Lideranças comunitárias do Areal, região incorporada a Águas Claras, organizaram ontem um abaixo-assinado pedindo a remoção do Albergue Conviver. Segundo relato de moradores, a violência na cidade está diretamente associada ao estabelecimento que hospeda sem-tetos de todas as partes do Distrito Federal e do país. Eles reclamam que a presença dos albergados tem, inclusive, desvalorizado os imóveis do bairro. Na avenida principal do Areal, muitas placas de venda estão espalhadas nas calçadas.
Um dos organizadores do manifesto, Luiz Cláudio Cezário, 39 anos, denuncia que a maioria das pessoas residentes do albergue tem ficha de antecedentes criminais ou são foragidos da Justiça. Ele reclama que a direção do órgão não tem um controle efetivo sobre essa população. ;Só através do Linha Direta (extinto programa da Rede Globo que relembrava casos de autores de homicídios foragidos) a polícia prendeu dois assassinos de altíssima periculosidade. Eles estavam andando no meio da população, como cidadãos comuns, porque a direção não troca informação com outros órgãos;, reclamou.
Luiz Cláudio carrega no corpo 11 cicatrizes provocadas por uma faca. De acordo com ele, o autor da agressão é um albergado, que o assaltou há cerca de quatro anos. ;Eu estava saindo do mercado quando três homens me abordaram Um deles, que depois eu descobri ser albergado, começou a me esfaquear sem eu nem ter reagido. Parecia estar sob efeito de drogas ou álcool;, relembrou.
A aposentada Guiomar Duarte Sá, 60 anos, conta que desistiu de ter interfone em casa. ;Eles tocam o interfone toda hora pedindo dinheiro. Se você der para um, todos querem também. Da última vez, eles tocaram tanto que o interfone quebrou. Não vou mais arrumar para ver se tenho um pouco de sossego.;
Entre os comerciantes, a insatisfação é ainda maior. O dono de uma mercearia no centro do Areal Ricardo Rodrigues, 31 anos, diz que o movimento no seu estabelecimento cai bastante nesta época do ano, quando o albergue está lotado. ;Os clientes são coagidos a dar dinheiro e preferem pegar o carro e sair da cidade para fazer compras em outro lugar do que ter que passar por esse constrangimento. Eu acho que o albergue deve existir, mas em uma área longe da cidade;, disse.
Social
O diretor do Albergue Conviver, Alisson Pereira, interpreta as críticas dos moradores como um preconceito com os mais carentes. Segundo ele, a população local espera que a casa tenha o mesmo aspecto de um sistema prisional, restringindo as saídas dos albergados, mas, pelo caráter social do albergue, esse modelo não pode ser adotado. ;O albergue é estigmatizado pelos moradores também por conta da especulação imobiliária, mas eu tenho um olhar diferenciado. Ali é um lugar para garantir a proteção de quem necessita sem privá-los da liberdade. Não podemos encarcerá-los;, rebateu.
Ele também condena a associação da violência à presença dos albergados. De acordo com Pereira, o prédio que tem capacidade para abrigar 700 pessoas, foi construído antes da cidade. E lembrou que o Areal nasceu de uma invasão e tem características de violência que não estão relacionadas ao albergue. ;Com ou sem albergue, iria existir tráfico de drogas, assaltos e roubos aqui. E digo que a grande maioria dos crimes que acontecem aqui não é cometido por moradores do albergue, até porque 90% deles estão em trânsito em Brasília para resolver algum problema, ou procurando uma ocupação;, afirmou.
O administrador de Águas Claras, José Júlio Oliveira, reconhece o problema e diz que pretende discutir o assunto com a nova secretária da Sedest, Arlete Sampaio, nos próximos dias. ;A administração não tem poder para simplesmente tirar o albergue, até porque tem o caráter social. Mas podemos provocar o assunto, discutir uma remoção, ou outra alternativa, mas o fato é que realmente o albergue incomoda os moradores;, frisou José Júlio.
Abaixo-assinado
Os responsáveis pelo protesto pretendem recolher cerca de 20 mil assinaturas e entregá-las ao governador do DF, Agnelo Queiroz e à secretária de Desenvolvimento, Ação Social e Transferência de Renda (Sedeste), Arlete Sampaio, ambos do PT.