologia, nefrologia ou pesquisa epigenética.
A escolha
De acordo com Carolina Telléz, diretora do departamento de seleção da Aliança Russa de Ensino Superior, os estudantes são escolhidos a partir da qualidade dos seus currículos; ou seja, qualquer um pode se inscrever nos muitos programas de graduação e pós-graduação que são oferecidos na parceria entre a instituição e as universidades. ;Eles precisam estar no fim do ensino médio e ter até 25 anos. E vão se misturar com alunos do mundo inteiro, já que os programas não são só para o Brasil;, explica a diretora.
A Universidade Estatal Médica de Kursk (KSMU), para onde Rafael vai, foi fundada em 1935. A KMSU está entre as 10 melhores faculdades de medicina na Rússia, sendo a pioneira em programas médicos de graduação em inglês. É reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, pela Red Cross Internacional e pelo Conselho Geral de Medicina (GMC.) dos principais países europeus, incluindo Grã- Bretanha e França.
;Ao fim do curso, esses estudantes podem levar de volta aos seus países o melhor que a Rússia tem a oferecer, que é a educação;, resume Carolina. E com o aval da Declaração de Bolonha, o diploma de medicina vale em toda a União Europeia. Para que Rafael exerça a profissão no Brasil, no entanto, será necessário fazer uma prova para mostrar que seus conhecimentos médicos são praticáveis na sua língua.
Ensino integrado
A Declaração de Bolonha é um documento assinado por 29 ministros da educação europeus, criando a Área Europeia de Ensino Superior, que estabelece o comprometimento dos países signatários em promover reformas dos seus sistemas de ensino visando uma aior integração.