Jornal Correio Braziliense

Cidades

Professor brasiliense dará aula de história do direito português em Coimbra

Uma das faculdades de direito mais tradicionais e antigas do mundo recebe este ano um professor com formação na moderna capital brasileira. Nascido e criado em Brasília, Ibsen Noronha, 42 anos, atravessa o Oceano Atlântico em fevereiro para ensinar história do direito português aos lusitanos. Apaixonado pelo saber, Ibsen é o primeiro mestre nascido em terras brasileiras a lecionar na Faculdade de Direito de Coimbra nos últimos dois séculos. Isso porque a marca brasileira já se fizera notar naquela universidade, em 1770, quando Francisco Lemos de Faria Pereira Coutinho alcançou o posto de reitor. Por enquanto, o novo contratado brasileiro em terras portuguesas começa com contrato de dois anos como professor convidado.

Noronha sempre soube que queria seguir o caminho acadêmico. Como professor, sempre ministrou disciplinas teóricas, como introdução ao direito e filosofia do direito. Poucos entenderam a escolha corajosa do professor. Morador da capital federal, ele destoa do perfil criado nos últimos anos aqui ;não é considerado ;normal; um conhecedor das leis não se interessar em prestar um concurso público. ;Meus alunos sempre me perguntavam se eu trabalhava em alguma coisa ou se só dava aulas. Não sei se há preconceito, já que eles sabem que os professores são muito mal remunerados. Fiz voto de pobreza;, brinca.

Noronha explica que sempre apreciou o meio universitário, assim como lidar com a juventude. O gosto pelo ensino também vai além da vontade de lidar com alunos: para o professor, as universidades brasileiras têm uma grande preocupação em formar técnicos para o mercado de trabalho, mas menosprezam o poder do ensino filosófico para a formação humanística. A formação teórica teve início graças aos anos de estudo na Universidade de Brasília, onde ele se formou em 1993. Noronha retribuiu o conhecimento que acumulou na instituição anos mais tarde, quando atuou na universidade como professor substituto.

O objetivo do jurista parece ser mesmo o de se igualar aos mestres ; nas duas instituições em que estudou, Noronha veio a compor, tempos depois, o quadro de docentes. A Faculdade de Direito de Coimbra foi onde ele fez o mestrado em história do direito português, concluído em 2002. Assim como ocorreu na UnB, o professor retorna à instituição centenária para dar aulas a convite dos graduados que antes lhe passavam conhecimento. Desta vez, a mudança para o continente europeu é mais fácil. Noronha leva consigo a mulher, Joana, médica pediatra que conheceu durante os estudos em Portugal e com quem vive há oito anos no Brasil.

Novos ambientes
Embora possa parecer um choque a mudança repentina para uma cidade localizada a quase 7.500 quilômetros da capital em que morou por quase quatro décadas, Noronha diz não ter problemas com o novo cenário. Segundo ele, as diferenças culturais são muito bem-vindas. ;Minha formação é complemente europeia, e qualquer brasileiro que vai a Portugal se sente em casa;, garante. Graças à estada anterior no país, até as diferenças de sotaque já foram superadas. Do calor tropical, ele diz que não sentirá falta. Conta que lecionar nas antigas salas sob um frio de 10;C não será problema. ;Sempre gostei do frio, porque sou muito guloso, afinal o clima me dá mais fome. Mas espero que o único peso que eu ganhe seja o cultural.;

Quanto ao método de ensino, o mestre nem precisou se adaptar. Admite identificar-se mais com a disciplina das instituições à moda antiga, como a Universidade de Coimbra. ;O estudo acadêmico em Portugal é de uma seriedade exemplar para toda a Europa. Há uma disciplina de pensamento invejável, que o Brasil deveria ter como exemplo;, compara. Mas o mestre destaca que a visão alegre do brasileiro no continente europeu é muito apreciada. Na opinião do professor, muitas características que destacam os brasileiros dos portugueses se devem à miscigenação, principalmente com os povos indígenas.

O professor ainda não sabe dizer se os alunos de Portugal são mais atentos que os brasileiros, mas ressalta a diferença entre as instalações de Brasília e as de Coimbra. Enquanto a universidade local foi projetada há apenas cinco décadas, a de Portugal vem formando mentes há cerca de sete séculos. No acervo da fabulosa biblioteca da faculdade lusitana, até mesmo a história do direito brasileiro é contada com detalhes.

Quem conversa com Noronha nota que algumas expressões do falar português já se infiltraram sorrateiramente no vocabulário do professor ao longo dos últimos anos. Ele também afirma que os alunos não terão dificuldades em compreender suas lições: explica que é mais simples um português entender um brasileiro do que o contrário. ;Nós falamos um português mais próximo do que se falava no século 16, na época do Descobrimento. Nossas expressões são arcaicas;, ensina.

FACULDADE CENTENÁRIA
; Oficialmente, a Faculdade de Direito de Coimbra foi criada em dezembro em 1836, mas ainda assim muitos consideram a instituição uma das mais antigas do mundo. O título veio dos dois centros de ensino que foram substituídos por ela: a Faculdade de Cânones e a Faculdade de Leis, que existiam desde o século 13. O centro de ensino superior faz parte da Universidade de Coimbra, uma das maiores de Portugal, com cerca de 23 mil alunos. Entre os formandos famosos da universidade, estão Eça de Queiroz e Luiz Vaz de Camões.