Em 1962, a enfermeira e parteira Philomena Leporoni Mazzola fundou a Creche Núcleo Bandeirante. Sem apoio governamental, acolheu crianças em situação vulnerável que não podiam contar com o aconchego familiar. Muitas tinham casa, mas precisavam de cuidados durante o dia, enquanto os pais trabalhavam. Quase meio século depois, pouca coisa mudou. A instituição continua com as portas abertas à comunidade e sem convênio com órgãos públicos. Cada mãe paga o que pode para manter sua prole protegida enquanto sai à luta pelo sustento da família. Hoje, a casa atende 120 crianças de 4 meses a 6 anos.
Para cuidar de tanta gente pequena, a creche conta com 25 funcionários, entre cozinheiras, nutricionistas, professoras, pedagogas, monitores, auxiliares de serviços gerais e seguranças. As crianças assistidas passam a maior parte do dia na instituição. Chegam às 7h30 e voltam para casa às 19h ;diferentemente daquela época em que boa parte delas morava na creche. Lá, tomam café da manhã, almoçam, dormem, brincam, tomam banho, lancham e jantam. Os maiores ainda são alfabetizados. Além disso, participam de aulas de judô e de balé.
O trabalho é acompanhado de perto pela herdeira do legado deixado por dona Philomena, falecida em 2002, aos 99 anos. Áurea Mazzola, 55, assumiu a instituição criada com esmero pela avó. Quando necessário, ela usa parte dos proventos que recebe como professora e bancária aposentada para pagar as contas de água e luz ou fazer alguma compra.
A instituição não consegue firmar convênios com o Governo do Distrito Federal (GDF) porque não tem a escritura do terreno ocupado pela creche. A área é de propriedade da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap). ;Corremos o risco de sair daqui a qualquer a momento. Temos toda a documentação para fazer o cadastramento junto à Secretaria de Educação, mas não conseguimos por conta da escritura;, explica Áurea. A esperança dela é que o governador eleito, Agnelo Queiroz, dê mais atenção à causa.
Firmeza
Assim como a avó, Áurea não se abate diante das dificuldades e leva o trabalho adiante. ;Peço a Deus que me dê vida longa para cuidar dessas crianças;, diz. Ela conhece parte da vida de cada um dos 120 meninos e das meninas da creche, que a chamam carinhosamente de avó. Muitas escondem atrás do sorriso fácil, naquele ambiente saudável, histórias tristes de abandono e violência.
A cozinheira da casa, Vera Lúcia Ferreira, 50 anos, é o exemplo da importância desse trabalho de acolhimento. Órfã, ela chegou à Creche Núcleo Bandeirante aos 8 anos. ;Pensei muito antes de passar pela porta. Se não fosse a Philomena, não estaria hoje aqui: poderia ter virado uma prostituta ou uma moradora de rua. Graças a ela, consegui meu teto e hoje posso dar continuidade ao trabalho dela, cozinhando para essas crianças;, relata, sem conter o choro.
A organização é uma das 18 instituições assistidas pelo Correio Braziliense Solidário. A creche também recebe cestas básicas do programa Mesa Brasil do Serviço Social do Comércio (Sesc), pão e leite da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest). Fora isso, é mantida com o dinheiro das mensalidades ; que variam de acordo com a situação financeira dos pais ;, além dos recursos frequentemente disponibilizados pela diretora.
Para manter a creche mais confortável, melhorias precisam ser feitas. Áurea lista algumas delas: ;Precisamos de depósito para guardar os mantimentos, de uma brinquedoteca para que os pequenos desenvolvam melhor suas habilidades e de um refeitório;.
AS SEDES
; Na década de 1960, a creche funcionava em uma casa de madeira, no escritório da Viação Área de São Paulo (Vasp), no Núcleo Bandeirante. Em 25 de novembro de 1980, a instituição mudou-se para o local onde funciona atualmente, na Área Especial 2 da cidade. A nova instalação foi um presente das embaixatrizes da época. A casa ganhou o nome de sua idealizadora. Hoje chama-se também Creche Vó Philomena.
FUNDADA A PARTIR DE UM GESTO DE GRATIDÃO
Graças à garra de uma pernambucana de 65 anos, crianças e adolescentes que antes viviam nas ruas encontraram um lar. Maria da Glória Nascimento de Lima abriu as portas da própria casa para receber meninas e meninos abandonados. Chegou a abrigar 90 deles. ;Naquela época, não sabia nada sobre adoções. Só queria dar uma vida melhor àquelas pessoas;, lembra. Orientada pelos vizinhos e pela Justiça, fundou em 1984 o Lar da Criança Padre Cícero, em Taguatinga. Na verdade, apenas formalizou o trabalho solidário. Glorinha, como é chamada, continua morando com as crianças que acolhe.
Atualmente, 40 crianças vivem no abrigo. Os assistidos são alojados de acordo com a faixa etária. Os bebês ficam no 2; andar da casa, perto do quarto onde dorme Glorinha. Os maiores são divididos também de acordo com o sexo. As crianças são encaminhadas pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), ligados à Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest).
No abrigo, elas encontram toda a estrutura de uma casa familiar e recebem acompanhamento psicológico. ;Elas chegam aqui muito assustadas. Algumas pensam que foram presas. A nossa maior dificuldade é fazer com que elas entendam o que está acontecendo;, explica a psicóloga Daniela de Souza Batista. Embora seja conveniada à Sedest, a instituição depende de doações para realizar o trabalho social. O dinheiro do convênio não cobre gastos com gasolina e medicamentos, por exemplo. ;Nós precisamos ir às casa das famílias que pretendem adotar os meninos, precisamos acompanhar as crianças também depois que elas deixam o abrigo;, destaca Glorinha.
Instalações
Além do abrigo, o Lar da Criança Padre Cícero mantém a Creche Sonho de Criança, que atende 250 meninos e meninas de 6 meses de idade a 6 anos. Elas chegam à instituição por meio de uma triagem realizada pelos CRAS. São crianças de baixa renda e que vivem em risco social. As famílias não pagam nada pelo atendimento. A creche conta com sala de leitura, sala de vídeo e brinquedoteca ; esse último espaço construído com recursos do Correio Braziliense Solidário, que dá assistência a 18 organizações.
Manter o ambiente adequado para as crianças requer um trabalho intenso. A todo momento, uma parte do antigo prédio, cedido pelo GDF, precisa passar por reparos. Por isso, toda ajuda é bem-vinda. Devido à crescente demanda, a creche será ampliada. Ano que vem, serão mais 90 vagas. Mais crianças, mais gastos. ;As pessoas precisam ajudar não apenas no Natal, mas durante o ano inteiro. Mais do que presente, as crianças precisam de carinho;, diz Glorinha.
;Muitas pessoas precisam do nosso trabalho, mas nós não podemos suprir a necessidade de todo mundo. Eu tento fazer o que posso e não me frustrar por isso. Aqui, a criança em situação de risco está livre da violência doméstica e recebe estímulos necessários para se desenvolver de forma saudável;, conclui a diretora da casa. (MS)
Inspiração
A instituição leva o nome do padre que criou o pai adotivo de Maria da Glória Nascimento de Lima, fundadora do abrigo e da creche. Assim como a maioria das crianças que ajuda, Glorinha foi abandonada pelos pais ainda pequena: seu pai a deixou na porta da Igreja do Padre Cícero, no Ceará, quando ela tinha 3 anos e 7 meses.
COMO AJUDAR
Entre as principais carências da Creche Núcleo Bandeirante Vó Philomena, estão brinquedos pedagógicos e de plástico para os bebês e produtos de limpeza e higiene pessoal, como sabão em pó, desinfetante, papel higiênico, sabonete e similares.
Quem puder ajudar, deve ligar para 3386-2341 ou enviar um e-mail para filomenacrechevofilomena@yahoo.com.br.
Para ajudar o Lar do Padre Cícero ou a Creche Sonho de Criança, ligue para 3354-8290.