Dois meses e três dias se passaram desde que a representante comercial Bárbara Oliveira Carneiro, 23 anos, moradora da Octogonal, viu a irmã, Bruna Carneiro, 20, pela última vez. Bruna morreu em um acidente de trânsito provocado por um motorista alcoolizado. A jovem saiu de um bar na 403 Sul em 14 de outubro e pegou carona com um amigo. Segundo relatos, o condutor teria saído em alta velocidade e, na altura da 601 Norte, atingiu um poste, uma árvore e capotou. A passageira foi arremessada do carro e após ficar seis dias internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). O motorista saiu ileso e não fez o teste do bafômetro.
Bárbara mudou para a casa da mãe para amenizar a ausência de Bruna. ;Tudo lembra minha irmã. Todo mundo que era próximo dela ainda sofre. Sentimos muita falta dela;, contou. Completaram-se dois meses desde a morte de Bruna exatamente no dia em que a lei seca chegou aos 30 meses em vigor. Um balanço divulgado pelo Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) mostra que, apesar da tolerância zero à combinação álcool e direção, o número de autuações continua a crescer. Foram 9.563 de janeiro a 20 de dezembro de 2010. O número é 39% superior ao de todo o ano passado, quando o Detran registrou 6.838 autuações (veja arte).
A média diária de autuações foi de 27 condutores, mais de um por hora. Além disso, um quarto do total, cerca de 4 mil motoristas, foi flagrado com uma concentração de álcool acima de 0,3 miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões e responde criminalmente pelo comportamento. O Detran flagrou um total de 18.331 motoristas dirigindo sob efeito de álcool nos 30 meses de vigência da lei seca. O diretor de Segurança de Trânsito do órgão, Silvaim Fonseca, explicou que o álcool é um dos maiores vilões do trânsito nos últimos três anos. ;Quase 60% das mortes de trânsito foram causadas por causa do álcool;, disse.
Sinal vermelho
O número total de multas de janeiro a 20 de dezembro deste ano foi de mais de 1,83 milhão, 15,3% a mais que todo o ano passado, quando 1,51 milhão de motoristas foram autuados. Entre as infrações aplicadas que chamam a atenção, estão as multas pelo condutor ou o passageiro estar sem o cinto de segurança ; 48.782 no período contra 33.598 ao longo de 2009. A quantidade de condutores flagrados usando o celular também aumentou. Foram 41.134 contra 29.242 em todo o ano passado. Em contrapartida, multas aplicadas por avanço de sinal vermelho diminuíram de 236.677 em 2009 para 219.063 de janeiro a outubro de 2010.
De acordo com Silvaim Fonseca, o uso de celular na direção está entre os principais focos de combate do Detran. ;Essa infração, o consumo de álcool, o excesso de velocidade e o não uso do cinto de segurança são comportamentos que põem em risco a vida das pessoas. Grande parte daqueles que morrem em acidentes de trânsito, por exemplo, não usava o cinto de segurança. O Detran também está de olho nos motociclistas. Quatro em cada 10 não são habilitados;, disse. ;Quanto ao aumento no número de autuações, posso dizer que, em qualquer parte do mundo, é preciso que o Estado marque presença para o motorista não relaxar;, concluiu.
O técnico em informática Vagner Costa Eretti, 23, morador do Lago Sul, concorda que o uso do celular por condutores aumenta o risco de acidentes, mas, mesmo assim, admite que faz e recebe telefonemas enquanto dirige. ;Utilizo fone de ouvido, porque acredito que diminui o risco. O certo seria não falar, mas acho inevitável. Às vezes, ficamos presos no trânsito por mais de uma hora. Eu não vou perder um cliente porque estou no carro;, afirmou.
Para o instrutor de pilotagem da Força Nacional Henrique Neri Pereira, 40 anos, morador do Sudoeste, o motorista precisa ficar atento e cair na comodidade. ;Quando a pessoa vai para lugares próximos, não quer usar o cinto, mas um acidente pode ser fatal a 200 metros de casa. Não consigo sair de carro sem usar o cinto e meus filhos são obrigados a usar também. Em uma capotagem, por exemplo, a pessoa sem cinto é arremessada do carro;, alertou.
Eficiência
O aumento no número de autuações pode significar uma maior eficácia na fiscalização e não a piora do comportamento dos condutores. Quem diz isso é o professor de engenharia de tráfego da Universalidade de Brasília Paulo César Marques, para quem os fiscais devem apertar ainda mais o cerco contra os motoristas infratores.
O que diz a lei
A Lei Federal n; 11.705, de 19 de junho de 2008, conhecida como lei seca, veio para combater fortemente a combinação álcool e volante. A tolerância é zero e qualquer concentração de álcool no organismo deixa o condutor sujeito a punição. O artigo 165 define como infração gravíssima o ato de dirigir alcoolizado. O condutor flagrado no teste de bafômetro com até 0,29 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões é punido administrativamente com multa de R$ 957, perde sete pontos na carteira e ainda responde a processo de suspensão do direito de dirigir por um ano. Já de acordo com o artigo 306,caso o teste aponte um índice acima de 0,3 miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões, o motorista responderá administrativa e criminalmente por dirigir alcoolizado. Nesse caso, ele é detido e só sai da cadeia após pagar fiança, que varia de R$ 600 e R$ 2 mil. A legislação, no entanto, não obriga o motorista sob suspeita de embriaguez a soprar no bafômetro. A autuação ocorre, mas o processo criminal perde um importante subsídio.