Técnicos de diversos órgãos se reúnem hoje para avaliar a estrutura da Ponte JK. Mas o governo já admite a falta de manutenção do cartão-postal, inaugurado há oito anos. Ele espera apenas o parecer dos engenheiros sobre a gravidade do desnível nas seis pistas, que levaram à interdição do tráfego por seis horas ontem, para tomar outras medidas. As restrições no trânsito duram pelos menos até amanhã, quando deverá sair um laudo. Até lá, somente veículos leves poderão passar pelas vias suspensas que ligam a L4 Sul à QL 26 do Lago Sul, com velocidade máxima reduzida de 60km/h para 40km/h.
A identificação da fissura na terceira e maior nova ponte sobre o Lago Paranoá ocorreu por um acaso. Bombeiros haviam sido acionados por volta do meio-dia em função de um acidente ocorrido na QI 26 do Lago Sul. Enquanto socorriam o motorista de um caminhão tombado, um ciclista procurou os militares dizendo ter sentido fortes oscilações na estrutura da ponte. Os bombeiros constataram as vibrações e chamaram a Defesa Civil e técnicos da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) após encontrarem a dilatação quase no meio da construção. Logo policiais militares e agentes do Departamento de Trânsito (Detran) interromperam o tráfego de veículos.
Engenheiros da Novacap, da Universidade de Brasília (UnB) e técnicos da Defesa Civil detectaram o desnível no piso da ponte de imediato, mas evitaram alarmar a população. ;Encontramos um desnível entre 3cm e 4cm. O ideal é que a dilatação seja mínima, ou seja, zero. Seria grande se estivesse entre 8cm e 10cm. Só teremos noção exata dessa dilatação após a inspeção de amanhã (hoje);, afirmou o professor Guilherme Sales Melo, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB. A ponte passará por um monitoramento de 48 horas, a contar do meio-dia de ontem. Nesse período, os engenheiros percorrerão todos os pontos da construção, inclusive o interior dos arcos e do vão sob o asfalto.
Especialista em patologia de estruturas e professor de engenharia civil da UnB, Dickran Berberian afirmou ter identificado problemas na ponte há algum tempo. ;Há três meses, avisei a Novacap que os cabos de aço estavam cedendo. Em alguns pontos, eles cederam 10 centímetros;, contou. Ele explicou que a ponte é sustentada pelas cordas de aço esticadas por macacos hidráulicos, e, como uma corda de violão, um aparelho de apoio segura o cabo. ;Se ele ceder, a ponte cai. Vou examinar por baixo (da estrutura) se há um apoio especial, o que seria menos grave. O problema se agrava se for na parte de cima;, explicou. A manutenção evitaria qualquer problema, de acordo com o especialista. ;Uma estrutura como essa deve passar por vistoria a cada três anos;, observou.
Recuperação
Apesar das restrições de circulação de veículos pesados e de diminuir a velocidade para os veículos leves sobre a ponte, o presidente da Novacap, Maurício Canovas, fez de tudo para minimizar o problema. ;A estrutura da ponte não está comprometida;, afirmou ele em entrevista coletiva no fim da tarde. No entanto, Canovas admitiu que o plano de manutenção dela não foi seguido nos quatro anos do governo anterior. ;Não temos a ideia de quando foi a última vez que a JK passou por manutenção. Se fosse falha de engenharia, ela teria sido detectada no primeiro ano de funcionamento;, comentou. Sem dar detalhes, garantiu haver um projeto de licitação para a recuperação da ponte.
No cargo há 20 dias, o secretário de Obras, Luiz Carlos Pitmam, garantiu concluir esta semana a licitação para contratar a empresa que fará a manutenção da ponte. ;No dia 3, o governador Agnelo Queiroz pediu à Secretaria de Obras e à Novacap para fazer o monitoramento;, contou, sem, no entanto, dizer o valor previsto e a duração do tal contrato. Segundo dados do Detran, cerca de 30 mil veículos circulam diariamente nos dois sentidos da Ponte JK, que custou quase R$ 190 milhões, cinco vezes acima do valor inicial.
Sensores
Presidente da Novacap à época da construção da Ponte JK, o engenheiro Luís Elmar Koenigkan declarou, durante a inauguração da obra, que a reação da estrutura era uma incógnita. ;Ninguém conhece ainda como se dará o funcionamento dessa ponte;, afirmou. Por esse motivo, explicou Elmar, a ponte seria monitorada por três anos. Sensores seriam instalados em todos os estais e nos pontos de carga mais importantes. A finalidade seria verificar se os cálculos estruturais estavam de acordo com o comportamento da ponte. Como declarou o atual presidente da Novacap, não se sabe ainda se houve tal monitoramento. Por meio da assessoria de comunicação, a Via Engenharia, responsável pela obra da Ponte JK, informou que só se pronunciará a respeito da fissura após o laudo. A assessoria não soube dizer se havia a orientação de realizar a manutenção da estrutura de tempos em tempos.
MEMÓRIA
Prêmio e denúncias
A Ponte JK começou a ser construída em meados de 2000, na gestão de Joaquim Roriz. A estrutura de 1,2 quilômetro de cumprimento e 40 metros de altura foi inaugurada em 15 de dezembro de 2002, após ter a data de entrega adiada três vezes. Além de ter ostentado o título de mais bela ponte do mundo ; o projeto de Alexandre Chan recebeu o prêmio Gustave Lindenthal Medal na Conferência Internacional de Pontes, em 2003 ; a estrutura monumental, erguida por um consórcio liderado pela Via Engenharia, ficou conhecida também por seu custo. O governo pagou R$ 186 milhões, quase cinco vezes mais do que a estimativa inicial. A cifra chamou a atenção do Ministério Público, que acusou Roriz de desvio recursos da saúde para as obras da ponte e de superfaturamento dos materiais. Técnicos do Tribunal de Contas do DF detectaram preços de materiais até 500% mais caros que o valor de mercado. Apesar disso, nenhum centavo retornou aos cofres públicos e ninguém acabou condenado.