Enquanto a empresa que assumiu a limpeza da cidade não acerta os ponteiros, o lixo se espalha pelas ruas do Distrito Federal. A sujeira consome áreas residenciais e não cabe mais dentro dos contêineres. No Recanto das Emas, reclama-se que as equipes de coleta não visitam a região desde a semana passada. A quantidade de sacos plásticos acumulados nas quadra 201 e 202 chegou a um ponto tão crítico que aproveitadores exploram a situação: uma dupla passou pela rua oferecendo R$ 2 para retirar o lixo da porta das casas. O Correio também flagrou o descaso no Plano Piloto e no Cruzeiro.
Segundo moradores do Recanto das Emas, o motorista conduzia um caminhão com a carroceria de madeira e um garoto a pé batia de porta em porta anunciando o serviço. A dona de casa Olindina de Andrade, 72 anos, contou que o veículo não apresentava adesivos ou qualquer outro símbolo que desse pistas de onde viria. ;Era azul, sem nada. A caçamba estava cheia de lixo;, descreveu. Inconformada, ela pagou os R$ 2 à dupla para ver a frente de casa livre das moscas.
Os vizinhos ficaram divididos entre aceitar ou recusar o serviço paralelo. A reportagem, ao passar pelos conjuntos das duas quadras, reparou que a fachada de metade dos imóveis estava livre de sacos plásticos. No restante, os resíduos descartados transbordavam das lixeiras. O técnico mecânico Ervenson da Silva Santos, 40 anos, foi um dos moradores que se recusou a pagar pelo trabalho. ;A coleta sempre foi pontual. Mas, há uma semana, a quadra está largada. O governo não faz o que tem de fazer e ainda aparece gente querendo se aproveitar;, reclamou.
O tratamento do lixo compete só ao Governo do Distrito Federal (GDF). De acordo com o diretor de operações do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), Expedito Apolinário Silva, a dupla que percorreu a 201 e a 202 agia de maneira irregular. ;Eles poderiam ser multados. Mas o SLU não tomou conhecimento desse fato. As pessoas têm de denunciar;, afirmou. Segundo ele, o Recanto das Emas é uma das cidades mais atingidas pela inconstância dos trabalhos. ;Na região, a coleta é alternada, ocorre três vezes por semana. Se o caminhão deixa de passar, ele encontra depois os resíduos de mais de quatro dias;.
Nem só os locais mais distantes sofrem com o embate judicial da limpeza urbana (leia Entenda o caso). Ontem pela manhã, restos de comida, mato alto e outros resíduos faziam parte da paisagem da 411 Norte. Segundo moradores, um caminhão passou pela região às 11h, mas só recolheu parte dos sacos plásticos. O restante ficou pelas esquinas e na rua. No Cruzeiro Novo, a vizinhança também se incomoda com a deficiência do serviço. ;O carro do SLU não passa desde segunda-feira, e a cidade fica com um aspecto de abandono;, denunciou Cristina Fernandes, 47 anos, moradora da Quadra 607.
Dificuldade
O SLU calculou que, até o fim da tarde de ontem, 40% do Distrito Federal contavam com o serviço em situação normal. O órgão garantiu que a coleta voltará ao normal, no máximo, até a próxima segunda-feira. ;Locais como Paranoá, Lago Sul, Riacho Fundo II e Sudoeste estão em dia;, enumerou Expedito Apolinário. Segundo ele, os caminhões voltaram ontem a entrar nas ruas do Recanto das Emas e no Cruzeiro. ;A nossa maior dificuldade é porque a mão de obra da Delta não conhece ainda muito bem o sistema do DF;, observou.
O diretor de operações do SLU explicou que, enquanto as equipes anteriores levavam 50 minutos para cobrir determinada área, os atuais funcionários passam mais de 1h30. A Delta Construção, à frente da limpeza urbana do DF, afirmou, em nota, que 1,5 mil pessoas foram contratadas para coleta e varrição. A companhia demonstrou interesse em readmitir os empregados da Qualix e da Valor Ambiental, antigas responsáveis pela coleta. ;Houve dificuldades na liberação deles e, por isso, acelerou-se o programa de contratação de pessoas no mercado de trabalho;, explicou o advogado da Delta, Gustavo Rocha.
Matagal
Além do lixo, o DF enfrenta os resultados dos 17 dias em que os funcionários da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) ficaram de greve. O mato alto está por toda a cidade. Depois que entraram em um acordo na semana passada, o Governo do Distrito Federal deu início à Operação Cidade Limpa para a execução da manutenção de áreas verdes e da operação tapa-buraco. A ação começou na Esplanada dos Ministérios e ainda tem reflexos tímidos no restante do DF.
Prejuízos
A Valor Ambiental ganhou o lote 2, mas antes era responsável também pelo lote 3. Em nota, a empresa acusa o SLU de ter cancelado o contrato que a autorizava a trabalhar no local e pela ;imediata contratação da Delta sem observar, inclusive, o devido processo legal;. Segundo a Valor, mais de R$ 10 milhões foram investidos na compra de caminhões, além da contratação de mil funcionários. Procurada pela reportagem, a Qualix Serviços Ambientais, que também executava a limpeza urbana do DF, preferiu não comentar o assunto.
ENTENDA O CASO
Briga antiga
Depois do julgamento dos recursos impetrados contra uma licitação de 2007, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) resolveu trocar o responsável pela coleta da maior parte do Distrito Federal. Assim, desde o último sábado, a Delta Construções ocupa a função de gestora do lixo na cidade. À época, a empresa enviou nota oficial em que garantia estar preparada para executar os trabalhos.
Concorrente da Delta, a Valor Ambiental ficou com o lote 2, que compreende áreas como Taguatinga e Ceilândia. A empresa, no entanto, é alvo de uma das maiores crises do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Promotores do órgão passaram a ser investigados pela Polícia Federal no desmembramento da operação Caixa de Pandora.
Em 14 de julho, uma equipe da Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão com respaldo do Tribunal Regional Federal. Na Corte, corre em segredo de Justiça um inquérito que investiga as empresas de lixo prestadoras de serviço para o GDF. As empresas são investigadas pela Procuradoria Regional da República por ligação em suposto esquema de pagamento de propinas no governo Arruda.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Sujeira em decomposição