Hora de ir para o trabalho. Congestionamento à vista e muita gente atrasada. Lá se vão pelo menos 30 minutos de espera. O motor do carro esquenta, a perna começa a doer de tanto controlar a embreagem e ainda aparece um espertinho querendo cortar a fila. Como assim? É a primeira coisa que vem à mente do motorista. E o estresse tem início. O primeiro encontra uma brecha e consegue passar, o segundo tenta ir no embalo e ainda por cima não liga a seta. Daí a paciência se esgota e a mão alcança a buzina. Começam os xingamentos e as trocas de olhares fuzilantes. Às vezes, ocorrem brigas ou coisa pior.
Situações como essa são comuns nas vias do Distrito Federal, onde a frota de veículos ultrapassou 1 milhão. O jeito é evitar sair de casa em horários de pico e buscar vias alternativas para evitar que o nível de impaciência chegue as alturas. De tão frequentes, momentos de estresse têm se transformado em um verdadeiro problema de trânsito na capital federal. Em 5 de dezembro, o técnico judiciário Daniel Trombine, 21 anos, levou um tiro na perna ao buzinar depois de levar duas fechadas de um desconhecido a bordo de um Fusion. O crime ocorre na altura da Galeria dos Estados, próximo ao Conjunto Nacional. "Eu emparelhei o carro para cobrar que ele dirigisse direito e daí ele apontou uma arma para mim. Ouvi o barulho e pouco tempo depois eu senti minha perna formigar", contou o jovem, um dia após ser liberado do Hospital de Base do DF.
Para o especialista em violência no trânsito e também professor de psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Hartmut Günther, o estresse no trânsito pode ser agravado por uma série de fatores, como desentendimento com familiares e problemas pessoais e profissionais. "Não justifica, mas se a pessoa teve um dia ruim, qualquer coisa que aconteça no trânsito pode fazer ela explodir", explicou. O educador acredita que, se as pessoas respeitassem as regras de convivência e aprendessem a lidar com as diferenças, as dores de cabeça no trânsito poderiam ser evitadas.
O mecânico Mário Augusto Pacheco, 37 anos, mora em Sobradinho, onde o trânsito é uma calmaria. Mesmo assim, vez ou outra ele precisa enfrentar congestionamentos na BR-020, rodovia que liga a cidade ao Plano Piloto. "Quando tenho que dirigir para Brasília ou Taguatinga, eu já saio de casa com um estoque bem grande de palavrões", admitiu. Mário relata que perde a paciência em várias situações, como, por exemplo, quando encontra um "lerdo" na faixa da esquerda. "Alguns acham que compraram a pista e têm o direito de atrapalhar a passagem do outro. Tem motorista que fica na faixa de velocidade a 80 km/h e, por estar no limite da velocidade, se acha no direito de ficar lá. Muitas vezes, ele está num carrão, com ar-condicionado ligado e, por estar com a vida ganha, acha que os demais também estão."
Críticas
Mesmo se irritando facilmente, Mário garante nunca ter levado uma multa de trânsito nos mais de 20 anos de carteira de habilitação. Ele avalia que, nos dias de hoje, é difícil encontrar motoristas que não respondam a uma provocação. "De vez em quando eu coloco a mão para o lado de fora do carro e falo: 'Olha, vai para a faixa da direita'. O problema é que ninguém aceita ser criticado", avaliou.
O motorista Janildo Soares, 34 anos, também admite não conter a raiva, principalmente quando alguns motoristas tentam cortá-lo em um congestionamento. "Perto da Rodoviária (do Plano Piloto) é um caos. Os ônibus ficam parando o trânsito e bloqueiam a via quando saem da rodoviária. Meter a mão na buzina é inevitável", disse.
A quantidade de motoboys dividindo espaço com motoristas também é um fator que pode alterar os ânimos. Um quer passar, e o outro quer mudar de faixa. Se não chegarem a um entendimento, a manobra de algum pode provocar um acidente. Mas nem mesmo aqueles que estão sobre duas rodas estão livres do estresse dos congestionamentos. A maioria tem que contar os minutos para não atrasar uma entrega e se arrisca em passar pelos corredores do carros. Devido à intolerância no trânsito e aos momentos de irritação, situações de motoboys que chutam carros e quebram retrovisores são cada vez mais comuns.
Dicas para evitar problemas
» Saia de casa com um bom tempo de antecedência para evitar atrasos;
» Escolha caminhos alternativos. Trafegar por avenidas movimentadas durante o horário de pico é aumentar as chances de se aborrecer.
» Se você acabou de ter um desentendimento em casa ou qualquer outro aborrecimento que tenha colocado em baixa a sua saúde mental siga para o seu destino de táxi ou de ônibus;
» Ouvir música é um recurso que deve ser bem pensado para não aumentar ainda mais o seu estresse. Evite manter o volume mais alto que o barulho da rua. Use as suas preferências e o bom senso para escolher o que escutar.
» Não fale no celular enquanto estiver dirigindo. Se a ligação for muito importante, encoste o carro e fale tranquilamente. A medida, além de correta, evita multas e acidentes.
» Seja óbvio. Conduza seu veículo de maneira previsível, sem acelerar, frear ou realizar manobras repentinas. Dirigindo de maneira constante, os demais motoristas serão capazes de antecipar o que você pretende fazer. Se for usar setas para virar ou trocar de faixa, por exemplo, faça isso com antecedência.
» Mantenha uma distância segura dos outros veículos. "Colar" no carro da frente, por exemplo, aumenta os riscos de acidentes e ainda irrita os condutores, sobretudo à noite, devido ao farol.
» Evite pressionar o outro condutor com sinais, como buzinas e farol alto, quando estiver muito próximo a outros veículos. Tente reduzir a velocidade e, se realmente necessário, faça os sinais de alerta apenas duas vezes.
» Dê passagem. A faixa da esquerda deve ser usada para ultrapassagens. Logo, evite trafegar por ela, prejudicando a passagem de veículos que estejam em velocidade superior à do seu veículo. Além disso, não ultrapasse pela direita, tão pouco pelo acostamento das vias.
» Se você cometeu algum erro no trânsito e recebeu reclamações de outros motoristas, evite reagir de maneira negativa, como buzinar, insultar ou frear de repente. Respire fundo, aceite as reclamações, deixe que o condutor exaltado ultrapasse você para, assim, seguir seu destino.
Educação, controle e música
A professora Anamari Ferreira, 32 anos, passou por maus bocados no trânsito. Levou fechada e enfrentou situações desconfortáveis nas vias do Distrito Federal. No lugar de revidar com xingamentos, farol alto ou de colar na traseira do motorista irritado, ela usa a técnica do não foi comigo. Ela simplesmente ignora provocações e, num congestionamento, liga o som e coloca uma música suave para relaxar. "A atitude de ser paciente e mais educada faz com que os outros ajam da mesma forma e sejam mais cordiais, por exemplo, na hora de ceder passagem", ensinou.
Todos os dias, ela sai do Guará para Taguatinga, mas não enfrenta longas filas. O problema mais comum para Anamari são os motoristas que andam em alta velocidade e entram na frente dos demais sem ligar a seta. "Às vezes, a gente se irrita, mas eu controlo os meus impulsos. Penso que não vai adiantar nada sair batendo boca por aí", destacou.
Outra que prefere manter a calma é a também professora Késia Elias Ribeiro, 41 anos. Ela mora em Águas Claras e dirige desde os 33. "Não vou ficar me estressando com um desconhecido. Quando estou com pressa eu não sou paciente, mas guardo o estresse para mim e não fico criando caso com os outros", disse. Segundo ela, usa a buzina só em momentos necessários, como para alertar o motorista ao lado. "Acho que a buzina só ajuda quando a pessoa não está me vendo e está invadindo minha faixa." Késia evita correr nas estradas, mas garante dar passagem para quem vem na faixa da esquerda. "Tudo é uma questão de bom senso. Não se resolve nada brigando e não vou ganhar nada com isso", ensinou.