Além de não existir almoço grátis, como alertam os economistas e como defendia o prêmio Nobel Milton Friedman, também está cada vez mais difícil receber um orçamento livre de custos. Apenas para saber qual é o problema e o que será feito para consertar um carro, um computador ou uma máquina de lavar, por exemplo, o consumidor pode desembolsar de R$ 10 a R$ 500. A taxa cobrada recebe diversos nomes, como consulta técnica, visita ou diagnóstico. No fundo, a justificativa é a mesma: fazer valer o tempo do funcionário que se dedicou a encontrar o defeito. Algumas empresas alegam que preferem poupar o cliente da cobrança inicial, como forma de conquistá-lo. No entanto, muitas outras acreditam que cobrar é uma forma justa de se proteger da má-fé do público em geral.
Concessionárias como a Welt Motors, que presta serviços aos proprietários de BMW na cidade, e a Brasília Motors, que atende donos de veículos da marca Mercedes-Benz, cobram de R$ 230 a R$ 500. Nas duas lojas, os donos asseguram que o valor só é aplicado quando o cliente não aceita fazer o conserto indicado. O método deveria inibir que outros mecânicos ou os próprios consumidores façam mal uso do diagnóstico técnico. ;Gastamos de R$ 60 mil a R$ 70 mil por ano para manter os equipamentos e os funcionários atualizados. Não é justo que o nosso mecânico fique algumas horas trabalhando em um carro para que o cliente depois o leve em um centro automotivo qualquer. Afinal, temos custos operacionais;, justifica o gerente de pós-venda da Brasília Motors, Edvaldo de Souza Oliveira.
Boa-fé
Os próprios clientes parecem não se incomodar com a política da casa. Júlio Henrique, agropecuarista, diz que se importa apenas com o bom atendimento. ;Se for para pagar e ser bem atendido, então vale. Mas, na verdade, quem vem de boa-fé e vem para arrumar o carro aqui não tem de pagar;, defende. O gerente de pós-venda da Welt Motors segue a mesma linha na explicação. ;O nosso cliente é muito selecionado. Por isso mesmo, se não cobrarmos o diagnóstico a oficina ficará cheia o dia todo sem que nenhum serviço seja autorizado;, completa.
O presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), José Geraldo Tardin, diz que cobrar pelo orçamento é legal, contanto que o cliente seja informado antes de prestação de serviço. ;Eu mesmo já paguei R$ 90 para fazer uma avaliação do ar-condicionado do carro. Isso é comum. A visita ou diagnóstico de um técnico é como ir ao médico; por ocupar o tempo dele você vai ter de pagar. Além disso, a escolha cabe ao cliente e ele pode procurar alguém que não cobre;.
Foi esse o caso do servidor público Murilo Pinto: ;Me cobraram entre R$ 2 mil e R$ 3 mil para arrumar um defeito em um carro que valia R$ 15 mil reais. Quando pedi para ver o orçamento do serviço me cobraram R$ 70. Eu me neguei a pagar. Em outra loja, os mesmos R$ 70 custearam todo o serviço;, lembra. O mecânico e dono de oficina, Divino José de Souza, prefere não repassar o custo da avaliação a ser feita. Ele procura apresentar dois preços possíveis: um para o serviço completo e outro para que seja trocado apenas o necessário para fazer o carro funcionar. ;É um diferencial. O cliente fica satisfeito e vai se lembrar de mim na próxima vez ;, acredita.
Opções
Na loja de informática Superlab, a dinâmica é um pouco diferente. A funcionária Ludimila Cristina Souza conta que a avaliação do técnico é cobrada apenas quando se trata de uma visita na casa do cliente. Ainda assim, a quantia de praxe, R$ 65, pode ser descontada do valor do serviço caso o cliente feche o negócio. ;Ele acaba pagando só a mão de obra e a peça;, garante a atendente.
O servidor público Francisco Flávio Souza Júnior acredita que cobrar pelo pré-serviço tira a liberdade do consumidor. ;A gente deixa de procurar o lugar mais barato, porque acaba arcando com o custo de diversos orçamentos. É incorreto, afinal de contas o trabalho ainda nem foi feito;. O administrador Leonardo Cenci conta que nunca pagou por um orçamento e é radicalmente contra a taxação. ;Eu mesmo tenho uma empresa e estou mais interessado em fidelizar o cliente do que em cobrar por um serviço que muitos outros fariam de graça;.
Em outras lojas, a política é atrelar o preço do orçamento à distância percorrida para atender a clientela. É o caso da Brastemáquinas, na Asa Norte, que faz reparos em máquinas de lavar roupa, geladeiras e outros eletrodomésticos, conforme explica o gerente Adailton Pereira. ;Para quem mora no Plano Piloto não cobramos nada. Mas para ir a Sobradinho ou aos condomínios do Lago, por exemplo, cobramos de R$ 10 a R$ 15. Como temos menos clientes nessas áreas, o funcionário sai daqui especificamente para atender aquela pessoa;, justifica. Enquanto as empresas tentam escapar das possíveis armadilhas que as fariam gastar tempo e dinheiro, o consumidor também deve ficar atento para não sair prejudicado (ver quadro).
Fique atento
; Para ser legal a cobrança do orçamento, o consumidor deve ser informado antes de o serviço começar.
; Para evitar a taxa, dê preferência a consultas técnicas na própria loja, caso o aparelho danificado seja pequeno.
; Peças remanufaturadas não devem ser usadas no conserto sem o consentimento do proprietário. O preço desse material também não pode ser igual ao de um produto original.
; Antes de fechar qualquer negócio é ideal ter em mãos a nota de tudo que será feito, com os valores detalhados.
; As peças substituídas e defeituosas devem sempre ser entregues ao dono, a menos que ele não queira recebê-las.
PALAVRA DO ESPECIALISTA
Cliente deve ser avisado
O fornecedor é obrigado a apresentar o orçamento prévio à prestação de serviço, para a segurança do consumidor. Nele deve estar o valor total que será gasto, conforme o Código de Defesa do Consumidor. No entanto, em alguns casos específicos, em que o fornecedor necessite deslocamento ou precise desempenhar mão de obra no intuito de avaliar o serviço que será prestado, o orçamento poderá ser cobrado. É imprescindível que essa cobrança seja informada previamente, com a concordância do consumidor. Se a informação vier somente após a conclusão do serviço cabe reclamação ao Procon e/ou à Justiça. Além disso, caso as partes não estabeleçam prazo diferente, o orçamento terá validade de 10 dias a partir do recebimento pelo consumidor. Após a aprovação, o orçamento não poderá mais ser alterado e deve ser cumprido integralmente pelo fornecedor. Nenhuma nova cobrança pode ser feita, a não ser que haja negociação e expressa autorização do consumidor. Serviços realizados por terceiros, que não estejam previstos, também não podem ser cobrados. É importante lembrar que, independentemente da recusa em efetuar o pagamento exigido para a realização do orçamento, o produto deve ser obrigatoriamente restituído ao consumidor.
Mariana Ferreira Alves, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)