O futuro do Hospital Regional de Santa Maria continua incerto. Encerra amanhã o contrato firmado com a Real Sociedade Espanhola Beneficência, responsável há dois anos pela gestão da unidade de saúde. A apenas um dia de os serviços saírem das mãos da entidade, falta uma definição sobre como ficará o atendimento. Os mais de 150 funcionários contratados pela organização social não sabem se vão continuar no posto ou se serão substituídos por outros profissionais. A incerteza provocou um efeito cascata e os médicos não mais atendem pacientes com necessidade de internação tanto no centro obstétrico quanto na emergência. Quem chega em estado grave recebe o atendimento emergencial, mas acaba transferido para outra unidade de saúde. O Governo do Distrito Federal (GDF) informou que evitará o fechamento do hospital, apesar de não divulgar uma solução.
[FOTO2]Na portaria do Centro Obstétrico, uma placa alerta as gestantes sobre a incapacidade de interná-las. Assim, quem chega em busca de socorro é orientado a procurar outro hospital da rede pública de saúde. Foi o que aconteceu com a dona de casa Andrea Natal de Jesus, 24 anos. Grávida de nove meses e sentindo contrações a cada cinco minutos, a jovem procurou pela segunda vez um hospital público para fazer o parto. Moradora da Quadra 308 de Samambaia, Andrea caminhou durante uma hora, cerca de quatro quilômetros, para chegar ao hospital. A peregrinação foi em vão. Esperou cerca de 10 minutos para ser atendida e o mesmo tempo para deixar o local. A gestante estava ofegante, com dor nas costas e na barriga. Foi recebida por uma ginecologista, que não realizou um exame detalhado. A médica constatou 2cm de dilatação e disse à paciente que eram necessários 4cm para o parto normal.
Andrea vai dar à luz o quarto filho, uma menina que deverá se chamar Jussara. No cartão de atendimento, consta que ela tem eclampsia, uma complicação da gravidez caracterizada por convulsões. A jovem estava acompanhada da cunhada Nayane Araújo da Silva, 16 anos, grávida de três meses. ;Fui andando para o hospital porque um médico disse que eu precisava andar para dilatar logo. Pensei que ia ficar internada e não pegamos nenhum dinheiro para voltar de ônibus;, disse a dona de casa, sem tirar a mão da barriga.
No último domingo, ela esteve no Hospital Regional do Gama, onde médicos fizeram uma avaliação e constataram os mesmos 2cm de dilatação. ;Estou passando mal há três dias, o bebê não nasce e ficam me jogando de um lado para o outro. No hospital de Santa Maria, foi a própria médica que fez a minha ficha. A outra médica disse também para eu esperar ter sangramento e só depois ir para o hospital do Gama. Minha gravidez não está normal;, avaliou.
Solução
Quem queria se consultar também teve de contar com a boa vontade dos médicos. Recém-operada, a vendedora Fabrícia Martins, 24 anos, voltou ontem ao Hospital Regional de Santa Maria. O local onde foi feita a sutura infeccionou. ;A recepcionista disse que o médico pode me atender ou não. Isso é uma pouca vergonha para um hospital desse tamanho;, revoltou-se. Por meio da assessoria de imprensa, a direção da unidade de saúde disse que os problemas ocorrem por conta da indefinição com o contrato firmado entre o governo local e a Real Sociedade Espanhola.
No início da tarde de ontem, o secretário de Saúde do DF, Rafael Barbosa, se reuniu com técnicos do próprio órgão. Segundo a secretária de Comunicação Social do DF, Samanta Sallum, o governador Agnelo Queiroz, além de Barbosa, passaram a semana concentrados com o Ministério Público, o Tribunal de Contas do DF e a Procuradoria do DF para buscar uma solução. ;É mais um problema herdado da gestão Arruda. Agnelo está empenhando todos os esforços para garantir a normalidade do atendimento em Santa Maria. O hospital não vai parar;, garantiu. Ela disse que até amanhã será definida uma estratégia para contornar a situação do centro hospitalar.
O Correio entrou em contato com o advogado da Real Sociedade, Renato Sampaio. Ele disse que não há interesse em continuar o convênio com o GDF, apesar de afirmar que existe disposição em prorrogar o contrato. ;Sabemos que o tempo de transição foi muito curto para resolver a questão e a Real Sociedade aceita colaborar com a prorrogação do contrato para que o hospital não pare;, alegou. No ano passado, porém, o governo local negou existir uma dívida de R$ 22 milhões com a entidade e determinou uma intervenção (leia Linha do tempo).
FLAGRADO COM FACA EM HOSPITAL
Um homem acabou preso em flagrante após tentar entrar no Hospital Regional de Santa Maria com uma faca. O incidente ocorreu na tarde de ontem. Ivan Charles Ferreira, 39 anos, pretendia visitar o irmão, que tinha sido baleado dias atrás. No posto policial do hospital, ele disse que carregava a arma para se defender de um possível ataque dos mesmos criminosos que atiraram contra o irmão dele. Ivan foi encaminhado para a 33; Delegacia de Polícia, em Santa Maria.
Linha do tempo
2009
27 de janeiro ; A Secretaria de Saúde do DF assina contrato com a Real Sociedade Espanhola de Beneficência, uma organização social com 124 anos de experiência. Em Salvador (BA), administra o Hospital Espanhol. O extrato do contrato é publicado no Diário Oficial do DF. Aponta duração de dois anos de serviço (até janeiro de 2011). Durante esse tempo, o governo deveria repassar R$ 222 milhões para a Real Espanhola. Assim, a gestão do Hospital Regional de Santa Maria
fica orçada em mais de R$ 11 milhões por mês.
15 de abril ; O Ministério Público do DF considera ilegal o contrato firmado pelo governo com a Real Sociedade Espanhola sem processo licitatório. A promotora Cátia Gisele Vergara entra com ação civil pública na Justiça do DF e pede a imediata suspensão do acordo.
20 de abril ; O Tribunal de Justiça do DF suspende o contrato de gestão assinado pelo GDF e a Real Sociedade Espanhola para a administração do Hospital Regional de Santa Maria. A decisão, em caráter liminar, é dada pelo juiz Donizete Aparecido da Silva, da 8; Vara de Fazenda Pública. No entendimento do magistrado, o contrato com a entidade seria inconstitucional por repassar à iniciativa privada a gestão do atendimento à saúde, além de ter sido assinado sem licitação. A decisão atrasa a inauguração do hospital e proíbe o repasse de qualquer recurso público para a execução do contrato, sob pena de pagamento de multa diária no valor correspondente a 10% do eventual repasse.
23 de abril ; A Secretaria de Saúde do DF entra com recurso e cassa a liminar da 8; Vara de Fazenda Pública do DF. Assim, o Hospital Regional de Santa Maria abre as portas para atender a população após um ano da inauguração das instalações. Mas apenas o ambulatório e os laboratórios de análises clínicas e imagens funcionam.
2010
13 de agosto ; É o início da crise. A Real Sociedade Espanhola encaminha ofício para a Secretaria de Saúde do DF a respeito da situação do Hospital Regional de Santa Maria. No documento, o ex-superintendente da organização Evandro Teixeira descreve a situação como grave e alerta sobre a possibilidade de haver mortes de pacientes, principalmente na UTI. O motivo do alarde seriam os constantes atrasos nos repasses mensais feitos pela Secretaria de Saúde do DF. O dinheiro serviria para pagamento de pessoal e compra de produtos básicos para manutenção do serviço. À época, a dívida seria de R$ R$ 22.832 milhões.
9 de novembro ; O ex-governador do Distrito Federal Rogério Rosso anuncia um decreto de intervenção imediata no Hospital Regional de Santa Maria. A ex-secretária de Saúde do DF Fabíola Aguiar não reconhece a dívida com a Real Sociedade Espanhola e indica como interventor Cláudio Bernardo Pedrosa de Freitas, atual diretor do Hospital Regional de Samambaia e professor na Universidade de Brasília (UnB). Ele fica com a missão de coordenar um grupo de oito pessoas da Secretaria de Saúde do DF e levantar detalhes sobre o funcionamento do hospital na época da Sociedade Espanhola.
2011
10 de janeiro ; A Secretaria de Saúde do DF começa a selecionar profissionais de saúde para prestação de serviço temporário no Hospital Regional de Santa Maria. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros profissionais de diversas especialidades encaminham currículo para o governo local.