Jornal Correio Braziliense

Cidades

Mato alto engole a capital federal

Grama toma conta de monumentos, parques e placas de sinalização no Plano Piloto. Situação é pior nas demais cidades

No próximo sábado, Agnelo Queiroz (PT) será declarado governador do Distrito Federal. Além da transmissão do cargo, ele receberá do atual chefe do Executivo, Rogério Rosso (PMDB), uma cidade tomada pelo mato. Numa volta pelas Asas Sul e Norte e nas demais regiões administrativas é possível encontrar placas de sinalização, calçadas, parques infantis, praças e monumentos encobertos pela vegetação. Enquanto a maioria da população sofre com o descaso, nos arredores dos principais pontos turísticos, como o Palácio do Planalto e a Câmara dos Deputados, servidores do GDF trabalham intensamente para deixar Brasília bem apresentada para as posses de Dilma Rousseff e do próprio Agnelo.

O caos no DF se instalou em 22 de novembro, quando os servidores da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) decidiram cruzar os braços. A greve acabou no último dia 7. A expectativa dos brasilienses era que o governo montasse uma força-tarefa para acelerar a poda da grama nas cidades, mas o que se vê, 23 dias após o fim da paralisação, é uma tímida mobilização, incapaz de devolver a antiga paisagem das regiões do DF: com grama baixa e jardins bem cuidados.

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Na 406 Sul, até o futebol das crianças já não é mais o mesmo. O mato alto impede que a bola role sem desviar em algum obstáculo. As voltas de bicicleta pela quadra também podem ser arriscadas. Na semana passada, o estudante Pedro Paulo Borges de Souza, 9 anos, machucou o braço ao cair no meio da grama sem poda, próximo ao seu bloco. “Eu estava correndo e queria pular o mato para minha perna não ficar coçando, mas tropecei e caí”, contou o menino, que, com sua turma, reclama do abandono do local. “Sempre cortaram (o mato). Não sei por que agora eles pararam. A máquina deve ter quebrado”, imagina Pedro.

Alguns monumentos somem em meio ao mato. A redondeza da Igreja Nossa Senhora de Fátima, a Igrejinha, na 308 Sul, só não está em situação mais crítica porque os próprios moradores da quadra fizeram, recentemente, a poda do mato. O esforço, porém, não foi suficiente para limpar todo o local. Até as laterais da escadaria do templo desenhado pelo arquiteto Oscar Niemeyer são invadidas pela vegetação. Para piorar, há muito lixo espalhado em volta, assim como em todo o DF.

Caos
Fora do Plano Piloto, a situação é pior. Em Águas Claras, os motoristas têm a visibilidade prejudicada no balão que dá acesso ao Park Way. Os condutores precisam se esforçar para conseguir enxergar se vem algum veículo na outra pista. E quanto mais o mato cresce maior a chance de ocorrer acidentes graves. No Guará, o cenário é igualmente caótico. Na Avenida do Contorno, os amantes de caminhadas e corridas temem, inclusive, pela segurança. “Um bandido se esconde facilmente dentro de um mato deste tamanho. Além da falta de zelo, é extremamente perigoso caminhar por aqui, principalmente à noite”, reclamou a professora Cleonice Tarouco, 47 anos.

Nem mesmo um dos lugares mais nobres de Brasília, a Península dos Ministros, no Lago Sul, está livre do mato alto. O passeio do corretor de imóveis Gabriel Rios, 23 anos, pelo Parque Península Sul, já não é tão agradável como antes. Em alguns pontos, o mato chega a ultrapassar sua altura, que é de 1,85m. Para Gabriel, o fim do governo é o principal motivo da falta de cuidado. “Ninguém se importa em arrumar a cidade. Não é só aqui. Por todo lugar que ando, vejo mato e muita sujeira. É uma pena que a capital do país esteja numa situação como essa”, protestou.

No começo da semana, o governador Rogério Rosso (PMDB) determinou à GHF, companhia terceirizada responsável pela poda de grama no DF, que reforce as equipes para limpar as cidades. Os servidores da empresa também pararam em novembro durante a greve da Novacap. Segundo a GHF, ontem, entraram em operação 40 tratores, 18 máquinas especiais, 260 roçadeiras laterais e 50 serventes.


SUJEIRA
O problema do recolhimento do lixo no DF permanece sem solução no DF. A Delta assumiu o serviço no lugar da Qualix, por determinação da Justiça, mas a empresa não consegue atender à demanda. Apesar de o Serviço de Limpeza Urbano (SLU) do Distrito Federal garantir que a situação está normalizada, o que se vê em todas as cidades são lixeiras cheias de sacolas e ruas sujas.


Risco para moradores

O excesso de mato nos centros urbanos aumenta a chance de proliferação de animais peçonhentos. Foi o que ocorreu na semana passada, na 508 Sul. A aposentada Maria do Rosário Chaer, 58 anos, caminhava na altura do Espaço Cultural Renato Russo, quando se deparou com dois filhotes de cobra. A mulher ficou desesperada e chamou ajuda, mas quando dois servidores de um prédio chegaram ao lugar, as cobras já tinham desaparecido. “Elas foram para outro lugar e agora devem estar grandes, oferecendo perigo aos pedestres.”

A professora de zoologia da UnB Ivone Diniz alerta que, com o crescimento do mato, o número de abrigos para animais e insetos cresce. “Eles se sentem protegidos e a população acaba convivendo com ratos e baratas”, explicou. Ainda segundo a especialista, a situação é pior em locais próximos à mata e cerrado, pois, além de ratos e animais peçonhentos, o mato alto também pode esconder cobras.

Outro risco é a transmissão da dengue. “É perigoso porque o mato muitas vezes acumula lixo, vidros, recipientes, o que pode resultar em água parada. A única saída é fazer a poda, manter o mato baixo, para que animais e insetos fiquem um pouco mais longe”, ressaltou.

Na opinião do secretário-geral do Sindicato dos Servidores e Empregados da Administração Direta (Sindser), Cícero Rola, a Novacap não está dando conta das podas devido a uma falta de planejamento orçamentário. Segundo ele, a empresa terceirizou o serviço e gastou a verba destinada à poda nos meses de seca. “Eles gastaram, de maio a setembro, R$ 12,5 milhões com poda, em um período que só há necessidade de fazer um retoque. O gasto poderia ser bem menor”, disse. (SA)

Colaborou Luiz Calcagno


POUCO EFEITO
Depois que os servidores da Novacap encerraram a greve, o Governo do Distrito Federal (GDF) deu início à Operação Cidade Limpa, para a manutenção de áreas verdes e da operação tapa-buraco. No entanto, a força-tarefa parece não ter surtido grande efeito, principalmente nas regiões mais distantes do Plano Piloto.


ANÁLISE DA NOTÍCIA
Cenário indecente
Brasília vai entrar na nova década tomada pelo mato alto. Em todas as cidades do Distrito Federal, o retrato é de abandono e caos. Primeiro, uma greve dos funcionários da Novacap interrompeu os serviços de manutenção. Mas a paralisação foi suspensa há três semanas e, até agora, sobra mato alto e sujeira por toda parte. Nos últimos dias, até é possível ver uma ou outra equipe podando gramados, mas a ação se restringe a áreas centrais, como a Esplanada dos Ministérios, que no sábado será palco para a posse da presidente eleita, Dilma Rousseff, e o caminho para o aeroporto, por onde chegarão as autoridades que participarão da festa. Fora essas áreas “maquiadas”, as outras continuam uma indecência. Um cenário triste para a capital, que este ano celebrou timidamente seu cinquentenário, e que tenta sair de uma crise político-institucional sem precedentes. Com todo esse mato e lixo, fica difícil melhorar pelo menos a autoestima da população, que assiste revoltada ao abandono da cidade.