Jornal Correio Braziliense

Cidades

Descaso está presente nos dois lados da W3

O projeto de revitalização da avenida na Asa Sul, desenvolvido a partir de um concurso feito em 2002, não saiu do papel até hoje. Na área, sobram lixo e pichações, além de queixas tanto de moradores quanto de comerciantes

A W3 Sul é o reflexo do abandono. Pichações, calçadas quebradas, lixo, mato e buracos compõem o atual cenário da avenida, uma das mais antigas e tradicionais da capital da República. Realidade distinta da imaginada pelo urbanista Lucio Costa. O antigo programa de revitalização do local ainda não saiu do papel. Ele prevê a implantação do veículo leve sobre trilhos (VLT) no canteiro central. Entretanto, as obras do novo transporte estão suspensas. A Justiça questiona a regularidade do processo licitatório e os estudos de impacto ambiental e urbano do projeto. O governador eleito do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), prometeu, ainda durante a campanha, renovar a região.

Enquanto isso, moradores, comerciantes e frequentadores da W3 Sul testemunham a degradação nas duas margens da velha avenida. ;Eu vi quando isso aqui era maravilhoso. Como não havia shoppings em Brasília, fazíamos compras nas grandes lojas que havia aqui, íamos assistir a filmes no Cine Cultura. Apesar de ser movimentada, era uma avenida tranquila, sem crimes;, recorda-se a aposentada Enei Moura, 74 anos. Mineira de Araguari, Enei chegou à Quadra 703 Sul, onde mora até hoje, em 1973. Trinte e sete anos depois, a avenida descrita por ela parece outra. ;Meu muro vive pichado, já perdi as contas de quantas vezes tive que pintar. E também não temos mais aquele comércio como de antes;, compara.

Enei foi vencida pela insistência dos pichadores em manter o muro da casa dela sujo com palavras e desenhos sem sentidos. ;Eu desisti de pintar. Não sei como eles fazem isso e ninguém vê nada. Sinto uma revolta imensa em ver um bem que é meu ser destruído por uma pessoa que não tem respeito pelas outras. É um sentimento de invasão e ao mesmo tempo de impotência;, reclama.

Vizinho de Enei há 20 anos, o servidor público Ailton Nogueira, 58 anos, concorda com a aposentada. Ele também viu a W3 perder o posto de centro de compras do DF para se transformar em apenas uma via de acesso às quadras 700 e 900. ;A W3 Sul mudou muito ao longo dos últimos anos. Os carros tomaram as calçadas e estragaram os passeios;, reclama.

Com o abandono da avenida, muitas pessoas abriram mão de morar nas casas voltadas para a W3. A maioria dos imóveis virou pousada. Mais tarde, esses estabelecimentos comerciais foram obrigados a fechar as portas por estarem localizadas em área residencial ; o que fere as regras de zoneamento urbano de Brasília. ;Muitos ainda funcionam de forma discreta, bem camuflada. Mas a saída de boa parte delas melhorou a vida de quem mora nas 700;, avalia Ailton.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente (Seduma) informou que o projeto de revitalização da Avenida W3, desenvolvido a partir do concurso público realizado pelo GDF em 2002, prevê a implantação de calçadas mais acessíveis, a revisão do uso do solo e a implantação do novo sistema de transporte coletivo (o VLT). Mas, apesar de todos os estudos técnicos já terem sido feitos, falta a realização de uma última audiência pública para que a proposta seja enviada à Câmara Legislativa. Segundo a secretaria, isso deve ocorrer apenas no ano que vem.

Estacionamentos
O sapateiro Antônio Francisco Alencar, 70 anos, trabalha na W3 Sul há quatro décadas. Ele se lembra com nostalgia da época em que a avenida era a mais movimentada e chique da capital. ;Aqui era o grande shopping da cidade. Todos vinham fazer compras.; Sua loja atual, na Quadra 508, fica ao lado de vários imóveis fechados e pichados. ;Já ouvi falar dessa revitalização várias vezes, mas as coisas nunca avançam. Na minha opinião, o maior problema é a falta de estacionamentos. Não tem como esperar a clientela chegar se os motoristas não vão ter onde parar;, queixa-se o comerciante.

A falta de estacionamentos é, de fato, um problema crônico na W3 Sul. De um lado, os potenciais compradores não encontram vagas. De outro, os moradores das casas das 900 às margens da avenida reclamam que os espaços em frente à residência não são respeitados. Muitos fixaram placas de proibido estacionar em frente aos portões. ;É uma falta de respeito com a população. E não é só no estacionamento, não, toda a pista está com ondulações;, afirma o corretor de imóveis Alex Félix, 22 anos, morador de Vicente Pires. Antes de estacionar, ele se deparou com uma cratera no asfalto.

No fim da via, em frente ao Hospital Santa Lúcia, motoristas improvisaram um estacionamento rente ao canteiro central. Para o encarregado de serviços gerais Elison Ferreira, 19 anos, a falta de vagas motiva a prática ilegal dos condutores. ;Esse foi o único lugar que eu encontrei para estacionar. Só parei aqui porque vi um monte de carros parados. Se multarem um, vão ter que multar todos os outros;, justifica o morador de Ceilândia.

Metrô leve
Com a chegada do veículo leve sobre trilhos, conhecido também como metrô leve, estacionar na W3 Sul será tarefa ainda mais difícil. Isso porque o VLT circulará no canteiro central da avenida, onde hoje existem bolsões de vagas. É justamente a resposta para esse problema umas das questões suscitadas pelo Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT). A obra do VLT está suspensa por falta de estudos de impacto de vizinhança. ;Qualquer mudança urbanística feita acarreta modificações que podem ser positivas e negativas para a vizinhança. Cabe ao DF estabelecer os requisitos desse estudo e ao empreendedor, no caso o Metrô, fazê-lo;, explica o promotor da 4; Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) Paulo Leite.

O VLT também enfrenta outros questionamentos na Justiça. No fim da avenida, a construção do viaduto adaptado ao novo transporte está parada por decisão da 7; Vara da Fazenda Pública do DF, até que sejam apuradas supostas irregularidades envolvendo o processo de licitação do projeto. Segundo assessoria da Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF), a Justiça autorizou apenas a continuação de obras emergenciais e de drenagem pluvial a fim de evitar prejuízos.